O futuro Buda nasceu na família de um sacerdote, quando Brahmadatta reinava em Benares. Ao crescer, tornou-se conselheiro do rei sobre assuntos temporais e espirituais.
Bem, o rei era muito falador; enquanto falava, ninguém mais tinha oportunidade de dizer uma palavra. O futuro Buda, desejando curar tamanha tagarelice, estava sempre buscando meios de fazê-lo.
Naquela época, em um lago do Himalaia, vivia uma tartaruga. Dois jovens hamsas, ou patos selvagens, que ali se alimentavam fizeram amizade com ela. Um dia, quando já estavam bem íntimos, disseram à tartaruga:
– Amiga tartaruga! O lugar onde vivemos, na Caverna Dourada, do Monte Belo, na região do Himalaia, é encantador. Gostaria de ir até lá conosco?
– Mas como farei para chegar até lá?
– Podemos levá-la, se conseguir segurar a língua e não dizer nada a ninguém.
– Ah! Eu posso fazer isso. Levem-me com vocês.
– Muito bem – disseram. E, pedindo que a tartaruga mordesse um graveto, seguraram cada um em uma ponta e saíram voando.
Vendo a tartaruga sendo carregada pelos hamsas, alguns aldeãos gritaram:
– Dois patos selvagens estão carregando uma tartaruga em um graveto!
A tartaruga quis responder:
– Se meus amigos querem me carregar, o que lhes importa, seus miseráveis?!
Assim, tão logo o rápido voo dos patos a levou ao palácio do rei, na cidade de Benares, ela soltou o graveto que mordia e, caindo no pátio aberto, partiu-se em duas! Todos gritaram:
– Uma tartaruga caiu no pátio e se partiu em duas!
O rei, acompanhado do futuro Buda, foi até o local, cercado por cortesãos. Olhando para a tartaruga, perguntou ao bodisatva:
– Mestre! Como ela foi cair aqui?
O futuro Buda pensou consigo mesmo: “Há muito espero por um modo de advertir o rei. Esta tartaruga deve ter feito amizade com os patos selvagens, e eles devem ter pedido para ela morder o graveto e depois levantaram voo para levá-la para as montanhas. Mas ela, incapaz de segurar a língua quando ouve outra pessoa falar, deve ter tentado falar algo e soltado o graveto. Assim, deve ter caído do céu e, portanto, perdido a vida”.
– Na verdade, majestade, aqueles considerados tagarelas, pessoas cujas palavras não têm fim, acabam lamentando-se dessa forma – disse ele.
Depois proferiu esses versos:
A tartaruga se matou, decerto
Por sua voz ter soltado;
Acabou passando aperto,
Devia ter se segurado.
Contemple-a bem de perto
Com as palavras, tenha cuidado.
Ela quis manter o bico aberto,
E triste foi o resultado!
O rei notou que o conselheiro estava se referindo a ele, e disse:
– Ó, mestre! Está falando de mim?
E o bodisatva respondeu abertamente:
– Ó, grande rei. Seja o senhor ou qualquer outro, quem fala além da conta acaba sofrendo algum infortúnio como esse.
E o rei, daquele momento em diante, conteve-se e tornou-se um homem de poucas palavras.
— Joseph Jacobs, no livro “Contos de fadas indianos”. tradução Flávia Souto Maior. Principis, 2021
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