Neto do fotógrafo e cineasta disponibiliza 34 curtas e médias metragens rodados entre os anos 1960 e 1980
– por Caio Paes | especial*.
Na década de 1960, em um Brasil efervescente, eram poucos os filmes centrados na condição popular do país. Havia uma lacuna de registros sobre a saga de trabalhadores rurais rumo aos grandes centros — e também sobre dureza e beleza da vida nas periferias.
Jovens então desconhecidos — como os irmãos Lauro e Eduardo Escorel, Vladimir Herzog, Geraldo Sarno e outros — juntaram-se para criar filmes como “Viramundo” (de Sarno, 1965), “Marimbás” (de Herzog, 1963) e muitos outros para refletir sobre esses temas; assim surgiu a Caravana Farkas.
O nome se deve ao fato de que todos eles foram produzidos, dirigidos ou fotografados por **Thomaz Farkas, húngaro que veio para São Paulo com a família, em 1930, aos 6 anos, e que se tornou conhecido principalmente por sua obra fotográfica (hoje no acervo do Instituto Moreira Salles). Agora, todos esses filmes encontram-se reunidos no Canal Thomaz Farkas, iniciativa do técnico de som Guilherme Farkas, seu neto.
— A grande motivação de oferecer todo o acervo em alta qualidade é fazer com que ele seja mais visível, e de modo intuitivo, tanto para pesquisa como para outras apropriações —, explica Guilherme, cujo avô morreu em 2011, em São Paulo.
Os 34 filmes, de curta e média metragens, estão disponíveis via streaming . Vão desde “Memória do cangaço” (o primeiro, de 1964, de Paulo Gil Soares) a “Hermeto campeão” (1981), do próprio Farkas. Além disso, há extras como fotografias de bastidores e documentos, como a tese de doutorado sobre o cinema documentário feita por Farkas, apresentada à USP em 1972.
LIMITES E INOVAÇÕES NO CINEMA NACIONAL
Para o pesquisador e professor de Cinema da UFF Rafael de Luna, a Caravana foi pioneira ao retratar um Brasil sob tensão entre a modernidade e as tradições populares.
— Essas obras foram realizadas em meio a um momento de renovação do cinema brasileiro — e do documentário, em particular —, em que cineastas se dedicaram a fazer um retrato crítico da sociedade nos filmes, voltando-se para a riqueza cultural do povo, ao mesmo tempo em que denunciavam o nosso enorme abismo social.
Nas décadas seguintes, houve revisões e debates quanto à abordagem nesses filmes. Em seu livro “Cineastas e imagens do povo” (1985), o crítico Jean-Claude Bernardet, por exemplo, apontou uma certa distância entre realizadores e sujeitos em cena.
Para De Luna, porém, há grande reconhecimento do ineditismo deste mergulho em culturas populares, pouco documentadas à época.
— Uma revisão mais recente, a partir de um maior distanciamento, tem sabido reconhecer suas limitações, fruto de uma conjuntura histórica, mas também suas qualidades e pioneirismo —, completa De Luna.
As tecnologias de captação da época também foram decisivas para a empreitada: com o uso de câmeras de 16mm e inovações na captação de som, as equipes puderam se aproximar dos acontecimentos e pessoas retratadas de modo inédito. Assim, foram feitos registros muito próximos de procissões no Sertão, tal como do futebol de várzea na periferia paulistana e também de ensaios de uma escola de samba antes do Carnaval carioca.
— Os filmes não se voltaram apenas para o interior, mas também para as grandes cidades e, sobretudo, como nelas conviviam atraso e progresso. Sem um olhar condescendente ou discriminatório, trouxeram temas, cenários e personagens para as telas brasileiras com interesse e intensidade inéditos até então — analisa De Luna.
Para o neto de Farkas, a iniciativa convoca o público para julgar a validade e importância dos registros, acima de tudo:
— Não se trata de apenas glorificar o trabalho, mas oferecer todo o material possível para que os interessados decidam: quais os feitos e limites dessas obras? Debruçar-se sobre registros populares é essencial para sabermos como produzir imagens pertinentes de um país em eterna construção.
CARAVANA FARKAS, O QUE ASSISTIR, POR CONSUELO LINS*
“Memória do cangaço” (1964/Paulo Gil Soares)
Entrevistas com ex-cangaceiros, viúvas de cangaceiros, e uma conversa com um elegante matador de cangaceiro Coronel Rufino, que narra com detalhes o modo como os cangaceiros eram mortos, entre os quais Corisco. Vemos ali imagens e falas que ressoam Deus e o Diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, de quem Paulo Gil Soares foi assistente de direção e co-roteirista. Pela primeira vez em um filme, as conhecidas imagens do bando de Lampião realizadas por Benjamin Abrahão em 1936.
O SITE
Canal Thomaz Farkas
Fonte: *O Globo
Biografia
**Thomaz Jorge Farkas nasceu em Budapeste, Hungria, no dia 17 de setembro de 1924. Aos 6 anos, imigrou com seus pais, Dézso (Desidério) Farkas e Teréz (Thereza) Hatschek, para São Paulo. Aos 8 anos, ganhou sua primeira máquina fotográfica.
Se formou Engenheiro pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Realizou doutorado na Escola de Comunicação e Artes da USP, mesma instituição onde também atuou como professor. Após o falecimento do pai, em 1960, assumiu a direção da Fotoptica, função que exerceu até 1987, quando a rede de lojas foi vendida.
Em 1968, foi preso pelo regime militar sob a acusação de colaborar com a guerrilha e ficou encarcerado uma semana no DOI-CODI.
Entre os anos de 1964 e 1981, foi produtor e co-produtor de aproximadamente 38 filmes documentários de curta e média-metragem, tendo dirigido 3 deles. A maior parte desses filmes, sobretudo os realizados entre 1964 e 1974 ficaram conhecidos como a “Caravana Farkas”. Porém Thomaz continuou produzindo até 1981, época de lançamento de “Hermeto Campeão”, documentário sobre a música de Hermeto Pascoal.
Thomaz é reconhecido pela sua produção fotográfica tendo realizado exposições nos mais importantes centros culturais e museus do Brasil e do exterior. Ao lado de fotógrafos como German Lorca, Geraldo de Barros, José Medeiros e Marcel Gautherot, Thomaz é um dos principais expoentes da fotografia moderna no Brasil.
Thomaz Farkas morreu no dia 26 de março de 2011, aos 86 anos.
fonte: Canal Thomaz Farkas.
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