Hora de dormir!
A excessiva carga de trabalho e os apelos (implícitos ou explícitos) da vida moderna para que as pessoas permaneçam acordadas “sequestram” valiosas horas de descanso.
– por John Pavlus, Scientific American/Mente cérebro, maio 2017
A privação de sono é um problema cada vez mais comum em todo o planeta. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), no mundo uma em cada três pessoas tem dificuldade para dormir. Poderíamos atribuir a responsabilidade por essa dificuldade – que muitas vezes se traduz num sintoma – aos inúmeros estímulos que a energia elétrica e as inovações tecnológicas nos proporcionam ou mesmo à enorme carga de trabalho de muita gente. As causas sociais e culturais da falta de sono são inegáveis, mas revelam apenas uma parte da questão. A responsabilidade pela qualidade é também pessoal e intransferível: embora muitos reclamem das noites maldormidas e milhões recorram ao uso de medicações, em grande parte dos casos os hábitos na hora de apagar a luz e abandonar-se nos “braços de Morfeu” (o deus dos sonhos, na mitologia grega) não costumam ser dos melhores. Não raro, deixamos para o momento valioso, que antecede o adormecer, atividades (como checar redes sociais) que terminam roubando boa parte de nossa disposição para dormir.
Cientistas sabem atualmente que as consequências das noites maldormidas são sentidas tanto no corpo quanto na mente (veja quadro na pág. 48). Vários estudos já têm associado o sono desregulado ao envelhecimento acelerado, ao aumento do risco de obesidade e a alterações prejudiciais no sistema imunológico e cardiovascular. A boa notícia é que em muitas situações – que não envolvem patologias específicas, em que a insônia é um sintoma – dormir melhor pode ser mais simples do que parece. Prestar atenção em alguns hábitos e comportamentos pode marcar a diferença entre acordar descansado e disposto no dia seguinte ou sentir como se o mundo estivesse desabando sobre sua cabeça no momento em que o despertador toca de manhã.
Leve a sério a iluminação. Ler em tela eletrônica pouco antes de pegar no sono pode inibir a produção de melatonina, um hormônio que ajuda a nos embalar para esse momento. Mas, embora seja verdade que aparelhos digitais possam imitar o efeito da claridade do dia e influenciar o tempo do relógio interno do corpo, o neurocientista Russell Foster, da Universidade de Oxford, que há anos estuda os ritmos circadianos, observa que, no final das contas, a quantidade de luz importa mais do que a qualidade. “A luminosidade provoca um efeito de alerta no cérebro, mas a intensidade da luminosidade que esses dispositivos eletrônicos portáteis emitem é relativamente baixa”, argumenta Foster. “Realmente, para algumas pessoas a luz dos aparelhos interfere bastante no descanso, mas não podemos deixar de lado o fato de que, ironicamente, a última coisa que a maioria de nós faz antes de ir para a cama é acender as lâmpadas mais potentes do banheiro enquanto escova os dentes, o que às vezes é até mais prejudicial ao sono.” Além de preferir a leitura em papel às telas digitais (pelo menos à noite), uma providência útil, portanto, pode ser investir na instalação de um regulador de luminosidade. Outra opção é se preparar com uma antecedência de uma hora a 30 minutos antes do horário que planeja realmente adormecer e começar a apagar as lâmpadas, mantendo apenas luminárias ligadas, inclusive no banheiro, no momento da higiene bucal ou mesmo do banho. Seja lá o que decidir fazer, busque minimizar a exposição à luz.
Uma soneca para ficar mais inteligente
Tome “banhos de fótons” de manhã. As mesmas células dos olhos que dependem de luz baixa para facilitar o sono também necessitam de uma exposição de brilho logo cedo para voltar a sincronizar o ritmo circadiano. “O ciclo do corpo humano dura um pouco mais de 24 horas; por isso, sem esse efeito estabilizador da luminosidade matinal, nosso relógio interno começa a oscilar”, explica Foster. Em outras palavras, isso pode nos levar a ir para a cama cada vez mais tarde, ainda que tenhamos de acordar no mesmo horário todas as manhãs, o que, gradualmente, provoca um acúmulo de déficit de sono. O melhor remédio para combater isso é a luz natural do começo do dia. Mas, se o emprego, a geografia ou os filhos obrigam você a se levantar antes do amanhecer, procure aumentar a intensidade luminosa da casa ao máximo possível até a hora em que puder tomar sol de verdade. Deixar as janelas abertas para que os primeiros raios dos dias entrem no quarto, por exemplo, costuma ser uma medida simples e eficiente. A maioria das lâmpadas de ambientes internos tem pelo menos o mesmo brilho que o céu ao amanhecer – entre 400 e 1000 lux (unidade científica para medir a iluminância). Foster recomenda “tomar banhos” de 1000 a 2000 lux na parte da manhã. Isso ajuda a garantir o estado de alerta e a acertar o relógio biológico para ter uma diminuição adequada do ritmo no final da tarde. Se desejar maior rigor, é possível baixar aplicativos para smartphones que medem a luminosidade por metro quadrado e apontam exatamente a quantidade de luz em cada ponto da casa.
Aprimore seus sonhos. As funções oníricas provocam polêmicas, mas alguns estudos recentes têm mostrado que os sonhos de fato podem nos ajudar a aprender e a encontrar soluções para problemas do dia a dia. Uma dessas pesquisas, conduzida pelo bioquímico Robert Stickgold, diretor do Centro do Sono e da Cognição da Escola de Medicina Harvard, mostra que voluntários que foram orientados a encontrar a saída de um labirinto se saíram melhor quando haviam sonhado anteriormente com conteúdos relacionados à tarefa. E o sonho lúcido (em que a pessoa se torna capaz de controlar a experiência sem acordar) pode ajudar a aumentar a produção de insights oníricos e diminuir os efeitos da ansiedade. “Diversos trabalhos científicos indicam que pessoas que têm um sonho lúcido por mês ou mais são mais resistentes para enfrentar eventos estressantes”, diz o psicólogo Tore Nielsen, da Universidade de Montreal, pesquisador do sono. Segundo ele, podemos nos preparar para ter essa experiência de forma espontânea, cultivando o hábito de nos perguntarmos durante o dia: “Estou sonhando?”. A tendência é que façamos o mesmo dormindo, o que pode nos permitir perceber o que acontece e assumir o controle. “Evidências mostram que podemos voar, explorar ideias criativas e lidar com pesadelos nessas circunstâncias de forma lúcida”, afirma. Nielsen salienta, porém, que é importante insistir em prestar atenção aos sonhos. Registrar o que sonhamos e refletir sobre os significados cifrados que se apresentam também pode ser muito útil na resolução de problemas – por isso, ajudaria bastante deixar papel e caneta perto da cama. Com frequência, psicanalistas ajudam seus pacientes a obter compreensões bastante aprofundadas sobre aspectos psíquicos com base na análise dos sonhos que lhes são relatados.
Quer dormir? Desligue a TV e o celular!
Vá para a cama antes. Enquanto pesquisava para produzir este artigo, encontrei uma quantidade aparentemente inesgotável de truques para melhorar o sono, desde um “cochilo de cafeína” ao meio-dia (beber uma xícara de café e depois dormir por 20 minutos) até manter um pé para fora das cobertas durante a noite. Mas, segundo Stickgold, a coisa pode ser até mais simples. “Recomendo às pessoas que façam uma experiência: ir para a cama 30 minutos mais cedo do que o habitual, a cada noite, por uma semana”, diz. Se você costuma se deitar à meia-noite, por exemplo, passe para 23h30 e assim por diante, até conseguir dormir (ou pelo menos estar pronto para dormir) às 20h30. “Se depois desse período estiver três horas e meia “para trás” em tudo, então interrompa a experiência; mas aposto que isso não acontecerá, é mais provável que a pessoa esteja mais eficiente, bem-disposta e com esse tempo extra para dormir”, acredita o bioquímico.
Talvez atitudes como deixar de lado o celular, desligar a televisão, reduzir a luminosidade, acordar com luz natural entrando pela janela, prestar atenção nos próprios sonhos e se propor a deitar mais cedo pareçam banais demais – e até nos remetam à rotina de nossos antepassados. Mas cientistas garantem que podem realmente funcionar.
Fonte: Esta matéria foi publicada originalmente na edição de abril de Mente e Cérebro
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