“A música de Amaro Freitas avança para o futuro com os olhos fixos no passado mítico (ou místico?)” — Downbeat.
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“Jovem pianista de Recife, Amaro Freitas faz com que as teclas dancem e criem um jeito único de soar o piano, como se cada nota ricocheteasse em todas as outras, ganhando a energia e o impulso da paisagem ao seu redor. Você pode ouvir influências das tradições culturais do seu território, como frevo, maracatu, baião e ciranda, referências da música pulsante e complexa da obra afro brasileira do mestre Moacir Santos (que veio da vizinha Flores) e inspirações de jazzistas virtuosos americanos como Chick Corea, Thelonius Monk e Herbie Hancock.” — The New York Time
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O que move Amaro Freitas na vida é a experiência. Em 2020, o pianista, morador de Recife, foi atraído para Manaus, na bacia amazônica. Sua experiência naquela natureza exuberante o levou a um novo estágio de criação musical, enraizado na magia do encantamento e temperado pela admiração das riquezas da terra a partir da conexão com a comunidade indígena Sateré Mawé. Amaro teve uma troca muito sincera com essa comunidade, trazendo a preocupação de não se apropriar e sim de compartilhar a visão sensível e íntima que os povos originários têm com a natureza. Dessa forma, compreenderam juntos que homenagear as lendas amazônicas, além de trazer uma percepção poética para o rio e a mata, também reforça a importância da manutenção e do conhecimento sobre a nossa própria história. Nesse álbum “Y’Y” (pronuncia-se IêIê) – que será lançado em 1º de março pelo selo americano Psychic Hotline – Amaro faz uma “homenagem à floresta, especialmente à Floresta Amazônica e aos rios do Norte do Brasil: um chamado para viver, sentir, respeitar e cuidar da natureza, reconhecendo-a como nosso ancestral. É também um alerta sobre a necessidade de termos consciência do impacto que causamos, com base nos conceitos de civilização e modernidade que nos afastam desta ligação e da sua importância para o equilíbrio da vida no planeta”.
Embora construir um álbum em torno de uma experiência tão distante de sua casa em Recife possa parecer estranho, na verdade o trabalho está fundamentalmente ligado à sua discografia anterior. “Tentar resgatar coisas que vieram antes da colonização”, observa ele, é um tema que está presente na sua obra há anos. Amaro explica que simplesmente olhando para os títulos dos seus três últimos projetos “você tem Rasif (grafia em árabe do nome da sua cidade natal)… você tem Sankofa (um termo ganense que significa olhar para trás, entender sua própria história, enquanto continua avançando para o futuro) e agora “Y’Y” (palavra do dialeto Sateré Mawé, código ancestral indígena que significa água ou rio): são temas que não são falados em português ou inglês e, de certa forma, fazem parte da construção deste conceito social mais conectado. Não é de admirar que ele tenha escolhido entrelaçar o conhecimento ancestral neste projeto de uma forma tão significativa.
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Faixas como “Mapinguari (Encantado da Mata)” e “Uiara (Encantada da Água) – Vida e Cura” contam a energia de lendas poderosas, incluindo a história do Mapinguari, “um gigante faminto e peludo com um olho e uma boca enorme no umbigo, que vagueia pela floresta em busca de alimento”, segundo Amaro. A música incorpora o som estrondoso e ameaçador do trovão. Enquanto isso,“Uiara” é descrita por ele como outro nome para o boto cor-de-rosa. A própria palavra significa “a senhora das águas” ou “mãe d’água” em tupi-guarani.
Em “Uiara” Amaro utiliza um EBow (ou dispositivo de arco eletrônico mais utilizado em guitarras elétricas) nas cordas do piano “para gerar ruídos como o do boto rosa, e fita adesiva, para distorcer o som” do piano, simulando o som dos sintetizadores. Além de recorrer ao poder de lendas imbuídas de encantamento ou magia para criar “Y’Y”, também recorre à fonte do poder ancestral que utilizou ao longo de sua carreira.
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“Viva Naná”, é uma homenagem ao percussionista e compositor Naná Vasconcelos, eleito oito vezes melhor percussionista do mundo pela revista Downbeat. Ele também nasceu no mesmo Estado brasileiro de Freitas e também se inspirou e expressou ligações com a floresta, com o rio, com os povos indígenas e com a mãe África, através dos seus discos “Amazonas” e “África Deus”, observa Amaro.
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Em “Dança dos Martelos” Freitas inspira-se na sua ascendência africana mais ampla e transforma o piano em um tambor de 88 teclas, dando novas formas à tradição. A música, em que usa um prendedor de roupa e sementes amazônicas para aumentar o som do seu piano, “introduz uma sensação de caos; mas também contraria o efeito do caos com o lirismo e o ritmo quente dos trópicos” que, segundo ele, une a América Latina e a África.
“Sonho Ancestral” utiliza tanto o piano quanto a m’bira Arican de metal, que serve quase como um metrônomo metálico, embalando os ouvintes em um estado de sonho. “Estamos aqui porque somos o sonho dos nossos antepassados, somos nós que damos continuidade, o elo presente entre o passado e o futuro”, observa Amaro.
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Na faixa-título, “Y’Y”, que conta com a flauta do inglês Shabaka Hutchings em duo, tentam “traduzir a força ancestral do encontro destas águas em dois movimentos opostos”. Em cada um, vocalizações carregadas de eco ressoam como cantos antigos. No início de sua relação de trabalho com Shabaka, ele disse ao flautista: “Cara, parece que tocamos juntos há muito tempo”.
Enquanto isso, “Mar de Cirandeiras” é uma homenagem às cirandeiras de Pernambuco. “A ciranda é uma dança tradicional com pessoas que dão as mãos e andam em círculo”. Amaro ressalta que, ao tocar a música, tem a “impressão de vivenciar uma ciranda na praia, no Tamaracá, no Recife antigo, mas sem necessariamente tocar o ritmo da ciranda”. Faz uma homenagem ao mar e, de certa forma, traz a reflexão e a importância da igualdade entre todos na manifestação. “Também penso que a harmonia tem uma ligação com a música de John Coltrane”, ao mesmo tempo em há uma estrutura harmônica não convencional. Nesta faixa emocionante, acompanhado pelo guitarrista americano Jeff Parker, Freitas canta e toca um piano Fender Rhodes de tons quentes, bem como um piano acústico.
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“Gloriosa” traz Amaro acompanhado pela harpista também americana Brandee Younger e mais um encantamento acontece. Nesta gravação Amaro homenageia sua mãe, Rosilda, que o inspira musicalmente desde a infância. “O canto sempre esteve presente em vários momentos do nosso dia-a-dia. Quando vamos dormir e quando acordamos, nas festas de aniversário e em todas as reuniões da família. Todos esses momentos fizeram parte do meu desenvolvimento lírico e melódico”. A melodia tenta “retratar todo o amor e carinho que recebi de minha mãe quando criança”.
A faixa final é inebriante. “Encantados”, conta Amaro, “celebra a diáspora africana e reforça como as tradições fazem parte do nosso DNA, seja na forma como tocamos e nos conectamos com as nossas raízes ou como entendemos o som como um poderoso ancestral”. E ainda apresenta o icônico baterista americano Hamid Drake, Shabaka Hutchings, na flauta, e o cubano Aniel Someillan, no baixo acústico. Referenciar a ideia de encantamento ao invocar seres encantados “foi algo muito importante neste processo”, e, em vez de atribuir qualquer significado específico ao trabalho, Amaro deseja que os ouvintes “se sintam tocados pelos espíritos, pelos espíritos encantados da floresta”.
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Enquanto o Lado A de “Y’Y” serve como uma expressão de ligação à terra e aos antepassados, o Lado B do projeto serve também como prova de ligações entre a comunidade global de vanguarda negra do jazz. Shabaka Hutchings vem da rica cena musical londrina, o harpista Brandee Younger vem da lendária cena jazzística de Nova York, o baixista Aniel Someillan é descendente de cubanos, enquanto o guitarrista Jeff Parker e o baterista Hamid Drake vêm das profundezas do jazz de vanguarda em Chicago. Este álbum é uma conversa artística entre essas tradições, enraizada nos sons e rituais únicos encontrados nas culturas afro-brasileiras e indígenas. Com “Y’Y” Amaro codifica ainda mais a sua interpretação fresca e “descolonizada” do jazz brasileiro, destruindo noções preconcebidas sobre o que o jazz pode ser.
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A produção musical do álbum “Y’Y” foi orquestrada pelo próprio Amaro Freitas com Laércio Costa e Vinicius Aquino. Mixado pelo mesmo Vinicius Aquino e masterizado por Kevin Reeves e sucede os álbuns “Sangue Negro” (2016), “Rasif” (2018) e “Sankofa” (2021) na irretocável discografia de Amaro Freitas.
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— texto de Ayana Contreras —
DISCO “Y’Y” • Amaro Freitas • Selo Psychic Hotline • 2024
Canções / compositor
1. Mapinguari “Encantado da mata” (Amaro Freitas)
2. Uiara “Encantada da água” – Vida e cura (Amaro Freitas)
3. Viva Naná (Amaro Freitas)
4. Dança dos martelos (Amaro Freitas)
5. Sonho ancestral (Amaro Freitas)
6. Y’Y (Amaro Freitas)
7. Mar de cirandeiras (Amaro Freitas)
8. Gloriosa (Amaro Freitas)
9. Encantados (Amaro Freitas)
– ficha técnica –
Amaro Freitas (piano e vocais) | Participações especiais: Hamid Drake (bateria – fx. 9 ‘Encantados’) | Shabaka Hutchings (flauta – fx. 6. ‘Y’Y’ e fx. 9. ‘Encantados’) | Jeff Parker (guitarra – fx. 7. ‘Mar de cirandeiras’) | Aniel Someillan (baixo – fx. 9. ‘Encantados’) | Brandee Younger (harpa – fx. 8. ‘Gloriosa’) || Produção musical: Amaro Freitas, Laercio Costa e Vinicius Aquino | Engenheiros: Vinicius Aquino e Rinaldo Donati | Gravado no Estúdio Carranca & Onomatopeia Ideias Sonoras – Recife/PE | Gravações adicionais em Los Angeles, CA / Brooklyn, NY | Mixagem: Vinicius Aquino | Masterização: Kevin Reeves | Edição: Kevin Gray | Direção de arte e design: Rob Lewis | Fotografia/arte: Helder Tavares | Fotos de estúdio: Julye Jacomel | Fotos adicionais: Daniel Topete | Fotos divulgação: Micael Hocherman | Textos encarte: Ayana Contreras | A&R: Martin Anderson and Kris Chen / Psychic Hotline | Gerência de marketing: Laercio Costa / 78 Rotações | Assessoria de imprensa: Mary Debs | Selo: Psychic Hotline | Formato: CD digital / LP | Ano: 2024 | Lançamento: 1 de março | ♪Ouça o single: clique aqui.
>> Siga: @amarofreitaspiano | @psychichotline | @78rotacoes
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Série: Discografia da Música Brasileira / Música Instrumental / Jazz / Álbum.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske