sábado, outubro 5, 2024

‘Laercio de Freitas – Moderno e Eterno’ – disco e álbuns de partituras

O projeto editado em 2022, celebrou a obra de um dos principais músicos brasileiros. Assim é “Laercio de Freitas, Moderno e Eterno”, projeto que inclui um CD com composições inéditas e quatro álbuns de partituras de obras do “Tio”, pianista, maestro, arranjador e compositor. O lançamento desse trabalho aconteceu em dois espetáculos dentro da programação do SESC Jazz, nos dias 22 e 23 de outubro daquele ano, no SESC Pompeia, em São Paulo. O disco esta nas plataformas digitais e as partituras estão disponíveis gratuitamente no site.
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O maestro, arranjador, pianista e compositor Laercio de Freitas, foi um dos responsáveis por moldar a música brasileira, com a valorização dos arranjos, nos quais transpôs o erudito ao popular.
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“Laercio de Freitas, Moderno e Eterno” com idealização e direção de Helton Altman e a direção musical de Edmilson Capelupi, o álbum tem arranjos também de Edmilson Capelupi, Nailor Proveta e do próprio Laercio de Freitas. O piano está nas mãos de grandes músicos de gerações diferentes, como Amilton Godoy, Carlos Roberto, Cristovão Bastos, Hercules Gomes, Leandro Braga, Silvia Goes e Tiago Costa

O repertório do disco é formado por Clube de Campo, Planalto Paulista, Arismania, Fonte Santa Teresa, Castelo D’Água, Rua Capote Valente, Lalá Saracoteando, Ferragutiando, Guarapiranga e Vassouras, todas de Laércio de Freitas. As partituras desse projeto nunca tinham sido publicadas, o que impossibilitava muitos outros artistas de executarem suas obras. Serão 11 composições inéditas e nove do LP “São Paulo no Balanço do Choro” – Ao nosso Amigo Esmê, que foi lançado em1980, considerado um divisor de águas na música instrumental brasileira.

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Laercio de Freitas – foto: Ivan Altaman

Um pouco sobre Laercio de Freitas
Como pianista e arranjador, Laercio de Freitas, nascido em Campinas (SP), em 20 de junho de 1941, tem um extenso e respeitável currículo. Tocou na Orquestra Tabajara de Severino Araújo, no Sexteto de Radamés Gnattali e no Tamba Quatro, substituindo Luiz Eça. Como arranjador foi presença importante em discos e shows de João Donato, Elza Soares, Emílio Santiago, Jair Rodrigues, Clara Nunes, Marcos Valle, Wilson Simonal, Banda Mantiqueira, Jazz Sinfônica e Sinfônica do Estado de São Paulo.
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Sua discografia inclui Laércio de Freitas e o som roceiro (1972) – LP CID, São Paulo no balanço do choro (1980) – LP Eldorado, Terna saudade (1988) – L’Art LP, Instrumental no CCBB – Laércio de Freitas e Carlos Malta (1993) – CD Tom Brasil e Laércio de Freitas homenageia Jacob do Bandolim (2006) – CD Maritaca. Na TV, participou de programas como “Um Toque de Classe”(TV Manchete),”Alegria do Choro” e “Café Concerto (TV Cultura), além de ter participado como ator em novelas da Rede Globo como Mulheres Apaixonadas e Viver a Vida. No Cinema, ganhou o Kikito de ouro, prêmio do Festival de Cinema de Gramado de melhor trilha sonora em 1999, pelo filme “Amassa que elas gostam” de Fernando Coster e é João Cândido, o líder dos marinheiros em 1910 depondo para a posteridade em 1968, no filme “Chibata” de Marcos Manhães Marins, filme de 2015.
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O maestro, ator e pianista Laércio de Freitas, morreu aos 83 anos, em São Paulo, no dia 5 de julho de 2024

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Capa do álbum ‘Laercio de Freitas, Moderno e Eterno’ • Laercio de Freitas • Sonora Produções • 2022 | Arte Ariel Severino

DISCO ‘LAERCIO DE FREITAS – MODERNO E ETERNO’ • Laercio de Freitas • Sonora Produções • 2022
Músicas / compositor
1. Clube de campo (Laercio de Freitas “O Tio))
2. Planalto Paulista (Laercio de Freitas)
3. Arismania (Laercio de Freitas)
4. Fonte Santa Teresa (Laercio de Freitas)
5. Castelo D’Água (Laercio de Freitas)
6. Rua Capote Valente (Laercio de Freitas)
7. Lalá Saracoteando (Laercio de Freitas)
8. Ferragutiando (Laercio de Freitas)
9. Guarapiranga (Laercio de Freitas)
10. Vassouras (Laercio de Freitas)
– ficha técnica –
Pianistas convidados – Leandro Braga (piano – fx. 1) | Tiago Costa (piano – fx. 2) | Carlos Roberto (piano – fx. 3, 8) | Cristovão Bastos (piano – fx. 4) | Hercules Gomes (piano – fx. 5) | Silvia Goes (piano – fx. 6) | Amilton Godoy (piano – fx. 10) || Edmilson Capelupi (violão 7 cordas – fx. 1, 2, 4, 5, 6, 7, 9) | Lucas Arantes (cavaco – fx. 1, 6, 7, 9) | Daniel Migliavacca (bandolim – fx. 1) | Fábio Peron (bandolim 10 cordas – fx. 2, 6) | Eduardo Brasil (contrabaixo – fx. 2, 4, 5, 6, 9) | Nino Nascimento (contrabaixo – fx. 3, 8) | Josival Paes (guitarra acústica – fx. 3, 8) | Celso de Almeida (bateria – fx. 3, 8) | Cleber Almeida (bateria – fx. 4, 5, 6; pandeiro – fx. 8) | Rafael Toledo (pandeiro – fx. 1, 2) | Xeina Barros (pandeiro – fx. 7, 9) | Nailor Proveta (clarinete – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 7; sax alto – fx. 8) | Jotagê Alves (clarone – fx. 2, 7, 9) | Toninho Carrasqueira (flauta – fx. 2, 7, 9, 10) | Josué dos Santos (flauta – fx. 3, 8) | Gabriela Machado (flauta – fx. 6) | Jorginho Neto (trombone – fx. 8) | Raphael Sampaio (trompete – fx. 8) | Thadeu Romano (acordeon – fx. 4) | Olivinho (acordeon – fx. 9) || Arranjos: Edmilson Capelupi (fx. 1, 2, 4, 5, 6, 7, 9); Nailor Proveta (fx. 3, 8); Laercio de Freitas (arranjo original) | Idealização e direção: Helton Altman | Direção musical: Edmilson Capelupi | Produção executiva: LuLopes | Apoio de produção: Guete Oliveira | Transcrição de partituras: Daniel Migliavacca | Administração: Elenice Altman | Registro audiovisual e edição: Ivan Altman | Capa e projeto gráfico: Thea Severino | Ilustrações: Ariel Severino | Fotos: Marco Aurélio e Ivan Altman | Gravado no Estúdio Jacarandá | Produção: Tatiane Rosa e Raquel Correia | Engenheiros de gravação: Jennifer Rodrigues e Rafael Themes | Mixagem: Beto Gebhard | Masterização: Julian Ludwig || Agradecimentos: Aluízio Falcão, Ariel Severino, Armando Aflalo (em memória), Daniel Migliavacca, Guete Oliveira, Luís Nassif, Lucia Paulino, Piki de Freitas, Tomeh de Freitas
Assessoria de imprensa: Debora Venturini | Selo: Sonora Produções | Distribuição: Tratore | Formato: CD digital / físico | Ano: 2022 | Lançamento: 17 de novembro | ♪Ouça o álbum: clique aqui | ♩Partituras: clique aqui.
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>> Siga: @laerciodefreitasmodernoeeterno | @maestro.laercio.de.freitas

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Laercio de Freitas – foto: Marco Aurélio Olímpio

O som imprevisível de um gênio do piano
– por Luis Nassif
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Comecei no jornalismo cobrindo Artes e Espetáculos e escrevendo sobre música. Com 4 anos de jornalismo mudei para Economia e não mais saí. Mas continuei dando meus pitacos em música. Quando fui para o Jornal da Tarde, em 1979, consegui mais espaço para meus artigos, especialmente sobre choro e música instrumental.
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Mesmo assim, surpreendi-me quando Armando Aflalo, produtor musical do Estúdio Eldorado, encomendou-me o texto da contracapa do LP de Laercio de Freitas. Tinha uma vaga ideia sobre quem fosse. Sua única música conhecida era “Capim Gordura”, uma sátira à música caipira de imenso sucesso.
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Assim, pedi para assistir as gravações para ter uma ideia sobre seu trabalho. E, admito, foi um soco no queixo. O som que saía dos estúdios Eldorado não era para se entender de imediato, uma sucessão de harmonias, uma melodia cheia de imprevistos, deixando desesperado o Xixa, grande cavaquinho, mas de choro tradicional. Quem se dava bem, dominando de imediato as harmonias, era o grande Heraldo do Monte, graças à sua experiência prévia com as bandas de frevo e com a leitura rápida de partituras. Escrevi a contracapa mencionando a palavra gênio. Na música, gênio são aqueles que constroem seu universo particular de sons, mas dentro de uma lógica, difícil de classificar à primeira audição, mas sempre lógica. Não se tratava apenas de notas e acordes esparsos jogados na melodia. Comparei Laercio e Cazé e outros gênios ignorados, músicos de músicos. De fato, em qualquer ramo da arte, os grandes inovadores têm um conhecimento prévio sólido. Em cima desse conhecimento, passam a tecer sua própria lógica.

Alguns anos antes, no Festival de Choro da Bandeirantes, conheci Esmeraldino Salles, o “Ao Nosso Amigo Esmê”, subtítulo do LP São Paulo no Balanço do Choro de Laercio e, ao lado de Orlando Silveira, pioneiro de uma nova linguagem do choro, tão rica e complexa que deixou poucos seguidores.
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Durante muito tempo fiquei preocupado com o “gênio” que incluí no texto. Teria sido excesso de entusiasmo pela primeira contracapa que escrevi? Aí, toca ouvir de novo o LP e constatar que era gênio mesmo.

A cisma terminou em uma conversa com Raphael Rabello, o imenso violonista que se tornara meu amigo. Certa vez indaguei dele quem Radamés Gnattali tratava como “gênio”. E Raphael: Dos vivos, apenas um: Laercio de Freitas, o Tio.

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Laercio de Freitas – foto: Marco Aurélio Olímpio.

Depois disso, na convivência com grandes músicos, me dei conta de que nenhum passou incólume pelo Tio. De pianistas, de Cristovão Bastos a Dudah Lopes, solistas e arranjadores, como Proveta, violonistas, como Alessandro Penezzi, todos beberam no Tio. Pequenos conselhos, dicas, em tom hermético, como o das divindades afro, os pretos velhos sábios, mudaram a vida musical de toda uma geração de músicos de primeira linha. As composições inéditas de Laercio, apresentadas nesse projeto, mostram a versatilidade do mestre.

Reparem no “Clube do Campo”, com o grave do piano em escalas integradas com o bordão do violão, intercalando com os solos do meio e do agudo do piano e com os instrumentos de sopro. No meio, intervenções de acordes, com vida própria, servindo de base para os solos, mas sendo, ao mesmo tempo, um elemento melódico, construindo uma avenida por onde transitam os contrapontos.
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Ou, em Planalto Paulista, os volteios da melodia, como um drible de Ronaldinho, ameaçando ir e não indo, voltando por onde foi, indo para onde não se espera, e, no final da peça, compondo um todo harmônico, que só se entende depois de saborear o todo. E dali, para o lirismo aconchegante da Fonte de Santa Teresa.
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Ou de Arismania, homenagem a Arismar do Espírito Santo, com a melodia se comportando como o transeunte que caminha tranquilo pela rua e, de repente, multiplica os passos sem alterar o ritmo da caminhada, mais uma das magias que Laercio usa e repassa aos seus discípulos.

Ou o Ferragutiando, homenagem a Toninho Ferragutti. Não tem ritmo que não caiba na arte de Laercio e não saia transformado. É o caso de Castelo D’água, um samba maxixado.
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É toda uma revolução embalada pela alma brasileira de Laercio, desenhando um país que, através da música, resiste ao atraso, onde os instrumentos se confraternizam para celebrar o moderno, o eterno, como preconizando os novos tempos que nascerão das brumas atuais, espalhando solidariedade, harmonia e lirismo ao seu redor.

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‘Laercio de Freitas, Moderno e Eterno’ • Arte de Ariel Severino.
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Laercio de Freitas – foto: Daniel Kersys

Série: Discografia da Música Brasileira /  Música instrumental / Álbum.
Publicado por ©Elfi Kürten Fenske


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