domingo, janeiro 19, 2025

Álbum ‘A Música Negra de Filó Machado’

O músico se debruçou sobre seu repertório de músicas autorais, compostas ao longo de sua carreira, e que nunca foram registradas em discos. “A Música Negra de Filó Machado” – que chegou ao mercado pelo selo Belic Music
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“A MÚSICA NEGRA DE FILÓ MACHADO”
Novo álbum instrumental do compositor e violonista paulista mostra toda sua habilidade para conquistar os ouvintes com melodias contagiantes, harmonias sofisticadas e muita alegria
– por Carlos Calado
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Filó Machado viveu um momento especialmente feliz e produtivo, no final de 2024. No mesmo 20 de dezembro, dia em que seu novo álbum “Cisne Negro” estreou nas plataformas de streaming com canções de sua autoria em parceria com o saudoso letrista Aldir Blanc, o compositor e violonista paulista lança também “A Música Negra de Filó Machado” – álbum com 11 temas instrumentais compostos por ele desde meados da década de 1970.

O rótulo “música negra” soa bem adequado ao repertório desse disco, que reúne sambas, baiões, muito swing e improvisos jazzísticos, destacando alguns dos melhores músicos da cena instrumental de São Paulo. Depois de me deliciar ouvindo esse álbum, penso que ele também poderia se chamar “A Música Feliz de Filó Machado”, tamanhas são as doses de alegria e de prazer, que esse mestre da arte musical e sua banda de craques transmitem nessas gravações.
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“Para mim, é sempre uma alegria muito grande tocar com esses músicos, porque somos amigos e a gente se diverte muito quando estamos juntos. Faço música pensando numa coisa legal, numa coisa pura. Por isso, nunca fiz sucesso”, brinca Filó, ironizando as dificuldades que enfrentou durante as duas primeiras décadas de sua carreira profissional, quando tocava em bares e boates da noite paulistana.

Reconhecido na Europa
A virada na trajetória musical desse paulista de Ribeirão Preto começou no final dos anos 1980, quando decidiu tentar a sorte na Europa. Durante sete anos ele se apresentou em diversos países daquele continente, incluindo alguns festivais e palcos de prestígio. Na França, especialmente, conquistou muitas plateias e as atenções de dois músicos conceituados: o pianista e compositor de trilhas cinematográficas Michel Legrand e o guitarrista de jazz Sylvain Luc, que se tornaram seus parceiros.
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“Michel me valorizava muito como músico. Éramos como irmãos.”, relembra Filó, que dedicou a ele a composição “To My Friend Legrand”, após receber a notícia de sua morte, em 2019. Curiosamente, essa bela e melancólica balada é a única faixa que não adere à alegria predominante no repertório desse disco – aliás, sete das onze faixas são dedicadas a amigos e parceiros musicais de Filó.

Para abrir o álbum, ele escolheu “Jojô”, um tema dançante em ritmo cubano que os músicos das antigas chamariam de chá-chá-chá, apimentado com um naipe de instrumentos de sopro. Essa faixa é dedicada à Dra. Joelma Florencio, sua dentista. “A Jojô se arriscou durante a pandemia, para fazer implantes dentários e cuidar da minha saúde. Fiquei tão grato que decidi fazer essa música para ela”, conta o compositor.
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Contagiante também é o baião “Wal”, dedicado a Walquíria, uma fã que ia com frequência ao bar paulistano Boca da Noite, nos anos 1980, para ouvir Filó. Já a jazzística “L’Habitant du Ciel” – com destaque para as exuberantes participações do saxofonista JP Barbosa e do baixista Thiago Espírito Santo – é uma homenagem a Zito Vieira (pai da produtora paulista Lucia Rodrigues), que morreu no período em que Filó vivia na França. O título da composição se refere ao fato de seu amigo ter sido sepultado em um cemitério vertical da cidade de Santos, no litoral paulista.

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Filó Machado – foto: Dani Gurgel

Sambas para os amigos
Filó também dedicou composições a três músicos que admirava. No samba “Vadeco”, ele relembra o guitarrista de São José do Rio Preto, que o ajudou com muitas dicas musicais, na época em que ainda tocava em bailes, no interior paulista. “Tema pro Macumbinha” é um samba bem suingado, que Filó dedicou ao violonista paulistano, seu compadre, que morreu tragicamente junto com sua família, em 1977, num acidente de vazamento de gás.
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“Tema Pro Tio” é um descontraído tributo ao pianista e compositor Laércio de Freitas, muito querido na cena musical de São Paulo, que se foi em meados de 2024. De essência jazzística, essa é a faixa mais livre do disco. Para realizar a gravação, Filó convidou Arismar do Espírito Santo para um duo de violões. “Já cheguei com o tema pronto no estúdio e disse pro Arismar: ‘Vâm’bora’, mas ele perguntou: ‘Como é que a gente vai fazer?’. Respondi: ‘Você fez uma pergunta dessas pra mim? Tá envelhecendo, né?’, diverte-se Filó, rindo da provocação que fez ao parceiro. Como ele, Arismar é conhecido por ser um grande improvisador.

Até mesmo ao homenagear Ligia Zveibil, sua esposa, que morreu um ano atrás em decorrência de um câncer, Filó conseguiu driblar a melancolia. “Ela sofreu demais. Fiquei completamente desnorteado”, relembra, emocionado. Ao compor o suingado tema “Zveibil Song”, o compositor preferiu perpetuar a alegria e leveza que caracterizavam sua relação com Lígia. Filó gravou essa música sozinho, improvisando vocais sem palavras e estalando os dedos, além de tocar teclados.
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Mesmo quando não são dedicados a alguém em particular, os temas instrumentais de Filó remetem a lembranças particulares ou mesmo a histórias que ele conta com prazer. Como a do sinuoso “Baião do Porão”, composto na década de 1980, quando o músico morava em uma casa no bairro de Vila Mariana, em São Paulo. “A gente sempre estava ensaiando no porão daquela casa”, comenta Filó, lembrando também que chegou a gravar esse tema com músicos da França e, mais tarde, na Itália, quando vivia na Europa.

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Filó Machado – foto: Dani Gurgel

Na cabine de um avião
Mais inusitado é o seu relato da criação de “Plano de Voo”, samba com uma melodia que lembra trilhas sonoras de filmes épicos. Em 1979, Filó voltava de um show em Campo Grande (MS), quando a aeromoça do voo o levou até a cabine de comando. O piloto era um fã que costumava ouvi-lo no Boca da Noite e o convidou a apreciar a vista panorâmica. Filó desceu do avião, levando uma irresistível composição, que nasceu durante o voo.
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Finalmente, “Tarde de Novembro” é uma rara incursão de Filó pelo universo da música clássica. Essa sonata pouco convencional, composta por ele em 1975, inclui entre seus seis movimentos um samba, uma mazurca e uma bachiana. No primeiro movimento, destaca-se a voz de Isabela Mestriner Machado, filha de Filó, que é cantora lírica.

Ao comentar essa faixa, Filó relembra que estudou a música clássica de Bach, assim como obras de autores mais contemporâneos, como Stravinski, Bártok e Berg, estimulado por Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005), influente compositor e educador alemão, que viveu suas últimas três décadas no Brasil. Filó chegou a cursar um estágio de um mês, com 12 horas diárias, ministrado por ele. “Como eu tocava na noite, só podia dormir duas ou três horas por dia para chegar a tempo nas aulas, que começavam às 8h da manhã”.
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No final de 1996, quando Filó retornou ao país depois sete anos tocando na Europa, este repórter ainda teve que explicar aos editores do caderno de cultura da “Folha de S. Paulo” porque ele merecia ser tema de uma reportagem. “O meu desejo é que dê certo aqui. Nunca pensei em ficar vivendo no exterior”, me disse Filó, ao entrevista-lo. “Durante a fase mais difícil, cheguei até a pensar que havia algum problema com a minha música”, admitiu, já mais consciente do alto conceito que desfruta nos meios musicais.

Banda de craques
Por essas e outras, quase três décadas mais tarde, hoje é um prazer especial sentir a alegria de Filó Machado ao lançar seu 15.º álbum ao lado de craques da música instrumental produzida em São Paulo, como Daniel D’Alcântara e Sidmar Vieira (trompetes e flug), Jorginho Neto (trombone), JP Barbosa (sax tenor e sax soprano), Salomão Soares (teclados), Thiago Espírito Santo (baixo elétrico) e Fábio Leandro (piano acústico). Sem falar no talento musical da família de Filó, que cresce a cada ano, muito bem representada por seu neto Felipe (voz e violão), seu filho Sérgio (bateria) e seu irmão Gera (percussão).
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“As coisas mudaram muito, porque antigamente você sempre estava na dependência de alguma coisa”, compara hoje o compositor e cantor, referindo-se às dificuldades que ele e muitos artistas enfrentavam para lidar com as gravadoras e os meios de comunicação, antes do advento da internet e das redes sociais. “Hoje estou muito mais feliz fazendo minha música”, afirma.
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Outra mudança trazida pelas redes sociais, segundo Filó, é o acesso direto e mais fácil aos fãs. “Agora eu crio minhas músicas e já não me sinto sozinho como antes. Eu posto alguma coisa minha nas redes e, de repente, já tem 30 mil, 50 mil, 100 mil visualizações. Daí eu me sinto na responsabilidade de continuar fazendo música com mais de cinco acordes”, diverte-se. “Hoje eu sinto que tenho espaço para fazer meu trabalho. Quem gosta da minha música vai curtir no Brasil, na Nova Zelândia, na Inglaterra, na Coreia, na China, em todo lugar”, comemora o hoje realizado compositor e instrumentista.
— Carlos Calado é jornalista e crítico musical (16/12/2024) —

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Capa do álbum ‘A Música Negra de Filó Machado’ • Filó Machado • Selo Belic Music • 2024

DISCO ‘A MÚSICA NEGRA DE FILÓ MACHADO’ • Filó Machado • Selo Belic Music • 2024
Músicas / compositor
1. Jojô (Filó Machado)
2. Baião do porão (Filó Machado)
3. To my friend Legrand (Filó Machado)
4. L’habitant du Ciel (Filó Machado)
5. Vadeco (Filó Machado)
6. Zveibil song (Filó Machado)
7. Wal (Filó Machado)
8. Tema pro Tio (Filó Machado) / dedicado ao pianista Laércio de Freitas | Participação Arismar do Espírito Santo
9. Tarde de novembro (Filó Machado) | Participação Marisa Lui e Isabela Mestriner Machado
10. Tema pro Macumbinha (Filó Machado) | Participação Léa Freire
11. Plano de vôo (Filó Machado)
– ficha técnica –
Filó Machado (violão – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11; vocais – fx. 3, 4, 6, 8, 7; teclados – fx. 6; percussão – fx. 6) | Felipe Machado (violão – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 7, 9, 10, 11; vocais – fx. 3, 4, 6, 7) | Fábio Leandro (piano acústico – fx. 1, 3, 4, 5, 7, 9, 11) | Salomão Soares (teclados – fx. 1, 3, 4, 7, 9, 11) | Thiago Espírito Santo (baixo elétrico – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 7, 9, 10, 11) | JP Barbosa (sax tenor – fx. 1, 2, 4, 5, 9, 10, 11; sax soprano – fx. 7, 9) | Daniel D’Alcântara (trompete – fx. 1, 5, 7, 11; trompete surdina – fx. 10; flugelhorn – fx. 11) | Sidmar Vieira (trompete – fx. 1, 7, 11; flugelhorn – fx. 5, 10, 11) | Jorginho Neto (trombone – fx. 1, 3, 5, 7, 10, 11) | Sergio Machado (bateria – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 7, 9, 10, 11) | Gera Machado (percussão – fx. 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 11) | Participação especial: Arismar do Espírito Santo (Violão 7 Cordas – fx. 8; vocais – fx. 8) | Marisa Lui (clarinete – fx. 9) | Isabela Mestriner Machado (canto lírico – fx. 9) | Léa Freire (flauta – fx. 10) | Fotos: Dani Gurgel  | * O projeto do álbum A música negra de Filó Machado foi contemplado pelo ProAC – Programa de Ação Cultural, da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo, no Edital 16-2023 Música Popular / Gravação de Álbum | Selo: Belic Music | Distribuição digital: Tratore | Formato: CD digital | Ano: 2024 | Lançamento: 20 de dezembro |Ouça o álbum: Spotify / Deezer / Apple music / Youtube.
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>> Siga: @filomachadomusico | @belic_arte

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Filó Machado – foto: Dani Gurgel

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Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Jazz / sambas / baiões / Música instrumental / Álbum.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske


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