LITERATURA

‘A insustentável leveza do ser’ – do livro ao filme

“Só as perguntas mais ingênuas são realmente perguntas sérias. São as interrogações para as quais não há resposta. Uma pergunta para a qual não há resposta é uma cancela além da qual não há mais caminhos. Em outras palavras: são precisamente as perguntas para as quais não há respostas que marcam os limites das possibilidades humanas e que traçam as fronteiras da nossa existência.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

“Kundera é afiadíssimo e incômodo. Suas reflexões sobre o ser humano, seu comportamento, seu pensamento e sua alma incomodam. A profundidade que ele avança em seus personagens é fabulosa. E ele discorre perigosamente sobre questões essenciais da existência, dos relacionamentos e do pensamento humanos.” – Esdras Beleza de Noronha

O LIVRO
:: A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1985; São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. (Capa)
A Insustentável Leveza do Ser é um livro em que o desenvolvimento dos enredos erótico-amorosos se conjuga com extrema felicidade à descrição de um tempo histórico politicamente opressivo e à reflexão sobre a existência humana como um enigma que resiste à decifração – o que lhe dá um interesse sempre renovado.

A história se passe em Praga (atual República Checa) e em Zurique (Suíça), no ano de 1968, atravessando algumas décadas de forma atemporal para mostrar os altos e baixos, descobertas e constatações dos quatro personagens que a protagonizam: Tomás, Teresa, Sabina e Franz.

O livro é sobretudo um diálogo sobre o significado da vida, do que está acima de nós e os grande esforço e observações necessários a entender o quê e por que somos aquilo que somos. Daí deriva o termo “existencialista” e a narração de acontecimentos cotidianos.

“O peso da vida, para Kundera, está em toda forma de opressão. O romance nos mostra como, na vida, tudo aquilo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba bem cedo se revelando de um peso insustentável. Apenas, talvez, a vivacidade e a mobilidade da inteligência escapam à condenação – as qualidades de que se compõe o romance e que pertencem a um universo que não é mais aquele do viver”
– Ítalo Calvino, escreveu sobre o romance. fonte: Cia das Letras.

“Os personagens de meu romance são minhas próprias possibilidades que não foram realizadas. É o que me faz amá-los, todos, e ao mesmo tempo a todos temer. Uns e outros atravessaram uma fronteira que eles atravessaram (fronteira além da qual termina o meu eu). E é somente do outro lado que começa o mistério que o romance interroga. O romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que é a vida humana na armadilha que se tornou o mundo…”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Abaixo alguns excertos do livro:

“O eterno retorno é uma idéia misteriosa e, com ela, Nietzche pôs muitos filósofos em dificuldade: pensar que um dia tudo vai se repetir como foi vivido e que tal repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse mito insensato?
O mito do eterno retorno afirma, por negação, que a vida que desaparece de uma vez por todas, que não volta mais, é semelhante a uma sombra, não tem peso, está morta por antecipação, e por mais atroz, mais bela, mais esplêndida que seja, essa atrocidade, essa beleza, esse esplendor não têm o menor sentido.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“Digamos, portanto, que a idéia do eterno retorno designa uma perspectiva em que as coisas não parecem ser como nós as conhecemos: elas aparecem para nós sem a circunstância atenuante de sua fugacidade. Com efeito, essa circunstância atenuante nos impede de pronunciar qualquer veredicto. Como condenar o que é efêmero? As nuvens alaranjadas do crepúsculo douram todas as coisas com o encanto da nostalgia; até mesmo a guilhotina.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“O mais pesado dos fardos nos esmaga, verga-nos, comprime-nos contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o fardo do corpo masculino. O mais pesado dos fardos é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da realização vital mais intensa. Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais real e verdadeira ela é.
Em compensação, a ausência total de fardo leva o ser humano a se tornar mais leve do que o ar, leva-o a voar, a se distanciar da terra, do ser terrestre, a se tornar semi-real, e leva seus movimentos a ser tão livres como insignificantes.
O que escolher, então? O peso ou a leveza?”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“Foi a pergunta que Parmênides fez a si mesmo no século VI antes de Cristo. Segundo ele, o universo está dividido em pares de contrários: a luz/a escuridão; o grosso/o fino; o quente/o frio; o ser/o não-ser. Ele considerava que um dos pólos da contradição é positivo (o claro, o quente, o fino, o ser), o outro, negativo. Essa divisão em pólos positivo e negativo pode nos parecer de uma facilidade pueril. Exceto em um dos casos: o que é positivo, o peso ou a leveza?
Parmênides respondia: o leve é positivo, o pesado é negativo. Teria ou não teria razão? A questão é essa. Só uma coisa é certa. A contradição pesado/leve é a mais misteriosa e a mais ambígua de todas as contradições.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

“Nunca se pode saber o que se deve querer, pois só se tem uma vida e não se pode nem compará-la com as vidas anteriores nem corrigi-la nas vidas posteriores.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“E, de novo, veio-lhe à cabeça uma idéia que já conhecemos: A vida humana só acontece uma vez e não poderemos jamais verificar qual seria a boa ou má decisão, porque, em todas as situações, só podemos decidir uma vez. Não nos é dada uma segunda, uma terceira, uma quarta vida para que possamos comparar decisões diferentes […]”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“Parece que existe no cérebro uma zona específica, que poderíamos chamar memória poética, que registra o que nos encantou, o que nos comoveu, o que dá beleza à nossa vida. Desde que Tomas conhecera Tereza, nenhuma outra mulher tinha o direito de deixar a marca, por efêmera que fosse, nessa zona de seu cérebro. Tereza ocupava como déspota sua memória poética e dela varrera todos os traços das outras mulheres.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“[…] O amor começa por uma metáfora. Ou melhor: o amor começa no instante em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“Muitas vezes nos refugiamos no futuro para escapar do sofrimento. Imaginamos uma linha na pista do tempo, e pensamos que a partir dessa linha o sofrimento presente deixará de existir”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“Aquele que deseja continuamente ‘elevar-se’ deve esperar um dia pela vertigem. O que é a vertigem? O medo de cair? Mas porque sentimos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada? A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“É por isso que a palavra compaixão em geral inspira desconfiança; designa um sentimento considerado de segunda ordem que não tem a ver com o amor. Amar alguém por compaixão não é amar de verdade.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“Acordou e viu que estava só em casa.
Saiu e tomou a direção do cais. Queria ver o Vltava. Queria sentar-se em sua margem e olhar a água, pois a visão de água fluindo acalma e cura. O rio corre de século em século, e as histórias dos homens se desenrolam na margem. Acontecem para ser esquecidas amanhã e para que o rio não pare de correr”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“Quem vive no exterior caminha num espaço vazio acima do solo sem a rede de proteção que o país de origem estende a todo ser humano, onde ele tem família, colegas, amigos, e onde é compreendido sem dificuldade no idioma que sabe falar desde a infância.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda a pureza e com toda a liberdade em relação àquele que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, situado num nível tão profundo que escapa a nosso olhar) são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: os animais.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

“Só o acaso pode nos parecer uma mensagem. Aquilo que acontece por necessidade, aquilo que é esperado e se repete cotidianamente é coisa muda apenas. Somente o acaso tem voz. Tenta-se ler no acaso como as ciganas lêem no fundo de uma xícara os desenhos deixados pela borra do café. (…) O acaso tem seus sortilégios, a necessidade não. Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se encontrem nele desde o primeiro instante como os pássaros nos ombros de São Francisco de Assis.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Milan Kundera – foto: Catherine Hélie

 Sobre o autor: * Milan Kundera nasceu em Brno, na República Tcheca, em 1929, e emigrou para a França em 1975, onde vive como cidadão francês. Romancista e pensador de renome internacional, é autor, entre outras obras, de A insustentável leveza do ser, A brincadeira, Risíveis amores, A identidade, A ignorância, A cortina e O livro do riso e do esquecimento, publicadas no Brasil pela Companhia das Letras.

A Insustentável leveza do Ser – direção: Philip Kaufman (1988)

“[…] E os amores são como os impérios: desaparecendo a idéia sobre a qual foram construídos, morrem com ela.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

O FILME
A Insustentável leveza do Ser (The unbearable lightness of being)
Ano: 1988 (Estados Unidos)
Duração: 170 min.
Gênero: Drama
Direção: Philip Kaufman
Roteiro: Jean-Claude Carrière, Philip Kaufman (baseado na obra de Milan Kundera)
Fotografia: Sven Nykvist
Trilha Sonora: Ernie Fosselius, Leos Janácek, Mark Adler
Produção: Saul Zaentz
Estúdio: The Saul Zaentz Company
Elenco: Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche, Lena Olin, Derek de Lint, Erland Josephson, Pavel Landovský, Donald Moffat, Daniel Olbrychski, Stellan Skarsgård, Tomasz Borkowy, Bruce Myers, Pavel Slabý, Pascale Kalensky, Jacques Ciron, Anne Lonnberg, Clovis Cornillac, Leon Lissek

A Insustentável leveza do Ser – direção: Philip Kaufman (1988)

Tomas (Daniel Day-Lewis) é um neurocirurgião vivendo em Praga, Checoslováquia, em 1968. É um daqueles homens que possui grande facilidade para tirar as roupas das mulheres. Apesar dos inúmeros casos, sua companhia mais frequente é a artista Sabina (Lena Olin), uma mulher de vida tão livre e sem amarras quanto ele. Tomas e Sabina se entendem perfeitamente: eles só querem sexo um do outro (de preferência com ela usando um chapéu). Um dia ele é chamado para fazer uma operação no interior e conhece Tereza (Juliette Binoche), uma moça adorável e um pouco ingênua que acaba se apegando a ele. Tereza, entretanto, não é como Tomas: segundo suas próprias palavras, ela “não compreende como se pode fazer amor sem estar apaixonado”. Ao mesmo tempo, ocorre a invasão soviética da Checoslováquia – e a vida leve destes personagens é perturbada para sempre.

Baseado no livro de Milan Kundera, “A Insustentável Leveza do Ser” (1988) é mais uma grande realização do produtor Saul Zaentz, cujo histórico no Oscar é vencedor (Ele produziu “Um Estranho no Ninho” e “Amadeus”, vencedores em 1975 e 1984 respectivamente, e voltaria a ser premiado com “O Paciente Inglês” em 1996). O diretor Phillip Kaufman, com seu toque distintamente mais europeu que americano, explora sem pudores os temas de sexualidade e liberdade da história, e o elenco é fantástico. Day-Lewis é perfeito, Olin nunca esteve mais interessante e Binoche cativa e conquista o espectador desde sua primeira aparição.

Assista o trailer:

Bibliografia sobre o livro e o filme:
COSTA. Vítor Hugo dos Reis. A insustentável leveza do ser-para-si: uma leitura sartreana de Milan Kudera. in: Kínesis, Vol. IV, n° 08, Dezembro 2012, p. 61-78. Disponível no link: (acessado em 5.10.2017)
PEDROLO, Fabiana Maceno Domingos. O filme A insustentável leveza do ser: da narrativa poética às aproximações com o cinema de poesia. in: Temática, ano XIII, n. 9. Setembro/2017. Disponível no link. (acessado em 5.10.2017).

A Insustentável leveza do Ser – direção: Philip Kaufman (1988)

“O tempo humano não gira em círculos, mas avança em linha reta. É por isso que o homem não pode ser feliz, pois a felicidade é o desejo de repetição.”
– Milan Kundera, do livro “A insustentável leveza do ser”. [tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

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