“Celebrando a vida e a contribuição da divina Elizeth Cardoso à música brasileira, relembrando seu talento inquestionável e a grande expressão de sua voz” – Cacá Santiago
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Elizette Moreira Cardoso nasceu em 16 de julho de 1920 no Rio de Janeiro. Seu pai, fiscal da prefeitura, tocava violão, e sua mãe gostava de cantar. Na infância, morou na região da praça Onze, onde frequentou a casa de Tia Ciata, local em que teria nascido o samba carioca, e estreou como cantora aos cinco anos, na sede da Sociedade Familiar Dançante e Carnavalesca Kananga do Japão, como madrinha de uma festa em homenagem a são Jorge.
Aos 14 anos, passou a frequentar, com o tio, reuniões nas casas de músicos importantes, como Pixinguinha. Alguns desses artistas estavam presentes em seu aniversário de 16 anos. Incentivada pelo tio, Elizeth cantou várias músicas, acompanhada pelo conjunto Jacob e sua Gente. Ao ouvi-la, Jacob do Bandolim disse que iria levá-la para a Rádio Guanabara. Depois de vencer a resistência do pai, estreou no Programa Suburbano, apresentado por Xavier de Souza e Cristóvão de Alencar. Não impressionou, mas passou a se apresentar semanalmente na emissora.
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Sua carreira demorou para deslanchar. Passou por várias emissoras de rádio e se apresentou em alguns clubes noturnos. Em 1940, trabalhava no Dancing Avenida como taxi-girl, dançarina que acompanhava os frequentadores. Conseguiu um teste para cantar com a orquestra do clube, dirigida pelo maestro Dedé, e foi aprovada. A jovem cantora passou a chamar a atenção e a conquistar fãs com um repertório formado por muitos sambas, boleros, tangos argentinos e uma ou outra música norte-americana.
No início de 1950, graças a Ataulfo Alves, conseguiu gravar seu primeiro disco, pelo selo Star, com os sambas Braços vazios (Acir Alves e Edgard G. Alves) e Mensageiro da saudade (Ataulfo Alves). Em julho, Elizeth gravou o 78 rpm que a lançaria ao estrelato, com Complexo (Wilson Batista e Magno Oliveira) e Canção de amor (Chocolate [Lourival Silva] e Elano de Paula). Lançado em outubro, fez sucesso principalmente por causa de Canção de amor, samba-canção que se tornaria uma das marcas registradas da cantora. Em 1953, Elizeth estreou no espetáculo ‘Feitiço da Vila’, de Paulo Soledade e Carlos Machado, em homenagem a Noel Rosa. Sucesso de público e crítica, catapultou Elizeth para a fama.
Em 1955, lançou o lp ‘Canções à meia-luz’ com Elizete Cardoso, com arranjos de Antonio Carlos Jobim e Radamés Gnattali. Foi o primeiro de uma extensa discografia – foram mais de 40 álbuns, fora os 50 discos de 78 rpm gravados entre 1950 e 1963 e os mais de 20 compactos simples e duplos lançados nas décadas de 1960 e 1970.
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Começou 1957 cantando nas boates Clube 36 (Copacabana) e Oásis (São Paulo). Foi por causa dos shows nesta última que ganhou o apelido de Divina. Haroldo Costa substituía Sérgio Porto na seção que este escrevia para a Última Hora sob o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta. Foi ele quem escreveu que um grupo apareceu na boate com uma faixa onde se lia “Elizeth, a Divina”. O apelido pegou.
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Quem também reivindicava a criação do apelido era Vinicius de Moraes, que a convidou para participar de um LP do selo Festa apenas com parcerias dele com Tom Jobim. Lançado em agosto de 1958, Canção do amor demais trazia, pela primeira vez em disco, o registro do violão do baiano João Gilberto, em duas faixas que são consideradas o marco inicial da bossa nova: Chega de saudade (Tom e Vinicius) e Outra vez (Tom Jobim).
Em 1964, aceitou o desafio do maestro Diogo Pacheco e interpretou as Bachianas brasileiras n. 5, de Heitor Villa-Lobos e texto poético de David Nasser, em apresentações marcantes no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e de São Paulo. No ano seguinte, lançou ‘Elizete sobe o morro’, uma obra-prima com composições de Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho, Jair do Cavaquinho e Anescarzinho do Salgueiro.
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Em 1968, foi a estrela de um show histórico para arrecadar fundos para o recém-criado Museu da Imagem e do Som. No palco do Teatro João Caetano, apresentou-se com Jacob do Bandolim, o conjunto Época de Ouro e o Zimbo Trio, com roteiro e direção-geral de Hermínio Bello de Carvalho. Os melhores momentos do espetáculo foram reunidos em um LP duplo. O Zimbo Trio a acompanharia em outros shows e discos ao longo de sua carreira.
Na década de 1970, seguiu a rotina de apresentações, lançamentos de discos e viagens internacionais, como a que fez em 1977 para o Japão, onde se apresentou em um espetáculo para 4.500 pessoas, eternizado no álbum Live in Japan.
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Aclamada Rainha Eterna do Cordão da Bola Preta e madrinha da Banda de Ipanema, desfilou também por diversas escolas de samba – Portela, sua escola de coração, Unidos de Lucas, Salgueiro e Quilombo, escola criada por Candeia.
Em 1983, apresentou-se ao lado de Radamés Gnattali e da Camerata Carioca no espetáculo Uma rosa para Pixinguinha, editado em LP meses depois. Em 1987, durante sua terceira turnê pelo Japão, sentiu fortes dores abdominais. Diagnosticada com câncer intestinal, submeteu-se a duas cirurgias antes de gravar, em 1989, Ary amoroso, com músicas de Ary Barroso, e Todo o sentimento, em parceria com o violonista Raphael Rabello. Produzidos por Hermínio Bello de Carvalho, seriam seus últimos registros.
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Fez sua última apresentação pública em janeiro de 1990, na boate People, no Rio. No dia seguinte, passou mal e foi submetida a nova cirurgia. Teve alta em meados de março, mas voltou a ser internada e morreu no dia 7 de maio de 1990, aos 69 anos. Seu caixão foi coberto pelas bandeiras do Cordão da Bola Preta, da Portela e do Clube de Regatas do Flamengo, seguindo desejo manifestado por ela em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, em 1970.
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Fonte: IMS
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“Quando me chamam de divina na rua, eu nem olho, faço de conta que não é comigo porque na verdade me dá um pouco de encabulamento”
– Elizeth Cardoso, em entrevista à Leda Nagle sobre os 50 anos de carreira/ Jornal Hoje, da TV Globo (1989)
Elizeth, a Divina!
“Tua voz eu escuto
Não te esqueço um minuto
Porque sei
Que tu és”
– Da canção ‘Barracão’
Elizeth Cardoso deu voz a canções de diversos compositores
Elizeth teve 32 álbuns feitos na gravadora Copacabana entre 1955 e 1978. Ao longo de sua carreira foram 47 discos de 78 rotações por minuto e 45 LPs originais, a carioca Elizeth Cardoso, de quem se comemora o centenário em 16 de julho de 2020 e em outubro os 70 de sua primeira gravação, lançou dezenas de clássicos da música brasileira e se fez acompanhar por grandes artistas.
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Antes da consagração como compositor, Tom Jobim foi seu pianista e arranjador (no LP ‘Canções à meia-luz’, de 1956). O violão bossa nova de João Gilberto foi ouvido pela primeira vez em um disco dela (Canção do amor demais, de 1958). Pela vida afora, seguiu sem preconceitos, dividindo LPs com sambistas das escolas de samba (Elizeth sobe o morro, de 1965) ou com um trio próximo do jazz (Elizeth e Zimbo Trio balançam na Sucata, de 1969).
Ela gravou discos em que dividiu os créditos na capa com Moacir Silva (2), Cyro Monteiro (2), Sílvio Caldas (2), Zimbo Trio (2), Radamés Gnattali e a Camerata Carioca (1) e Raphael Rabello (1).
Uma pequena seleção para você ouvir
{para ouvir basta clicar sobre “Ouça na voz de Elizeth Cardoso“}
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:: A flor e o espinho (Nelson Cavaquinho, Caminha e Guilherme de Brito) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso | (violão) Nelson Cavaquinho) / Do disco ‘Elizete sobe o morro’. Elizeth Cardoso . Copacabana (1965)
:: Barracão (Luiz Antônio e Oldemar Magalhães) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso, Zimbo Trio, Jacob do Bandolim & Época de Ouro / Elizeth Cardoso. Gravação ao vivo em 19.2.1968, no Teatro João Caetano – Rio de Janeiro (RJ). Biscoito Fino. CD. 2 (2003)
:: Canção da manhã feliz (Haroldo Barbosa e Luis Reis) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Disco de ouro’. Elizeth Cardoso . Copacabana (1974)
:: Canção de amor (Chocolate e Elano Paula) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Elizeth Cardoso (gravação 1950)/ Disco ‘Mestres da MPB’. Warner Music (1994)
:: Chega de saudade (Tom Jobim e Vinícius de Moraes) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso | (violão) João Gilberto / Do disco ‘Canção do amor demais’. Elizeth Cardoso . Copacabana (1958)
:: Complexo (Wilson Batista e Milton Oliveira) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Luz e Esplendor’. Elizeth Cardoso. Arca Som (1986)
:: Doce de côco (Jacob de Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Todo o sentimento’. Elizeth Cardoso e Raphael Rabello. Sony Music (1991)
:: Eu bebo sim (Luiz Antônio e João do Violão) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Disco de ouro’. Elizeth Cardoso . Copacabana (1974)
:: Feitio de oração (Noel Rosa e Vadico) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Fim de noite’. Elizeth Cardoso . Copacabana (1956)
:: Felicidade segundo eu (Ivone Lara e Nei Lopes) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Luz e Esplendor’. Elizeth Cardoso. Arca Som (1986)
:: Madame fulano de tal {Aliança}. (Cyro Monteiro e Dias da Cruz) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Retrato da noite’. Elizeth Cardoso . Copacabana (1958)
:: Mulata assanhada (Ataufo Alves) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso, Zimbo Trio, Jacob do Bandolim & Época de Ouro / Elizeth Cardoso. Gravação ao vivo em 19.2.1968, no Teatro João Caetano – Rio de Janeiro (RJ). Biscoito Fino. CD 1 (2003)
:: Naquela mesa (Sérgio Bittencourt) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso | Part. Sérgio Bittencourt / Do disco ‘Disco de ouro’. Elizeth Cardoso . Copacabana (1974)
:: No rancho fundo (Ary Barroso e Lamartine Babo) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Todo o sentimento’. Elizeth Cardoso e Raphael Rabello. Sony Music (1991)
:: Nossos momentos (Haroldo Barbosa e Luis Carlos Reis) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘A meiga Elizeth’. Elizeth Cardoso . Vol. 1. Copacabana (1960)
:: Outra vez (Tom Jobim) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Elizeth Cardoso Live in Japão’. Elizeth Cardoso. Copacabana (1977)
:: Palhaço (Haroldo Barbosa e Luis Carlos Reis) | Ouça na voz ‘Elizeth Cardoso & Moacir Silva’ {sax e voz}. Elizeth Cardoso Moacir Silva . Vol 2. Copacabana (1961)
:: Preciso aprender a ser só (Ray Gilbert, Marcos Valle e Paulo Valle) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Preciso aprender a ser só’ · Elizeth Cardoso. Copacabana (1972)
:: Serra da Boa Esperança (Lamartine Babo e Silvio Caldas) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso e Silvio Caldas / Do disco ‘Elizeth Cardoso e Silvio Caldas’. Elizeth Cardoso e Silvio Caldas. Vol. 1. Copacabana (1971)
:: Tem que rebolar (José Batista e Magno de Oliveira) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso e Cyro Monteiro / Do disco ‘A bossa eterna de Elizeth e Cyro’ – Elizeth Cardoso e Cyro Monteiro. Copacabana (1966)
:: Todo o sentimento (Chico Buarque e Cristovão Bastos) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Todo o sentimento’. Elizeth Cardoso e Raphael Rabello. Sony Music (1991)
:: Voltei (Baden Powell e Paulo Cesar Pinheiro) | Ouça na voz de Elizeth Cardoso / Do disco ‘Luz e Esplendor’. Elizeth Cardoso. Arca Som (1986)
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Referências: dados biobibliográficos e discografia de Elizeth Cardoso:
CABRAL, Sergio (pai). Elizeth Cardoso: uma vida. Rio de Janeiro: Editora Lumiar, 1994.
DICIONÁRIO. Elizeth Cardoso {Biografia}. in: Dicionário Cravo Albin da Música Brasileira. Disponível no link (acessado em 13.7.2020)
DISCOGRAFIA BRASILEIRA (78RPM). Elizeth Cardoso {‘busca por‘ interprete há mais de 100 gravações (áudios) de Elizeth à disposição}. in: Discografia Brasileira / Instituto Moreira Salles (IMS). Disponível no link (acessado em 13.7.2020).
ELIZETH Cardoso. Discografia. in: IMMuB. Disponível no link (acessado em 13.7.2020)
Uma Rosa para Pixinguinha, Rosa e 1X0. com Radamés Gnatalli e Elizeth Cardoso. Participação ‘Camerata Carioca’| Programa Contra-Luz | Apresentação Hermínio Belo de Carvalho; Direção Alcino Diniz (1983)
Músicas: Uma Rosa para Pixinguinha (Radamés Gnatalli) – Rosa (Pixinguinha e Otávio de Souza) e 1X0 (Benedito Lacerda e Pixinguinha)
“Nós temos um poder muito grande e chegou o momento da gente mostrar que nós somos também alguém, porque antigamente não havia essa oportunidade. Eu batalhei toda a minha vida, desde os 10 anos de idade. Eu tive muito pouco tempo para estudar, os meus pais se separaram, então eu tive que assumir, eu não não tive tempo para estudar porque comecei a trabalhar aos 10 anos de idade. Tinha um cafezinho que tinha um varejo de cigarro que foi meu primeiro trabalho, minha primeira experiência. Depois dali, foram vários trabalhos: fui trabalhar numa fábrica onde a gente pagava 10 tostões por um prato de comida”
– Elizeth Cardoso, em entrevista à Leda Nagle sobre os 50 anos de carreira/ Jornal Hoje, da TV Globo (1989)
Amizades musicais
Coleção Elizeth Cardoso – MIS/Acerco
A coleção Elizeth Cardoso, doada em 1979 ao MIS-RJ pela própria cantora, é composta de partituras; documentos iconográficos, dos quais mais de 1.300 fotografias de shows no Brasil e no exterior; roteiros de programas de rádio, televisão e espetáculos musicais; objetos tridimensionais – incluindo troféus, placas, medalhas e indumentária usada em suas apresentações; discos; fitas de áudio e documentos textuais – incluindo convites, telegramas, cartas, roteiros, contratos de trabalho e recortes de jornais sobre sua trajetória artística.
Fonte: Acervo/MIS
O acervo pessoal de Elizeth está no Instituto Moreira Salles
Adquirido pelo Instituto Moreira Salles em outubro de 2003 e ainda em processo de digitalização e catalogação, o acervo da cantora carioca Elizeth Cardoso, conhecida como “A Divina”, é formado por centenas de documentos, álbuns de fotografias e recortes, coleção de discos, pôsteres de seus shows, partituras com arranjos e orquestrações, objetos de uso pessoal e mais de uma centena de fitas gravadas, com destaque para os formatos cassete (91 itens) e VHS (12 itens).
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Se fotos e objetos são fontes inestimáveis para o estudo da vida da “mãe de todas as cantoras do Brasil” (palavras de Chico Buarque), é em partituras e fitas que se concentram os maiores tesouros musicais do acervo. Entre as partituras, há arranjos e orquestrações de maestros como Léo Peracchi e Lindolfo Gaya, produzidos para discos e espetáculos da artista. As fitas cassete trazem gravações de ensaios de que Elizeth participou, em especial com o violonista Baden Powell.
Fonte: IMS/Acervo pessoal Elizeth Cardoso