sexta-feira, janeiro 17, 2025

Lembrando Garoto: álbum de Cristovão Bastos, Romero Lubambo e Mauro Senise

Cristovão Bastos, Romero Lubambo, Mauro Senise lançam “Lembrando Garoto” – Uma homenagem ao grande mestre do violão. Disco lançado em formato físico e digital pela gravadora Biscoito Fino, já disponível.
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“Lembrando Garoto”
Texto de Roberto Muggiatti
O trio está de volta, mais entrosado que nunca. O brilhante piano acústico de Cristovão Bastos, os saxofones e flautas rascantes de Mauro Senise e o violão virtuoso de Romero Lubambo exploram, desta vez, o rico e inesgotável filão melódico, harmônico e rítmico de Garoto, o mestre maior do violão brasileiro.
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Considerado nosso equivalente do grande jazzista cigano belga Django Reinhardt (1910-53), Garoto fez mais de 200 composições nos seus breves 39 anos.  Aníbal Augusto Sardinha (1915-55), nascido em São Paulo, foi o quinto dos sete filhos de um casal de imigrantes portugueses, o primeiro nascido no Brasil. O sangue ibérico – com sua mistura de lusitano, árabe e judeu – justifica a comparação com Django e explica a complexidade da música de Garoto.
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O álbum abre com Duas contas, o samba-canção apresentado pela primeira vez no rádio em 1951 e interpretado por dezenas dos maiores nomes da MPB. Depois de uma introdução com flauta e piano, o violão de Lubambo expõe a bela melodia, retomada por um sax alto contido de Mauro e pelo toque impressionista do arranjo de Cristovão – Debussy passou por aqui? Mauro e Lubambo voltam para improvisos que se dissolvem numa coda sutil.

O choro Jorge do Fusa, com seu balanço contagiante, se presta a uníssonos da flauta de Mauro com o piano e o violão. Infernal, um choro de 1943, tem a melodia levada num clima cool pelo sax soprano de Mauro e uma conclusão em tempo dobrado nos seus sucintos 3:56.
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Nas longas horas que passei deleitando-me com este CD, ouvi as gravações originais de cada faixa pelo próprio Garoto. É impressionante sua modernidade, parece que está pedindo para tocar com esse trio contemporâneo – e vice-versa.
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Com o pai e dois irmãos músicos, talento precoce, destacou-se aos doze anos como o Moleque do Banjo e, não demorou muito, foi promovido a Garoto Fazia maravilhas em todo e qualquer instrumento de cordas dedilhadas que lhe caísse às mãos. Do seu arsenal figuravam violão, banjo, cavaquinho, violão tenor, bandolim, violino, guitarra portuguesa, guitarra havaiana, violoncelo, contrabaixo, violão quinto, rajão, bandola e uma criação sua, o bandolim-cello. Durante dois anos, manteve um duo admirável tocando guitarra havaiana com a pianista Carolina Cardoso de Meneses.

O samba Lamentos do morro abre com uma introdução ao violão de Lubambo, que também fez o arranjo, beirando o flamenco, que Garoto adoraria. O tema segue entremeado da vamp irresistível, com improvisos do violão, do sax alto e do piano cheios de suingue. Peraí, pô! Proponho uma reforma vocabular urgente: mesmo com swing na grafia abrasileirada, vamos chamar esse nosso balanço de ginga – é tudo o que ele é… Mas vamp prevalece, e ela volta, obsessiva na coda, nesta que é a mais longa e a melhor faixa do álbum, uma concentração de criatividade em 7:52.
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O choro-triste Recordações, enunciado suavemente pelo sax-alto, prossegue com o violão plangente e o piano dos antigos saraus e viaja de repente pela atmosfera nostálgica das modinhas. O saltitante choro Vamos acabar com o baile faz jus ao título subversivo e se presta ao piccolo de Mauro em staccato, ao violão serelepe de Lubambo e ao piano sincopado de Cristovão e tudo acaba rápido na mais curta faixa do disco (2:49).

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Cristovão Bastos, Romero Lubambo, Mauro Senise – foto de Nana Moraes

A  canção Gente humilde se tornou um hit póstumo ao ganhar letra de Vinícius de Moraes e retoques de Chico Buarque em 1970, com os pungentes versos finais: “E aí me dá uma tristeza no meu peito/Feito como um despeito de eu não ter como lutar/E eu que não creio peço a Deus por minha gente/É gente humilde, que vontade de  chorar”.

Gravada por dezenas de estrelas da MPB, é a composição mais famosa de Garoto. Curiosamente, na época em que a gravou, Garoto ofereceu uma versão com letra, de um colaborador espontâneo anônimo, que não chegou a ser gravada comercialmente. Foi interpretada uma única vez em 16 de novembro de 1951, no programa Ondas Musicais, da Rádio Nacional, pelo coral  Os Cantores do Céu, com arranjo de Badeco e Severino Filho. Aqui vai, a título de curiosidade:
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“Em um subúrbio afastado da cidade/Vive João e a mulher com quem casou/Em um casebre onde a felicidade/Bateu à porta foi entrando e lá ficou/E à noitinha alguém que passa pela estrada/Ouve ao longe o gemer de um violão/Que acompanha/A voz da Rita numa canção dolente/É a voz da gente humilde/Que é feliz.”

Toda a magia das antigas serestas evocada por esta obra-prima de Garoto ressoa nos inspirados solos alternados de Mauro (ao sax alto), Cristovão e Lubambo. Não há muito a comentar aqui: é beleza pura.
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Aos 24 anos, Garoto foi “fazer a América”, deixando o Rio de Janeiro a bordo do vapor Uruguai, em 18 de outubro de 1939, a Segunda Guerra tinha começado em 1º de setembro com a invasão da Polônia pela Alemanha. (Os Estados Unidos só entrariam no conflito depois do ataque japonês à base havaiana de Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941.) Carmen Miranda finalmente liberou sua entrada nos EUA depois de 40 dias de tratativas. Após uma temporada de oito meses no grupo que acompanha a Pequena Notável, o Bando da Lua, o violonista era aclamado pelo organista Jesse Crawford como o homem dos dedos de ouro. O sucesso de Carmen é bombástico, popular, já Garoto repercute na área mais seletiva do jazz. Não só acompanha Carmen, mas é o responsável pelas introduções e solos de todas as canções. A turnê passa por Nova York, Detroit, Chicago, Washington, San Francisco, Pittsburgh, Saint Louis e vai até Toronto, no Canadá. As plateias admiradas incluem músicos como o pianista Art Tatum e o band-leader Duke Ellington.

Benny Goodman no choro provavelmente foi inspirado por essa viagem, pensando não só no clarinetista e chefe de orquestra, mas também no seu fabuloso guitarrista, Charlie Christian, morto em 1942 aos 25 anos. Garoto apresentou este choro pela primeira vez na Rádio Nacional, com arranjo de Radamés Gnattali, acompanhado pela Orquestra Brasileira.
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Depois da melodia exposta em uníssono, vem o solo mais jazzístico de Mauro (ao alto), com um leve aceno a sua citação-fetiche de Oliver Nelson, Hoe Down. O piano de Cristovão deita e rola nas síncopas. É a única faixa de Lubambo na guitarra elétrica, num improviso que lembra as acrobacias estilísticas de Wes Montgomery.
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Tristezas de um violão, também conhecido como Choro Triste nº 1, poderia levar a assinatura de Villa-Lobos. O sentimento é acentuado pelo violão pungente de Romero e pela flauta erudita de Mauro, enquanto Cristovão nos leva de volta aos salões dos anos 1900.

Romero faz sua homenagem com Theme I, composição complexa emulando o virtuosismo de Garoto, com uníssonos e solos vibrantes do violão e da flauta de Senise e uma breve, mas eloquente intervenção de Cristovão ao piano.
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É um tema de Cristovão, Lembrando Garoto, que fecha o álbum, uma balada nostálgica com solos sentimentais e meditativos de Mauro no sax alto, Cristovão e Romero, deixando-nos uma sensação de plenitude estética ao final deste disco maravilhoso.
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Lembrando Garoto, é bom destacar, teve a produção do CD nas mãos carinhosas e competentes da mulher e musa de Mauro Senise, Ana Luísa Marinho. Que nos brinda com um generoso spoiler: Vem aí Ary Barroso!

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Capa do álbum ‘Lembrando Garoto’ • Cristovão Bastos, Romero Lubambo, Mauro Senise • Selo Biscoito Fino • 2025

DISCO ‘LEMBRANDO GAROTO’  • Cristovão Bastos, Romero Lubambo, Mauro Senise • Selo Biscoito Fino • 2025
— Uma homenagem ao grande mestre do violão —
Música / compositores
1. Duas contas (Garoto)
2. Jorge do Fusa (Garoto)
3. Infernal (Garoto)
4. Lamentos do morro (Garoto)
5. Recordações (Garoto)
6. Vamos acabar com o baile (Garoto)
7. Gente humilde (Garoto, Vinicius de Moraes e Chico Buarque)
8. Benny Goodman no choro (Garoto)
9. Tristezas de um violão (Choro Triste n° 1). (Garoto)
10. Theme I (Romero Lubambo)
11. Lembrando Garoto (Cristovão Bastos)
– ficha técnica –
Cristovão Bastos (piano – fx. 1 a 11) | Romero Lubambo (violão – fx. 1 a 7 e 9 a 11; guitarra – fx. 8) | Mauro Senise (flauta – fx. 1, 2, 6, 9, 10; sax alto – fx. 1, 4, 5, 7, 8, 11; sax soprano – fx. 3) | Concepção do projeto: Cristovão Bastos, Romero Lubambo, Mauro Senise, Ana Luisa Marinho | Direção musical: Cristovão Bastos, Romero Lubambo, Mauro Senise | Produção executiva: Ana Luisa Marinho | Gravação e mixagem: Lucas Ariel | Assistentes de gravação: Wallace Ferreira Araújo/Renato Faya | Masterização: Luiz Tornaghi (Batmastersom) | Direção de arte: Felipe Taborda | Design: Augusto Erthal | Fotos: Nana Moraes | Textos do encarte: Cristovão, Romero e Mauro | Assessoria de imprensa: Nanda Dias e Nani Santoro | Gravado nos estúdios da Biscoito Fino em outubro de 2023 | Biscoito FinoDireção geral: Kati Almeida Braga; Direção artística: Olivia Hime; Direção executiva: Jorge Lopes; Coordenação de A&R: Rafael Freire; Coordenação de marketing: Marcela Maia | Selo: Biscoito Fino | Formato: CD físico /digital | Ano: 2025 | Lançamento: 17 de janeiro | Ouça o álbum: clique aqui.
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>> Siga: @cristovaobastos | @romerolubambo | @mauroseniseoficial | @biscoitofino

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Cristovão Bastos, Romero Lubambo, Mauro Senise – foto de Nana Moraes

SOBRE GRAVAR A OBRA DE GAROTO, PELOS ARTISTAS:
Cristovão Bastos 
Um dos maiores músicos do Brasil, um precursor, compositor inspirado, harmonias refinadas, que partiu antes de completar 40 anos, Aníbal Augusto Sardinha, o “Garoto”, foi escolhido por nós, eu, Romero e Mauro para uma sincera homenagem. Um prazer tocar suas músicas e com esses dois amigos, melhor ainda. Obra impressionante, atemporal! Garoto, vivas pra ele!

Romero Lubambo
Gravar Garoto era quase uma obrigação minha como violonista! Ele foi o precursor de muita música linda do Brasil. Importantíssimo. Desde muito jovem ouço e toco coisas do Garoto e ouço grandes músicos tocando sua obra. Fenomenal. E dividir esse projeto com meus queridos e talentosos Cristovão Bastos e Mauro Senise é perfeição. Minimalismo super musical. Agradeço a todos os envolvidos na produção especialmente nossa querida Ana Luisa Marinho por toda a energia, eficiência e carinho.

Mauro Senise
Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955), o Garoto, considerado o inventor do moderno violão brasileiro e, para muitos, um dos precursores da Bossa Nova. É uma honra para mim poder celebrar a obra desse genial músico tão brasileiro. Uma honra também formar esse trio com Cristovão Bastos, meu parceiro querido, com quem tenho tantas afinidades musicais e de valores de vida. E Romero Lubambo, meu irmão na música e na vida há mais de 50 anos. Me sinto no céu na companhia desses dois grandes músicos.
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PS: Registro a impecável gravação e a mixagem perfeita feitas pelo nosso querido Lucas Ariel. Luiz Tornaghi, como sempre, mestre na masterização. Não posso deixar de falar do meu carinho pela Biscoito Fino e sua equipe, que acolhem meus projetos desde 2002. E o apoio incondicional da minha querida mulher, Ana Luisa, também idealizadora e produtora desse CD.

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Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Música instrumental / Choro / Jazz.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske
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