Andrea Ernest Dias lança álbum do seu quarteto, tocando obras-primas de Moacir Santos, Dona Ivone Lara, Letieres Leite e outros mestres
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O sopro de suas flautas está presente em boa parte dos discos que deram régua e compasso para músicos e formaram gerações de ouvintes apaixonados por MPB, instrumental, samba e choro, e o lançamento “Andrea Ernest Dias Quarteto” (independente) “é mais do que um presente, é um bálsamo” nas palavras do jornalista Lucas Nobile, que escutou o disco atentamente e sobre ele escreveu.
“O quarteto existe desde 2018, e começou com um convite que recebi do meu filho Miguel Dias, baixista, e Pedro Fonseca, pianista, para fazer uma participação especial no show deles, na Lapa carioca. Já gostava do som mais pop da turma do Miguel e passei a ver os rapazes como minha turma musical também”, conta Andrea – Deda para a família (de músicos!) e os amigos, que são tantos.
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O repertório foi crescendo, junto com mais convites para shows. Num dia, o baterista Felipe Larrosa Moura se juntou ao trio e, no outro, o piano foi assumido por Pedro Carneiro Silva, que gravou o disco. “As escolhas foram basicamente minhas, Moacir (claro), Jobim, Edu, Francis, Chico, Caymmi, Pixinguinha, parcerias de Santoro e Vinicius, além de músicas do Miguel”, rebobina a flautista.
Em 2021, ganharam um edital da Prefeitura do Rio, o Foca, e saíram pela cidade com o show Uma Roda para Moacir Santos. “A gente queria festejar a herança musical afro-brasileira, tendo Moacir como anfitrião”, pontua Andrea. O repertório do quarteto se expandiu, trazendo, além de Moacir, Dona Ivone Lara, Dolores Duran, Letieres Leite, Abigail Moura, Carlos Negreiros, Paulinho da Viola, Maurício Tizumba, Cláudio Camunguelo e Milton Nascimento.
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Negreiros, BNegão e Áurea Martins participaram de algumas apresentações. “Negreiros faleceu em nosso show no Teatro Ipanema, após brilhar e ser consagrado, aplaudido de pé durante a sua apresentação cantando, tocando e dançando. Morreu no camarim, proseando com BNegão, que o amparou em seus braços no ataque cardíaco. Foi um momento de fortíssima emoção e surpresa para todos nós. A última frase que eu ouvi dele foi ‘quero ficar nessa banda para sempre!’. Ele estava muito feliz”.
O que ressoa no “Andrea Ernest Dias Quarteto” emergiu deste roteiro. “É muito bom tocar com eles, todos na faixa dos 30 anos e com formação e sensibilidades muito especiais. Renova perspectivas, atualiza referências e sonoridades, aprendo demais e voce-versa. E os três estão muito presentes na cena musical. Tocam com Pedro Luís, Bala Desejo, Julia Vargas, Chico Chico…”, enumera, orgulhosa.
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Ela e Miguel escolheram as sete músicas que foram gravadas e fizeram a direção musical juntos – ele trabalhou nos arranjos, que cresceram no estúdio – no caso, o Frigideira, de Gui Marques e Felipe Larrosa Moura. Moura também mixou e a masterização tem a arte de Lelo Nazario. Andrea fez a produção musical e a produção executiva é da Fulô Cultural, de Vera Schroeder e Renata de Oliveira.
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Caco Chagas assina a capa do álbum, sobre uma fotografia do mar de Marselha feita por Andrea num passeio de barco – uma referência ao legendário “Ouro Negro” (Universal / MP,B, de 2001) -, pois as flautas de Andrea Ernest Dias estão presentes (nos dois sentidos) nesse disco duplo vencedor de prêmio e inesquecível para quem assistiu ao vivo a Orquestra Ouro Negro.
DISCO ‘ANDREA ERNEST DIAS QUARTETO’ • Andrea Ernest Dias Quarteto • Selo Independente / distribuição Tratore • 2024
Músicas / compositores
1. Nanã (Mario Telles e Moacir Santos)
2. Mãe Iracema (Moacir Santos)
3. Nasci pra sonhar e cantar (Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho)
4. Acalanto da Rosa (Claudio Santoro e Vinícius de Moraes)
5. Em algum lugar (Claudio Santoro e Vinícius de Moraes)
6. Amor que partiu (Claudio Santoro e Vinícius de Moraes)
7. Professor Luminoso (Letieres Leite)
– ficha técnica –
Andrea Ernest Dias (flauta, flautim, flauta em sol e flauta baixo) | Pedro Carneiro Silva (piano e teclado) | Miguel Dias (baixo) | Felipe Larrosa Moura (bateria) | Direção musical: Andrea Ernest Dias e Miguel Dias | Arranjos: Miguel Dias | Produção: Andrea Ernest Dias | Coprodução: Miguel Dias, Felipe Lorrosa Moura e Pedro Carneiro Silva | Gravação: Guilherme Marques e Felipe Lorrosa Moura | Mixagem: Felipe Lorrosa Moura, no estúdio Frigideira – Rio de janeiro/RJ | Masterização: Lelo Nazario, no estúdio Utopia Studio – São Paulo/SP | Produção executiva: Vera Schoreder e Renata de Oliveira – Fulô Cultural | Capa: Caco Chagas (sobre uma fotografia do mar de Marselha feita por Andrea) | Autorizações: Gustavo Ribeiro | Assessoria de imprensa: Monica Ramalho / Belmira Ideias e Conteúdo | Selo: Independente | Distribuição digital: Tratore | Formato: CD digital / físico | Ano: 2024 | Lançamento: 21 de novembro | ♪Ouça o álbum: clique aqui.
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>> Siga: @andreaernestdias | @pedrocarneirosilva | @migdias_ | @felipelarrosamoura
O JORNALISTA MUSICAL LUCAS NOBILE OUVIU AS FAIXAS E ESCREVEU
O novo disco de Andrea Ernest Dias é mais do que um presente, é um bálsamo. A começar pela escolha de repertório. Um álbum que abre com duas composições de Moacir Santos – assunto sobre o qual, mais do que doutora e biógrafa, Andrea é autoridade – e fecha com Letieres Leite.
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Do pernambucano Moacir são “Coisa nº 5 – Nanã” e “Mãe Iracema”. Do baiano Letieres é “Professor luminoso”, cujo título sintetiza tudo aquilo que ele representou e ainda representa, sobretudo por seu legado com a Rumpilezz: um farol de intensa luminosidade musical e existencial. Ambos muito admirados e reconhecidos mundo afora por suas divisões rítmicas, por suas concepções sobre as claves e por sua excelência em matéria de orquestrações e de arranjos. Ambos – e sobre isso fala-se pouco – melodistas primorosos.
Aliás, em assunto de melodia o disco chega a um patamar ainda mais elevado ao apresentar o conhecido tema de Dona Ivone Lara, “Nasci pra sonhar e cantar”. Tal qual as criações de Moacir e Letieres, o esplendoroso choro-canção de Ivone – gravado originalmente em 1982 na voz da própria autora, com letra de Délcio Carvalho – é também ouro negro do Brasil.
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“Andrea Ernest Dias Quarteto” é um disco de intérprete, se considerarmos que não há nele nenhuma composição feita pelos integrantes do grupo. Porém, ao apresentar abordagens que combinam na medida exata criatividade, ousadia, sensibilidade e respeito a obras cujas gravações originais pareciam irretocáveis, o álbum soa como autoral. São pouco mais de 25 minutos em que tudo parece novo, de novo.
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Em boa parte, isso se deve não apenas à reunião de quatro excelentes instrumentistas. Mas também, e sobretudo, ao fato de que Andrea Ernest Dias (flauta, flautim, flauta em sol e flauta baixo), Pedro Carneiro Silva (piano e teclado), Miguel Dias (baixo) e Felipe Larrosa Moura (bateria) conseguem notoriamente soar como conjunto. Parece óbvio, mas não é. Andrea e seu quarteto chegam a uma unidade desprendida de egos, algo cada dia mais raro.
A mesma unidade – tudo encaixado com muito balanço, expressividade e dinâmica – que se escuta nos temas de Moacir, Letieres e Dona Ivone ouve-se também nas interpretações do grupo para três peças de Claudio Santoro: “Acalanto da rosa”, “Em algum lugar” – mais curtas e que surgem como lindas vinhetas de passagem – e “Amor que partiu”. Originalmente criadas por Santoro como prelúdios para piano, as músicas tornaram-se canções depois de ganharem letras de Vinicius de Moraes.
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Ambos, Santoro e Vinicius, com estreita ligação e profunda admiração por Moacir Santos, motor de arranque deste disco. Pelas mãos do quarteto, as peças, cada qual com uma paisagem sonora diferente, lembram trilha de cinema.
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Um disco essencialmente brasileiro, muito bem gravado (com menção honrosa à mixagem e à masterização), que merece encontrar ouvidos tão abertos como a mentalidade musical de Andrea Ernest Dias – sucessora de uma linhagem superlativa na história da flauta brasileira – e seu espetacular quarteto.
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Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Choro / Jazz brasileiro | Música instrumental / álbum.
Publicado por ©Elfi Kürten Fenske