Traduzo um trecho de um artigo de Struthers Burt sobre a irrealidade do realismo.
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“Existe essa coisa como realismo no escrever, ou em outra espécie de arte, e o realismo em arte é possível? Não será a palavra ‘realismo’ em si mesma uma contradição quando aplicada a qualquer forma de arte, qualquer forma de expressão humana consciente e controlada? Pode-se também dizer que essa palavra está em contradição quando aplicada mesmo na suposta descrição de fatos numa coluna de jornal ou numa reportagem. O que é arte? Será a expressão humana consciente, controlada e dirigida em todas as suas miríades de manifestações, em nível alto ou baixo, movimentado ou parado, com ou sem valor, permanente ou efêmero? E o que é realismo?
“Esta é uma pergunta grande, porque o que nós estamos perguntando é o que é a vida? E tendo decidido – o que não conseguimos – estamos fazendo a nós mesmos uma pergunta igualmente grande. Qual é a relação entre a arte e a vida? Qual a conexão? o cordão umbilical? E por que a arte pula da vida? e quase no mesmo tempo? e inevitavelmente? Porque nada é mais claro, ou mais provado pela História e pela Antropologia, que o homem, mal começa a sê-lo, exibe a urgência de se exprimir artisticamente. Não estava satisfeito com a forma das coisas como são, e começava a moldá-las cruamente. Depois de um tempo – em comparativamente o pequeno espaço de algumas centenas de milhares ou milhões de anos – tornou-se bastante bom, começou a pintar em paredes, a escavar intricados desenhos em ossos.”
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— Clarice Lispector, no livro “A descoberta do mundo”. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
SOBRE O LIVRO
As crônicas de Clarice Lispector publicadas no Jornal do Brasil de 1967 a 1973 nos permitem compreender melhor a escritura desta que se consagrou como uma das maiores escritoras do Brasil. Se nos contos e romances o mistério de uma narrativa envolve o leitor num processo quase que iniciático, nas crônicas esse mistério vai aos poucos sendo desvendado, revelando o mundo pessoal e subjetivo da autora enigmática que viveu no Leme, próximo às areias e ao mar de Copacabana, que tanto apreciava.
Ao aceitar o convite do JB para escrever uma coluna aos sábados, Clarice Lispector sente a estranheza entre ser escritora e jornalista: “Na literatura de livros permaneço anônima e discreta. Nesta coluna, estou de algum modo me dando a conhecer”, comenta na crônica de 21 de setembro de 1968.
Gênero leve, ameno, de leitura mais fácil, a crônica traz quase sempre a interpretação de um fato conhecido por todos, investido pela subjetividade de quem comenta o assunto, dando um sabor novo ao acontecido. Com a sua despretensão, a crônica quebra o monumental, o extraordinário, celebrando o cotidiano, o dia a dia e mostra belezas insuspeitáveis através da argúcia, da graça, do humor de quem a escreve. A informalidade investe de leveza uma linguagem cuja densidade busca revelar o segredo das coisas mais simples, o cotidiano transfigurado pelo olhar de Clarice, que redescobre nas Macabéas de todo dia a luminosidade de uma presença estelar. Entre flanelas e vassouras, mulheres simples e humildes se transformam em personagens que se eternizam. Aninha, Jandira, Ivone ou Aparecida são algumas dessas estrelas que saem de suas vidas apagadas para serem reveladas pelo olhar atento e sensível, onde escapa, por vezes, um leve e sorrateiro toque de humor, como no caso da empregada que fazia análise, ou da “mineira calada”, que gostava de ler livros complicados.
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FICHA TÉCNICA
Título: A descoberta do mundo
Páginas: 624
Formato: 21 x 14 x 3.8 cm
Acabamento: Livro brochura
Lançamento: 10/7/2020 (1ª edição)
ISBN: 978-6555320299
Selo: Rocco
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