Não tenho me avistado dentro da paisagem, ultimamente. Como me via, outrora; algo vivente, interativo e pulsante sob a abóbada azul. Vibrando minha aura com a aura dos raios solares e sentindo os cheiros entranhados, inumeráveis brotados da terra. Sentia-me comum entre os objetos naturais e mesmo os manufaturados.
Mas hoje, é como se uma estranha e misteriosa energia-força estivesse desfragmentando e deslocando tudo, planos de órbitas, rotações, polos magnéticos, meridianos numa nova e incógnita eclíptica, quem sabe em torno de um outro sol ainda oculto, invisível, monstruosamente imenso!
A sensação de estar sendo levado num salto quântico para uma orbe e dimensão diferentes. Não caindo num abismo. Mas expelido e puxado como motor de arraste, helicoidal e em espiral, tudo ao mesmo tempo.
Como aquela árvore que se vê no horizonte da estrada, sendo arrastada, desfigurada, já desfolhando-se sob os raios tétricos da tempestade… Tal qual estranhas, altas e transparentes persianas movendo-se e revelando no sumidouro da mecânica celeste, um vazio sem fundo.
E eu tentando me orientar neste assoalho 3D do espaço-tempo terrestre, pensando na chuva de astros e asteroides, em mil riscados, cadentes letras em sinais incandescentes, num vaticínio de cataclisma cabalístico – ruído de grito seco e céu sem eco.
Porque a humanidade quer tecnologizar tudo? Até os mais puros, singelos e simples sentimentos?
Na mesa, antes lauta, lugar de pouso das abelhas douradas e dos sobrevoos das borboletas azuis e amarelas, agora o zumbido de moscas verdes e escuras rondando…
Como se os 5 sentidos, anteriormente interligados aos nossos órgãos e membros, estivessem aos poucos se desconectando. E a estranha sensação em ver fileiras de gentes foragidas, saindo de todos os vilarejos do mundo, e que irá perder aos poucos as suas culturas de origem, seus idiomas e dialetos, os cheiros, os sons, que evocavam imagens, nascidas das formas mais sagradas de seus sonhos.
Porque não gradualmente, lentamente pelos milênios? Mas assim, tão de repente e de uma vez, como estamos vendo. Porque a humanidade decidiu que precisa implodir e explodir a sua existência e o reino planetário de sua origem num último ato suicida?
Dizem os maquinais internautas que é o “Doomsday Clock”, o relógio simbólico e sincrônico, criado por cientistas atômicos para marcar a zero hora do fim deste mundo atual. Ponteiros acertam, ajustam os últimos macro-segundos: das mudanças climáticas com as armas atômicas e químicas, dos HAARPs com os ciberataques mundiais, do caos social, religioso e moral com o caos econômico e político. Há 70 anos atrás esse relógio nem existia, eles dizem. O que deflagrou de 70 anos pra cá a chegada deste gigante vórtice destruidor do apocalipse? Aqueles que estudam ciências politicas e sociais ou religiões provavelmente saberão exatamente o real motivo… Parece até aquele filme hollywoodiano, assustador, em que se vê a assombrosa invasão de Aliens reptilianos sobre a cidade de Jerusalém.
As degradações são indignas. Mas as extinções são terminais. Dentre as coisas colapsantes, as que mais me entristecem são as céleres extinções. Tudo o que o tempo em feituras engendradas impregnou de histórias a seu modo: bichos – insetos, mamíferos, pássaros e peixes; as plantas – recantos paradisíacos, biomas, os tipos de cultivos, as frutas, legumes, cereais e principalmente as línguas humanas – esses rastros de histórias decodificadas em signos e sinais, criptografadas em nossa memória.
As formas de comunicações, os sons vocálicos, idiomáticos repletos de incríveis sotaques, informações transmitidas boca a boca, palavra por palavra, através de étnicas e rítmicas entonações, tantas e tão ricas, saídas muitas vezes das fontes e bosques inacessíveis, dos subterrâneos, dos lugares secretos da Terra para as mentes de seus habitantes…
Na última década, mais de 100 línguas desapareceram, outras 400 línguas estão sumindo e apenas 60 línguas são faladas por uma única pessoa remanescente. O que contavam suas falas, seus sinais, a sua gramática? Que bio-sintaxe brotava daquelas células linguísticas, nas mãos de seus velhos sábios e suas milenares sabedorias?
Segundo a Unesco, a cada 14 dias morre em algum lugar deste planeta, uma língua. Mais de 7 mil idiomas morrerão nos próximos anos; e com eles seus verbos substanciais; e todos os múltiplos , incontáveis apetrechos de adjetivos e utensílios semânticos raros. Também as lendas, os ritos e as danças, toques de aviso de tambores, gritos e assovios codificados, cantos e mantras, símbolos e yantras, desenhos mapeados. E os receituários orais, nas pedras, na pauta de estrias das folhas, as técnicas mágicas e ecossistêmicas, ainda imantadas, de primitiva ciência contendo simultaneamente a mística e o noético. Não temos a dimensão das perdas culturais e medicinais que sofreram nossas tribos indígenas. Pouco a pouco, os seres humanos vão desfazendo seus elos com a terra e em consequência com o universo.
Estamos perdendo as lições ancestrais das antigas raças e o tesouro de suas psicologias. Estamos aos poucos desmemorizando referências e aprendizados especiais. Perdendo a mão na escrita, apagando os nossos rastros… Estamos vivendo como autômatos, digitando, cegos, computadores que nos espionam. À espera do black out fatal, que as hecatombes naturais já nos antecipam. E como será essa tecno modernidade, sem luz, sem água, sem capa de ozônio, a mercê da barbárie coletiva e ignara e das alterações climáticas? Será o Nada.
Na cerração da neblina e dos vapores industriais, entre rios, mares, montanhas e cachoeiras, pelas calçadas urbanas, estradas, ruas, avenidas e vales tudo vai sendo extinto e degradado. Será que teremos que reconstituir somente com a mente e com a sobra dessas maquinarias, de validade já vencida, todas as sementes perdidas, todos os reinos moleculares? E esperar por uma desconhecida e perigosa nova tabela periódica trazida quem sabe por alienígenas?
Se poucos de nós sobrarem pelos escombros, que rastro vivente manterá os nossos últimos traços humanos, que nos eram tão diferenciais e caros e definiam a mágica marca de cada indivíduo? A se/mente de todas as pa/lavras compondo um ideograma, um dervixe semiótico, rodopiando volátil no coração de cada ente vivo. E nesta dádiva , a constatação e o reconhecimento de que somos realmente Devas, o deus em nós, em aparência humana e a serviço da sua humanidade.
É hora de colher dicionários vetustos e perdidos. De lembrar os sabores esquecidos. Outro dia, pesquisando, lí que um dos primeiros sinais de que alguém está prestes a morrer é através da perda gradual da sua capacidade olfativa. O laudo da morte: “ morreu porque não sentia mais os perfumes da vida ”. Se perdermos nuances de aromas e sabores, morreremos sem nos ater a nossa alma-essência, arca pessoal e translúcida de cada segundo/vivência. Cada coisa tem um corpo com seu nome. O invólucro e seu conteúdo. O sânscrito e o aramaico. O que seria da borboleta sem o processo interior e exterior da crisálida? Uma sociedade que não respeita a morte, que valor dará ao tempo e a natureza, aos seres e a existência? O que os pais em casa e os professores, na escola estão ensinando a essas crianças?
É hora de religar. Não com religiões tradicionais, corporativas baseadas em livros antigos e adulterados. Não com tablets-robôs, educadores binários. Mas criar uma religião orgânica, com a lavra dos pés, a enxada, a viola e o lápis nas mãos. E com músicas de todas as geografias cantadas em voz alta. É hora de visualizar parapsicologicamente os nossos amigos, cúmplices de viagens e anseios, e projetar, construir uma nova comunidade de sistemas e valores reais. Coletar palavras bonitas de significado, pinçadas de cada língua, idioma e cultura, que tragam recados implícitos e explícitos, proferindo-as como se fossem encantamentos. E ativar a micro-roda dos nossos chacras ainda tão adormecidos. Só assim espantaremos os maus espíritos, esses algozes das extinções e do futuricídio e desta maneira poder transformar a qualidade energética do mundo.
Como dizia o poeta do linossigno, Cassiano Ricardo, em seu poema sobre-vivente: – “Se Deus já não mais nos salva, nós, os sobreviventes é que o salvaremos”.
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* Carlos Walker ou simplesmente Wauke. Músico, Escritor e Astrólogo há 40 anos. Carlos Walker começa a cantar em 1969 através de Festivais no Brasil. Têm livros publicados e discos gravados. Gravou para trilhas sonoras de novelas da TV Globo… Seu primeiro disco (1975) reúne um elenco estelar: os arranjadores Laércio de Freitas, Alberto Arantes e o grande Radamés Gnatalli. O disco conta também com participações de Hélio Delmiro, João Bosco, Piry Reis, Peter Daulsberg, José Roberto Bertrami, Gilson Peranzetta, entre outros. O acalanto “Alfazema”, que consta deste primeiro disco, alcançou sucesso nacional com arranjo de Waltel Branco. Walker gravou com seu parceiro Piry Reis, para o selo Carmo, com participações de Egberto Gismonti, Romero Lubambo, Vanderlei Pereira, Mauro Senise. Um outro disco-referência, antecipador de tendências é ONDA (Wauke Celebrates Jobim) em que o cantor vem acompanhado pela Banda Hig Life: Nico Assumpção, Ricardo Silveira, Luís Avelar, Carlos Bala, Márcio Montarroyos e Marçalzinho. Este disco foi aplaudido pela crítica e pelo público. Walker é parceiro de Aldir Blanc, Piry Reis, Hermeto Paschoal, Lúcio Gregori. Conviveu na intimidade com João Gilberto, seu mestre influenciador, e teve em Elis Regina, a sua primeira incentivadora em 69. (fonte: letras)
* Escreve na Revista Prosa, Verso e Arte.