“O sonho da razão produz monstros”
– Goya (pintor espanhol)
A Rosa de Hiroshima é um poema do poeta e compositor Vinicius de Moraes. O poema tornou-se um grande protesto, primeiro em forma de poesia e mais tarde em forma de música. Os versos abordam as consequências da guerra, o desastre que as bombas atômicas – apelidadas pelos norte-americanos de Fat Man e Little Boy – fizeram nas cidades de *Hiroshima e Nagasaki, no Japão, durante a Segunda Guerra Mundial
Criado em 1945, o poema foi primeiro publicado no livro Antologia Poética. Mais tarde, em 1973, os versos foram musicados. A canção foi lançada no disco de estreia do grupo Secos e Molhados. A sua composição melódica é da autoria de Gerson Conrad, integrante do referido conjunto, cuja formação inicial também incluía João Ricardo e Ney Matogrosso.
A ROSA DE HIROXIMA
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
– Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro: ‘Antologia Poética’ – 1954)
Ney Matogrosso – A Rosa de Hiroshima (Vinicius de Moraes)
*Hiroshima – 6 de agosto de 1945
A primeira explosão de uma bomba atômica na história da humanidade aconteceu no dia 6 de agosto de 1945, uma segunda-feira. A bomba foi lançada sobre o centro da cidade de Hiroshima às 8h15 da manhã. Como o horário comercial começava às 8h da manhã, muitas pessoas foram atingidas em fábricas e escritórios. A bomba, chamada pelos norte-americanos de Little Boy, continha 50 quilos de urânio 235, com potencial destrutivo equivalente a 15 mil toneladas de TNT. O calor liberado pela bomba foi de 100 calorias/cm² no grau zero, 56 calorias/cm² a 500 metros e 23 calorias/cm² a mil metros do centro da explosão. A bomba matou cerca de 140 mil pessoas. Oitenta mil foram mortas imediatamente.
Três dias após o ataque sobre Hiroshima, em 9 de agosto de 1945, os EUA lançaram uma segunda bomba nuclear sobre a cidade de Nagasaki, o que levou à capitulação do Japão seis dias mais tarde e pôs fim à Segunda Guerra Mundial.
Hiroshima, Hiroshima
rosa rubra do oriente
fragrância de cerejeira
céu de anil no sol nascente.
Farol de luz no estuário
remanso dos vendavais
porto e escala dos juncos
roteiro dos samurais.
Verão de quarenta e cinco
no dia seis de agosto.
Clareando as águas do delta
a aurora beija o teu rosto.
Surge o Sol, se abre o dia
na luz e no movimento.
Tudo era paz e alegria
e nenhum pressentimento.
Teus colibris revoavam
no fresco azul dos teus ares
eram os casais, eram os ninhos
carícias, trino e cantares.
O arroz na água e na espiga
talo e seiva a palpitar
os rosais desabrochando
e os girassóis a girar.
Vidas…teu rosto eram vidas
nos campos e nos quintais
nos jardins, na verde relva
na algazarra dos pardais.
Folguedos, danças, cantigas
tua infância sem receios
teus escolares em flor
correndo pelos recreios.
As horas cruzavam o dia
os pais e os filhos na praça
o povo cruzava as ruas
cruzava o céu a desgraça.
De repente nos teus ares
a Águia do Norte, o Falcão
e num segundo, em teus lares,
gritos, fogo, turbilhão.
O beijo carbonizando
a luz devorando o dia
a carne viva queimando
na instantânea agonia.
No céu… um avião se afasta
na voz… a missão cumprida
no chão… a dor que se arrasta
e a cidade destruída.
Quem eras tu, Hiroshima
naquele dia distante…?
Eras sonhos e esperanças
incendiados num instante…
Quantos projetos de vida
mil sonhos acalentados
quantas mil juras de amor
nos lábios dos namorados.
Eras filhote no ninho
eras fruto no pomar
canteiro de brancas rosas
e toda a vida a cantar.
Eras mãe, eras criança
e no útero eras semente
ontem eras a esperança
e agora o braseiro ardente
Por que Hiroshima, por quê…?
o punhal de fogo, a explosão…?
Por que cem mil corações
ardendo sem compaixão…?
Tua inocência cremada
na fogueira do delírio.
Tua imagem retratada
na estampa do martírio.
Teu sangue vive na história
nas cicatrizes ardentes
nas lágrimas, na memória
na dor dos sobreviventes.
Quem previu tua agonia ?
Quem explodiu tua paz ?
Quem tatuou nos teus lábios
as palavras: nunca mais!?
Comandantes, comandados…
quem são os donos da guerra…?
e em que tribunal se julgam,
os genocídios da Terra…?
Por tanta dor, rogo a Deus
na minha prece tardia
que guarde no seu amor
os mártires daquele dia.
Hiroshima, flor da vida,
semente, ressurreição.
Fênix, face renascida.
PAZ, santuário, canção.
– Manoel de Andrade (Curitiba, agosto de 2005),
do livro Cantares. Editora: Escrituras, 2007.
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