LITERATURA

8 poemas de amor de Fernando Pessoa e seus heterônimos

ANTÍGONA
Como te amo? Não sei de quantos modos vários
Eu te adoro, mulher de olhos azuis e castos;
Amo-te co’o fervor dos meus sentidos gastos;
Amo-te co’o fervor dos meus preitos diários.

É puro o meu amor, como os puros sacrários;
É nobre o meu amor, como os mais nobres fastos;
É grande como os mares altíssonos e vastos;
É suave como o odor de lírios solitários.

Amor que rompe enfim os laços crus do Ser;
Um tão singelo amor, que aumenta na ventura;
Um amor tão leal que aumenta no sofrer;

Amor de tal feição que se na vida escura
É tão grande e nas mais vis ânsias do viver,
Muito maior será na paz da sepultura!

Ilha Terceira

6-1902
Pessoa por Conhecer – Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990. – 121.
1ª publ.:«Sonetos de Amor». José Blanco. in Colóquio-Letras, nº 88. Lisboa. F. C. Gulbenkian, Nov. 1985.

§

A TUA VOZ FALA AMOROSA…
A tua voz fala amorosa…
Tão meiga fala que me esquece
Que é falsa a sua branda prosa.
Meu coração desentristece.

Sim, como a música sugere
O que na música não está,
Meu coração nada mais quer
Que a melodia que em ti há…

Amar-me? Quem o crera? Fala
Na mesma voz que nada diz
Se és uma música que embala.
Eu ouço, ignoro, e sou feliz.

Nem há felicidade falsa,
Enquanto dura é verdadeira.
Que importa o que a verdade exalça
Se sou feliz desta maneira?
.
22-1-1929
Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). – 108.

§

DORME SOBRE O MEU SEIO…
Dorme sobre o meu seio.
Sonhando de sonhar…
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.

Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser
O espaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.
Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor…

No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.
.
s. d.
Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). – 103.
1ª publ. in Athena, nº 3. Lisboa: Dez. 1924.

§

O AMOR QUE EU TENHO NÃO ME DEIXA ESTAR
O amor que eu tenho não me deixa estar
Pronto, quieto, firme num lugar
Há sempre um pensamento que me enleva
E um desejo comigo que me leva
Longe de mim, a quem eu amo e quero.
Inda de noite, quando durmo, espero
A manhã em que torne a vê-la e amá-la.
……
.
s.d.
Pessoa por Conhecer – Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990. – 36.

§

TEU PERFIL, TEU OLHAR REAL OU FEITO…
Teu perfil, teu olhar real ou feito,
Lembra-me aquela eterna ocasião
Em que eu amei Semíramis, eleito
Daquela plácida visão.

Amei-a, é claro, sem que o tempo e espaço
Tivesse nada com o meu amor
Por isso guardo desse amor escasso
O meu amor maior.

Mas, ao olhar-te, lembro, e reverbera
Quem fui em quem eu sou.
Quando eu amei Semíramis, já era
Tarde no Fado, e o amor passou.

Quanta perdida voz cantou também
Nos séculos perdidos que hoje são
Uma memória irreal do coração!
Quanta voz viva, hoje de ninguém!
.
21-7-1934
Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990). – 157.

§

ALBERTO CAEIRO

AGORA QUE SINTO AMOR…
Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
.
23-7-1930
“O Pastor Amoroso”. Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994. – 108.

§

O AMOR É UMA COMPANHIA
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
.
10-7-1930
“O Pastor Amoroso”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). – 100.

§

RICARDO REIS

NÃO SEI SE É AMOR QUE TENS, OU AMOR QUE FINGES
Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro.
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dadiva
É verdadeira. Aceito,
Cerro olhos: é bastante.
Que mais quero?
.
12-11-1930
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994). – 128.

Mais sobre e com Fernando Pessoa:
Fernando Pessoa – o poeta de múltiplos eus
Fernando Pessoa (poemas e textos)

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