Dori Caymmi musicou peça censurada de Mário Lago. Em 1798, quatro jovens negros e negro-mestiços – dois alfaiates de profissão e dois soldados – Luiz Gonzaga das Virgens, João de Deus, Lucas Dantas e Manuel Faustino dos Santos Lira mobilizaram Salvador e seu Recôncavo, por meio de cartas sediciosas, que conclamavam à revolução, à libertação do Brasil do jugo português e a proclamação de uma República Bahiense. Descobertos e presos, em 8 de Novembro de 1799, foram enforcados na praça da Piedade, tiveram seus corpos esquartejados e declarados infames por várias gerações seguintes. O episódio conhecido da história brasileira, como A Revolta dos Alfaiates, inspirou o ator, escritor e compositor Mário Lago (1911/2002) a escrever sua ultima peça Foru 4 Tiradente na Conjuração Mineira. A peça não passou pela censura do regime militar. Nunca chegou aos palcos. Teve uma única leitura pública, com participação do próprio Mário, ao lado dos atores Oswaldo Loureiro, Wanda Lacerda, Francisco Milani e Milton Gonçalves. Passados 42 anos, ganhou música de Dori Caymmi, e vira disco com selo da Acari Records. Milton Gonçalves interpreta o texto de abertura no disco Um musical com fundo político que lembra os que se faziam na primeira metade dos anos 60, a exemplo de Arena Conta Zumbi (de Giafrancesco Guarnieri, com música de Edu Lobo), ou o Opinião de Augusto Boal (com direção musical do próprio Dori Caymmi).
‘Foru 4 Tiradente na Conjuração Baiana’ soa sinistramente atual
Disco retoma tradição de ‘Arena conta Zumbi’ e ‘Calabar: O elogio da traição’
por Leonardo Lichote
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O encontro do texto de Mário Lago com a música de Dori Caymmi em “Foru 4 Tiradente na Conjuração Baiana” (Acari Records) engrossa a tradição de musicais como “Arena conta Zumbi” e “Calabar — O elogio da traição”. Ou seja, do uso de episódios históricos como metáfora para atacar, num quadro geral, o autoritarismo e a crueldade do poder, e num quadro histórico específico, a ditadura militar. Num primeiro momento, portanto, pode-se pensar que — a despeito da qualidade dos versos e da música — há um tanto de anacronismo na proposta, de um discurso velho requentado, de resistência a inimigos já mortos.
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Capoeira e desafio
O caminhar da História e o noticiário recente, porém, dão um frescor ao álbum que crava seu lugar em 2015. Quando um deputado recordista de votos defende o golpe de 1964 e homenageia um torturador confesso, é natural que seja necessário celebrar episódios como a Conjuração Baiana de 1798 (ou, como lembra o texto de abertura declamado por Milton Gonçalves, “a Revolução dos Alfaiates, dos Mulatos ou, ainda, dos Barbudos, movimento que sonhava com a independência do Brasil e uma república na qual todos os homens seriam iguais”).
Dori deu vida ao texto de Lago levando-o ao universo de formas musicais e poéticas existentes (também) na Bahia, cenário da saga de João de Deus, Lucas Dantas, Luiz Gonzaga e Manoel Faustino, os “4 Tiradente” em questão. A capoeira da convocação de guerra “E tunei”; o desafio “Cantadores”; o afrossamba-de-roda “Mã Carumina”. Tudo dentro de uma secura que o prende à terra. E dentro da beleza da MPB clássica na qual o violonista é um dos grandes — beleza que é reafirmada por convidados como Joyce Moreno, Renato Braz, Monica Salmaso e Sergio Santos, todos cultores da mesma linhagem.
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A imagem de Lago fichado no encarte (em 1932, 1941 e 1964), a voz dos delatores vendidos (“Que nos xinguem os idiotas/ Nós somos é patriotas”), a voz do português dando limites à liberdade, a voz da História afirmando que “O boi se cansou, de tanta pancada/ Deu-se o estouro da boiada”, sob a costura da musicalidade popular ancestral e eterna. Tudo, enfim, soa velho e novo.
DISCO ‘FORU 4 TIRADENTE NA CONJURAÇÃO BAIANA’ • texto de Mário Lago e e música de Dori Caymmi • Selo Acari Records • 2015
Canções / compositores
1. Abertura (Mário Lago) / Cantadores (Dori Caymmi e Mário Lago) | Narração Milton Gonçalves / Interpretes: Dori Caymmi e Sergio Santos
2. Você pode (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interpretes: Dori Caymmi, Roberto Leão, Alice Passos e Breno Ruiz
3. Bateram no boi (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interpretes: Mônica Salmaso e Joyce Moreno
4. Governador (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interpretes: Roberto Leão e Dori Caymmi
5. Vai isso vai (Dori Caymmi e Mário Lago) | Coro
6. Viver de pecar (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interpretes: Dori Caymmi, Joyce Moreno, Renato Braz e Mônica Salmaso
7. Ma Carumina (Dori Caymmi e Mário Lago) | Coro
8. Numero um e o primeiro (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interpretes: Dori Caymmi, Renato Braz, Mario Gil e Breno Ruiz
9. Igualdade e liberdade (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interpretes: Dori Caymmi + coro
10. A coroa balançou (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interpretes: Dori Caymmi e Renato Braz + coro
11. Como foi (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interprete: Renato Braz
12. E tunei (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interprete: Dori Caymmi
13. Tres Joaquins (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interpretes: Dori Caymmi, Roberto Leão, Breno Ruiz e Renato Braz
14. Escuro (Dori Caymmi e Mário Lago) | Interpretes: Dori Caymmi e Sergio Santos
– ficha técnica –
Dori Caymmi – violão e Dori Caymmi | Rodolfo Stroeter – baixo | Teco Cardoso – flauta |Bré – percussão | Mário Gil – voz | Sérgio Santos – voz | Renato Braz – voz e vocais | Roberto Leão – voz | Breno Ruiz – voz e vocais | Joyce Moreno – voz e vocais | Mônica Salmaso – voz e vocais | Alice Passos – voz e vocais | Barbara Rodrix – vocais | Texto/leitura de abertura: Milton Gonçalves | Produção musical e arranjos: Dori Caymmi | Coordenação de projeto: Helena Ciampolini Leal e Guto Burgos | Gravado no estúdio Dançapė, São Paulo, maio de 2015 | Engenheiro de som: Mário Gil | Mixagem e masterização no estúdio Visual Rhythm, Alhambra, CA, junho de 2015 | Engenheiro de mixagem e masterização: Carlos Y. Del Rosario | Produção fonográfica: Acari Records – Diretores Luciana Rabello e Mauricio Carrilho | Arte gráfica: Elianne Jobim | Ilustrações do artista plástico: Samuka Marinho | Fotos e documentos Mário Lago: Acervo da família | Fotos Dori Caymmi e Sergio Santos: Myriam Vilas Boas | Todas as músicas: letra/texto de Mário Lago e música de Dori Caymmi | Selo: Acari Records | Cat.: AR 56 | Formato: CD digital / físico | Ano: 2015 | Lançamento: 20 de junho | ♪Ouça o álbum: youtube | apple music | spotify | clique aqui.
Agradecimento
“FORU 4 TIRADENTE NA CONJURAÇÃO BAIANA” é uma peça histórico-musical de Mário Lago, escrita nos anos 1970, censurada pela ditadura militar e musicada por mim em 2014, a convite dos seus filhos. A Graça, Antonio Henrique e Mariozinho Lago, pelo convite que muito me honra, por ter me dado a oportunidade de me tornar parceiro desse velho amigo, e grande brasileiro, Ao Samuka Marinho, um novo amigo, pela doação do belíssimo desenho dos conjurados. Ao querido amigo Milton Gonçalves, pela leitura do texto de Mario Lago na abertura. A Elianne Jobim, querida amiga, pelo lindo trabalho gráfico, cedido tão gentilmente. Aos mais que queridos amigos, velhos e novos, Joyce, Monica, Alice, Barbara, Sergio, Renato, Breno, Mario, Roberto, Rodolfo, Bré, Teco e Yutaka, muito obrigado. – Dori Caymmi.
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Série: Discografia da Música Brasileira / Memória discográfica / Memória Musical Brasileira / Canção / álbum.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske
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