MÚSICA

A cantora e compositora Geovana lança o disco “Brilha Sol”, depois de 30 anos sem gravar

‘Brilha Sol’ álbum de Geovana em todas as plataformas Digitais. O disco apresenta um repertório de músicas inéditas e autorais.
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GEOVANA – “Brilha Sol”, por Nei Lopes*
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O ano de 1975, bem no meio do regime ditatorial que ainda vigorou no Brasil por mais dez anos, foi bastante característico dessa forma de governo. De um lado, o autoritarismo impondo suas regras, do outro a sociedade civil, menos ou mais organizada, resistindo como podia, e falando em nome dos que não podiam fazê-lo – a maioria, aliás, sem nem saber com certeza o que estava acontecendo. Na música popular esse foi o ano do surgimento, para o grande público, da dupla João Bosco e Aldir Blanc, cujo sucesso foi cercado também de estratégias para burlar a censura que barrava as letras denunciadoras.
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Nesse clima, em que o samba atravessava a fase difícil da “Era dos Festivais”, eventos que privilegiavam a música “universitária”, prelúdio do pop brasileiro. Geovana, compositora e cantora nascida Maria Teresa Gomes também buscava seu lugar ao sol. E o fazia depois de participar sem sucesso, em São Paulo, da “Bienal do Samba”, também um festival, mas criado como reação à linha daqueles acima mencionados acima. Na Bienal, nossa cantora
dava seu recado com um admirável samba de sua autoria, “Pisa nesse chão com força”..

Geovana – foto @helena.arabe

Antes de Geovana, o Brasil conhecera, na década de 60, Clementina de Jesus com “seu timbre grave e áspero”, como referido em algumas fontes. Que se consagrava como intérprete de sambas, mas, sobretudo de adaptações de cânticos tradicionais, de domínio público, como jongos, lundus, corimbas etc., Geovana, veio quase na mesma linha, evocando também, com voz potente, suas origens e ancestralidade, mas principalmente na condição de autora das canções que interpretava.
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A partir daí, sempre pisando no seu chão com força, Geovana gravou, em selo RCA, o LP “Quem tem carinho me leva”. Porque sabia, como o legendário Che Guevara, que tinha de “jogar duro”, mas “sem perder a ternura”. Depois desse lançamento, nossa “cantautora”, só viria a gravar outro disco, “Canto pra qualquer cantar”, na mesma RCA, treze anos depois.
Inaceitável ostracismo.
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Mas o País discutia novas questões, como as de gênero e raça; e o próprio movimento negro questionava o machismo dos militantes. E, durante esses treze anos a artista caminhava serena, conversando “com seus botões”, dando espaço “para o outro passar”, sem deixar de, sutilmente, compor e cantar a partir dos novos ruídos que sua sensibilidade poética registrava.

Mas agora – apesar das imposições da sociedade de consumo no mercado da música popular, estabelecendo um mesmo padrão musical, salvo pequenas variantes, em todo o mundo – eis Geovana de volta; negra sem preconceito e feminista com carinho. E chega num disco de produção cuidadosa, em que a percussão diversificada e superpotente (tambores, pandeiro, chocalhos, cuíca etc.) mantêm-se em permanente e vibrante dialogo com as cordas, os sopros e as vozes, habilmente conduzidos e registrados. Num disco onde o “Brilha Sol” evoca a positividade dos sambas dos terreiros de outrora, revivendo inclusive o apito no samba; onde “Atabaque nas Antilhas” caminha do Caribe até Congo e Angola, dando uma voltinha pelo Pelourinho; e num samba cadenciado revisita “Tia Ciata”, tristonha, mas bonita. E por aí Geovana vai.
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No disco, a parceria com Guilherme Lacerda funciona às maravilhas; e a presença dos inesquecíveis Beto Sem Braço e Luiz Grande abre um espaço de merecida reverência. Da mesma forma, as participações especialíssimas da grande Fabiana Cozza, do multifacetado Thaíde; da rapaziada do Clube do Balanço e da cuíca de nível superior do catedrática Oswaldinho. Tudo isto, num conjunto de altíssimo nível, avaliza a procedência e a qualidade do “produto”.
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Com ele, Dona Hilária Batista de Almeida – cognome “Ciata” – lá da Praça Onze celestial onde hoje manda e desmanda, certamente abençoa este disco. “Mãe Quelé”, também. E o Sol até pede licença pra mostrar seu brilho, mais ainda, na ampla roda aberta por este “Brilha Sol” da iluminada Geovana.
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*Nei Lopes – junho, 2020.

Capa do single ‘A cura’, de Geovana — Arte: Elifas Andreato

SINGLE “A cura” • Geovana • 2022Ouça clicando aqui.

 

“Faça certo que dá certo”, por Camilo Árabe*
– Julho/2020 –
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Ao longo desses anos de amizade e, consequentemente, do processo de trabalho deste disco, foram inúmeros os momentos em que Geovana recordou da expressão utilizada por seu amigo Padeirinho da Mangueira: “Faça certo que dá certo”. E nessa trilha adentramos.
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Nossa parceria – e aqui estendo essa relação também ao meu irmãozinho Guilherme Lacerda – começou de maneira espontânea nos meados dos anos 2000, mesmo período em que a carioca do Laboriaux, parte mais alta do Morro da Rocinha, adotou São Paulo como sua nova morada. Na Terra da Garoa, esbarramos e nos damos nos encontros do Batalhão da Vagabundagem, no centro da cidade, entre risadas, fumaças e tragos de conhaque. E, claro, sob a trilha sonora de muito samba, com especial destaque para o gênero do Partido Alto.

Daí, convagar, da maneira como tem que ser, nasceu o Brilha Sol, um trabalho que marca o retorno da cantora e compositora que ganhou fama como Deusa Negra do Samba Rock na década de 1970. Um trabalho que só foi possível graças a dedicação e contribuição de muita gente querida, como os músicos, amigos e benfeitores do financiamento coletivo que viabilizou o projeto.
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Aqui, cada detalhe, cada informação, cada conquista foi celebrada como uma vitória de vida e como um sinal de que estávamos na trilha correta, no caminho apontado por Padeirinho. Afinal, textos de Adelzon Alves, Moisés da Rocha e Nei Lopes são um luxo só e atestam a notoriedade de Geovana e sua arte, não é mesmo?
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Em nome de toda equipe, um beijo no sorriso de todos e todas que acreditaram neste trabalho e tenhamos a certeza de que pisando no chão com força o sol há de brilhar mais uma vez, deixando enfim nosso povo caminhar. E aqui, o Sol Brilha, ou melhor, Brilha Sol na forma e na musicalidade da nossa Baobá Geovana. Pureza d’alma.
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* Camilo Árabe – jornalista, produtor e músico / Produtor e diretor artístico da artista.

 

Capa do disco “Geovana Brilha Sol” • CD / Digital • Selo Independente • 2023 – arte: @brunocondebasso

DISCO “GEOVANA – BRILHA SOL” • CD / Digital • Selo Coletivo Sindicato do Samba / Independente • 2023
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Canções/ compositores:
1. Brilha sol (Geovana) | Participação especial: Osvaldinho da Cuíca
2. Atabaque das antilhas (Geovana)
3a. Caminhar (Geovana) / 3b. Rima da caminhada (Thaide) | Participação especial: Thaíde, Clube do Balanço e Sant Castroman
4. Deixa me falar de amor (Geovana, Luiz Grande e Guilherme Lacerda) | Participação especial: Luiz Grande
5. É você amor (Geovana)
6. Batucada na Penha (Geovana e Guilherme Lacerda) | Participação especial: Guilherme Lacerda
7. Todo dia nessa rua passa (Geovana) | Participação especial: Osvaldinho da Cuíca e Anná
8. Ô menina (Geovana)
9. Negra da Costa do Marfim (Geovana e Guilherme Lacerda) | Participação especial: Curumin
10. Tia Ciata (Geovana)
11. Fala de amor (Geovana) | Participação especial: Fabiana Cozza
12. A cura (Geovana)
13. Caia na gargalhada (Geovana e Guilherme Lacerda) | Participação especial: Nego Washington
14. Irene (Geovana e Beto Sem Braço) | Participação especial: Batalhão da Vagabundagem
– ficha técnica –
Geovana (voz – fx. 1-14) | Samuel Silva (violão 7 cordas – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 12, 13, 14) | Fernando Mattoso (violão 7 cordas – fx. 7) | Cadu Barros (violão 7 cordas – fx. 8, 11) | Guilherme Lacerda (cavaquinho – fx. 1, 2, 4, 5, 12, 13; apitos – fx. 2; efeito de sopro – fx. 2) | Marco Mattoli (guitarra – fx. 3) | Renato Enoki (baixo – fx. 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13) | Gringo Pirrongelli (baixo – fx. 3, 9) | Danilo Tomaz (cavaco bandola – fx. 1, 6, 7, 8, 10, 11, 13) | André Iglesias (cavaquinho – fx. 6, 14) | Eduardo Pereira (cavaquinho – fx. 9) | Rafael Esteves (bandolim – fx. 6, 7; violão tenor – fx. 11, 14) | Marcelo Maita (teclado – fx. 3) | Marcos Alma (teclado – fx. 4, 9) | Felipe Siles (sanfona – fx. 12) | Reginaldo 16 (trompete – fx. 3) | Marco Stoppa (trompete – fx. 10, 13) | Maestro Tiquinho (trombone – fx. 3) | Allan Abbadia (trombone – fx. 5, 6, 10, 13) | Walter Pinheiro (flauta – fx. 5, 10, 13) | Camilo Árabe (flauta – fx. 5, 7) | Matheus Marinho (bateria – fx. 1, 2, 4, 5, 7, 8, 10, 11, 12, 13) | Edu Peixe (bateria – fx. 3) | Curumin (bateria e vox – fx. 9, 14) | Diego Mundão (apito – fx. 1; caixas – fx. 1; surdo – fx. 1, 9; pandeiro – fx. 1, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13; repinique – fx. 1; agogô – fx. 2, 8, 12; agogô de coco – fx. 9; caxixi- fx. 2, 5, 9, 12, 13; campanela – fx. 2, 13; queixada – fx. 2, 5, 12; reco – fx. 4; reco-reco – fx. 5, 7, 10, 11; ganzá – fx. 4, 5; frigideira – fx. 4, 8, 14; guiro – fx. 5; pandeiro de corte – fx. 6, 14; tamborim – fx. 6, 8, 11; cuíca – fx. 6, 11, 14; garrafa – fx. 11; triângulo – fx. 12; surdo – fx. 14) | Luiz Fonseca Lobo (tamborim – fx. 1; berimbau – fx. 2, 9; sementes – fx. 2; berimbau de boca – fx. 12; agogô e reco cubano – fx. 13) | Ronaldinho da Cuíca (pandeiro – fx. 1, 10, 14; tamborim – fx. 1, 10, 14; agogô – fx. 1, 6, 10; frigideira – fx. 1, 6, 10; cuíca – fx. 3, 4, 8, 10) | Osvaldinho da Cuíca (cuíca e voz – fx. 1, 7) | Mestre Jagunço (repique de anel – fx. 1, 3, 6, 7, 8, 10, 11, 13, 14) | Marcelo Homero (surdo – fx. 1, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 13; surdos – fx. 11) | Koka Pereira (congas – fx. 1, 2, 5, 6, 8, 9, 12, 13; zabumba – fx. 12) | Rafael Pereira (atabaque rumpi e rumpilé – fx. 6; atabaque – fx. 14) | Samuel Silva (agogô de bambu – fx. 9) | Dino Oliveira (percussão – fx. 3) | Fred Prince (percussão – fx. 3) | Tereza Gama (voz – fx. 3) || Coro (fx. 1-14): Anná, Kelly Silva, Maíra da Rosa, Sarah Roston, William Fialho, Jônatas Petróleo, Patrick Paes, Diego Mundão e Samuel Silva || Palmas (fx. 6): Claudinho Oliveira, Anná, Ronaldinho da Cuíca, Valéria Lariuty e Samuel Silva || Palmas, astral e coro (fx. 13 e 14): Batalhão da Vagabundagem (Armandinho, Fabão, Nego Washington, Carlos Costa, Marcel Mucci, Camilo Árabe, Valléria Larriauty, Liliane Ribeiro e Camila Lisboa) || – Faixa 8: trecho inicial retirado do documentário “Os Partideiros”, lançado por Clóvis Scarpino, em 1978 || Participação especial: Osvaldinho da Cuíca (cuíca e voz – fx. 1, 7) Anná (voz – fx. 6) / Thaíde, Clube do Balanço e Sant Castroman (voz – fx. 3) / Luiz Grande (voz – fx. 4) / Guilherme Lacerda (voz – fx. 6) / Curumim (bateria e voz – fx. 9) / Fabiana Cozza (voz – fx. 11) / Nego Washington (voz – fx. 13) / Batalhão da Vagabundagem (palmas, astral e coro – fx. 14) || Produção musical: Guilherme Lacerda @guilherme_lacerda_samba | Arranjos: Coletivo | Produtor e diretor artístico: @camilo.arabe | Edição e mixagem: Adailton Santos | Masterização: Adonias Jr. | Texto (encarte): Adelzon Alves, Moisés da Rocha e Nei Lopes | Capa/arte: @brunocondebasso | Capa do single ‘A cura’, de Geovana — Arte: Elifas Andreato | Fotos: @helena.arabe | Selo: Coletivo Sindicato do Samba/Independente | Distribuição: Tratore | Formato: CD / Digital | Ano: 2023 |
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Sobre o álbum
CHUECO, Fellipe. Ancestralidade da deusa mulher – Geovana – Brilha sol. In: Disparada, 7.12.2022. Disponível no link. (acessado em 18.6.2023).
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Acompanhe a vida artística de Geovana nas redes sociais: Instagram | Facebook | Youtube.
** Imagem (capa da matéria): Geovana – foto: ©Renato Nascimento.
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Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Canção.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske

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