❝…o tempo, à sua maneira silenciosa, imperceptível, secreta e contudo ativa, havia continuado a trazer consigo transformações.
— Thomas Mann, no livro “A montanha mágica”. [tradução Herbert Caro]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
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❝O tempo absolutamente não tem natureza própria. Quando nos parece longo, é longo, e quando nos parece curto, é curto, mas ninguém sabe em realidade a sua verdadeira extensão.
— Thomas Mann, no livro “A montanha mágica”. [tradução Herbert Caro]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
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❝o segredo e a existência da nossa era não são a libertação e o desenvolvimento do eu. O que ela necessita, o que deseja, o que criará é – o terror.
— Thomas Mann, no livro “A montanha mágica”. [tradução Herbert Caro]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
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❝Havia entre eles uma espécie de senso do dever, além daquela ausência de responsabilidade, peculiar às férias de um viageiro e visitante, que não se fecha a nenhuma impressão e deixa as coisas se aproximarem, na certeza de que amanhã ou depois abrirá as asas e voltará à ordem habitual.
— Thomas Mann, no livro “A montanha mágica”. [tradução Herbert Caro]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
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❝Há duas atitudes: a livre e a piedosa. Ambas têm as suas vantagens, mas o que me faz antipatizar com a atitude livre, quero dizer, a de Settembrini, é que ela pretende ter o monopólio da dignidade. Isso é exagerado. A outra atitude encerra também, a seu modo, muita dignidade humana e resulta num vasto conjunto de decência, de procedimento correto e de cerimonial, muito mais do que a atitude livre, embora vise especialmente à fraqueza e à instabilidade dos homens e nela desempenhe um papel importante o papel da morte e da decomposição.
— Thomas Mann, no livro “A montanha mágica”. [tradução Herbert Caro]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
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❝Que era, então, a vida? Era calor, o calor produzido pela estabilidade preservadora da forma; era uma febre da matéria, que acompanhava o processo de incessante decomposição e reconstituição de moléculas de albumina, insubsistentes pela complicação e pela engenhosidade de sua estrutura. […]. Não era nem matéria nem espírito. Era qualquer coisa entre os dois, um fenômeno sustentado pela matéria, tal e qual o arco-íris sobre a queda d’água, e igual à chama.
— Thomas Mann, no livro “A montanha mágica”. [tradução Herbert Caro]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
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❝- Meu amigo, não existe conhecimento puro. É indiscutível a legitimidade da concepção eclesiástica da ciência, que se pode resumir nas palavras de Santo Agostinho: “Creio para que possa conhecer”. A fé é o órgão do conhecimento, e o intelecto é secundário. A sua ciência incondicional não passa de um mito. Há sempre uma fé, um conceito do mundo, uma idéia, numa palavra: uma vontade, e cabe à razão explicá-la e comprová-la.
— Thomas Mann, no livro “A montanha mágica”. [tradução Herbert Caro]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
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❝O homem não vive somente a sua vida individual; consciente ou inconscientemente participa também da vida da sua época e dos seus contemporâneos. Até mesmo uma pessoa inclinada a julgar absolutas e naturais as bases gerais e ultrapessoais da sua existência, e que da idéia de criticá-las permaneça tão distante quanto o bom Hans Castorp – até uma pessoa assim pode facilmente sentir o seu bem-estar moral um tanto diminuído pelos defeitos inerentes a essas bases.
— Thomas Mann, no livro “A montanha mágica”. [tradução Herbert Caro]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
Thomas Mann nasceu em Lübeck, na Alemanha. Em 1929, foi premiado com o Nobel de literatura. Quando Hitler tomou o poder, Mann partiu para o exílio, nos Estados Unidos. Retornou à Europa em 1952 e viveu na Suíça até sua morte, em 1955. Um dos maiores romancistas do século XX, é tão conhecido no Brasil que muitos leitores de sua obra e conhecedores de sua importância ignoram que sua mãe foi brasileira: seu estofo de autor é maior do que sua origem patrioticamente nacional. Se é um dos grandes escritores do século 20, Mann é também autor de um romance que definiu os descaminhos artísticos e políticos do mesmo século à perfeição, o Doutor Fausto, além de deixar outras obras que hoje fazem parte do cânone da literatura universal, como os romances A Montanha Mágica e Os Buddenbrook e as novelas Morte em Veneza e Tonio Kröger (reunidas em uma edição da Companhia das Letras).
Descendente da burguesia orgânica de Lübeck, no norte da Alemanha – o pai foi senador –, Thomas Mann se estabeleceria em Munique a partir de 1894, depois de perder o pai, e inclusive trabalharia numa seguradora de incêndios, abandonada logo em seguida por uma espécie de incompatibilidade kafkiana com o trabalho. O sucesso literário viria bem cedo, sobretudo a partir de uma viagem decisiva e goethiana à Itália em 1897 – Goethe também fugiu da Alemanha para a terra onde os limões florescem em busca de inspiração –, logo sedimentado com a publicação do conto O Pequeno Senhor Friedmann. Em 1929, Thomas Mann receberia o Prêmio Nobel de Literatura, condecorado pela obra monumental que escrevera quase 30 anos antes, Os Buddenbrook, publicado em 1901; o autor inclusive ficaria magoado, apesar da premiação, demonstrando mais uma vez a melancolia que sempre o caracterizou, pelo fato de a academia ter ignorado solenemente outro romance, bem mais recente e também monumental, A Montanha Mágica, de 1924.
A combatividade de Thomas Mann durante a II Guerra Mundial faria com que seu nome fosse lembrado em 1945 para o cargo de primeiro presidente da República Federativa da Alemanha após o final da guerra. Mas as dificuldades do escritor com sua nação, tão grandes que impediram seu estabelecimento na pátria destruída, fariam com que a ideia não vingasse. E Mann se cansaria definitivamente dos Estados Unidos apenas em 1951, depois de anos de benesses e bons tratos. A nova paranoia estatal americana, o macarthismo institucionalizado, se tornaria hostil inclusive a ele e registraria Thomas Mann oficialmente como um dos mais famosos apologistas de Stálin e companhia.
Aquilo era demais para um escritor que, apesar de saudar a I Guerra, se posicionara de modo tão convicto, e já desde bem cedo, contra as manifestações ainda incipientes da tirania, atacando o nazismo. Depois do assassinato de Walther Rathenau em 24 de junho de 1922, Mann acordaria de seu sonho germânico e passaria a defender a República e seus valores, arrolando suas ideias sobre o assunto no discurso Da República Alemã e se tornando membro do Partido Democrático Alemão. Após a grande votação alcançada pelos nacional-socialistas em 1930, Mann faria um novo discurso, desta vez na Sala Beethoven de Berlim, intitulado Apelo à Razão, em 17 de outubro. O discurso ficaria conhecido universalmente como Deutsche Ansprache, e nele Thomas Mann já refere visionariamente o nazismo como “uma onda gigantesca de barbarismo excêntrico e crueza de mercado público”, cheio “de primitivismo” e marcado por “convulsões de massa, barulho de boteco, aleluias e repetições mistificantes de chavões monótonos, até que todo mundo espume pela boca”. No mesmo discurso, Mann se pergunta se poderá se tornar realidade “o desiderato de uma singeleza primitiva, pura de sangue, simples de coração e de juízo”, misturada como “carne moída” e “toda obediente em seus olhos azuis”, se essa “completa simplicidade nacional” poderá mesmo dar certo num “povo cheio de cultura e maduro e experiente como o alemão”. A resposta definitiva e desconsoladora à pergunta do autor viria já três anos depois, em 1933, com a vitória do partido nazista nas eleições.
:: por Marcelo Backes. Zero Hora, 19/12/2015.