SOCIEDADE

‘Ainda Estou Aqui’ por Marcelo Rubens Paiva

Marcelo Rubens Paiva encontra sua infância congelada em set de filme. ‘Ainda Estou Aqui’ foi feito para que famílias não sejam mais atropeladas por ódio e terror, como aconteceu com a minha
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Marcelo narra a sensação de rever sua mãe, Eunice, e reviver a infância ao visitar o set de filmagem do longa- metragem “Ainda Estou Aqui”, adaptação do seu livro sobre os desdobramentos na família do assassinato do seu pai, o deputado federal Rubens Paiva, pela ditadura militar.
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Eunice Paiva e seu marido, o deputado federal Rubens Paiva, em fotografia do período do seu mandato, entre 1963 e 1964 | foto: Arquivo pessoal

MARCELO RUBENS PAIVA – O DEPOIMENTO*
Na busca por uma locação para o filme “Ainda Estou Aqui”, conseguiram uma casa idêntica, rara, daquela arquitetura portuguesa comum no Rio de Janeiro do passado. Escalaram um elenco que se completava. Ao set de filmagem, eu tinha receio de ir, adiei, apesar de ser um set só de amigos.

Eu e minhas irmãs enviamos croquis da casa em que moramos de 1966 a 1971, fotos, nos lembramos de cores e móveis. Fui. Era como se eu entrasse num lar congelado no tempo: casa em que representou o cume e o abismo da minha família, como no mito de Sísifo.
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Lá estavam o Opel Kadett da minha mãe, Fernanda Torres, séria, densa diante da câmera, brincalhona atrás dela, com quem passei festas de Réveillon lendárias, fazendo minha mãe, e Daniela Thomas, colega de trabalho, amiga.
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No elenco, Selton Mello, amigo de Baixo Gávea, fez meu pai. Dan Stulbach, colega de arquibancada, Daniel Dantas e Thelmo Fernandes, que fizeram peças minhas, Maria Manoela, amiga de décadas, que já fez um filme meu junto com Marjorie Estiano. Tudo sob as asas e tutela da absoluta dona Fernanda (Fernanda Montenegro). Tinha uma família sendo retratada, e uma família de amigos comovida ao redor.

Ao entrar, gelei. Os mesmos móveis, cores, elementos. O mesmo cheiro. A inconfundível umidade entrava pelas frestas. Foram tão detalhistas que tinha uma conta de luz da Light de 1971 no nome da minha mãe. Na dispensa, os produtos que comprávamos no PegPag da rua Visconde de Pirajá, em Ipanema.
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A cena que filmavam: num almoço, Eunice Paiva, ciente de que mataram seu marido Rubens Paiva, anuncia aos filhos que se mudariam para São Paulo. O menino Marcelo, de 11 anos, era eu ali sentado. Minhas irmãs adolescentes Veroca, Eliana e Nalu se revoltaram com a mudança repentina.

Ali, meu mundo desabou, em 1971 e naquele dia, 50 anos depois. Revi minha mãe. Revivi. O cuidado com que Waltinho dirigia, falando no ouvido da Fernanda, a quantidade de perguntas que os atores mirins me faziam, especialmente Babiu e Marcelo, o orgulho com que técnicos me mostravam o cenário, provavam que estavam abduzidos pela história.
O pequeno Marcelo (Guilherme Silveira) foi pego lendo o roteiro. Não podia. A pequena Babiu (Cora Mora) me perguntava se eu era levado assim. O ator dizia que a coisa que mais gritavam nas cenas era: “Marcelo!”. Pelo roteiro, Babiu perdia um dente. No dia da filmagem, Cora perdeu um.
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Eu era moleque levado, sim. Agora, virei um senhor que chora à toa, orgulhoso, com a alma lavada e levada, que, quando assistiu ao filme, correu para abraçar os filhos.

O filme “Ainda Estou Aqui” começou a ser elaborado assim que o livro saiu. Ele já tinha um dono: Walter Salles Júnior, amigo de infância, cuja família viveu em paralelo à minha, tem a vivência, sensibilidade e delicadeza que a história pedia.
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Nossos pais foram exilados depois do golpe de 1964 para Paris, porque pertenciam ao governo Jango. Na volta, vivemos o ciclo de amizades dos cassados políticos no Rio de Janeiro.
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Waltinho frequentava nossa casa, um ponto de encontro frenético diante da praia do Leblon. Ele e minha irmã, Nalu, eram da mesma turma. Ele se lembra da noite em que meu pai nos levou no Opel ao Maracanãzinho, para assistirmos ao show do Simonal (“moro, num pa-tro-pi…”). Ele achava minha família feliz demais.

Acompanhou à distância a invasão da casa por militares e o desfecho: o pai da sua amiga desaparecido, com suspeita de ter sido morto sob tortura, a mãe, Eunice, presa 12 dias e depois viúva com cinco crianças. Viu a casa se esvaziar e virar um restaurante. Viu pessoalmente e, agora, atrás das lentes.
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Ele me enviou durante anos os tratamentos do roteiro.
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Relíamos, discutíamos, decidíamos. Já tive outras obras adaptadas. Tive livros e peças de teatro que viraram filmes e séries. Mas agora era diferente: a história da minha mãe, que estava ainda viva antes das filmagens, com Alzheimer, e recebeu a visita dele.
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É um filme sobre uma família atropelada pela insensatez das contradições políticas, da intolerância e violência. Como tantas famílias foram atropeladas pelo ódio e terror.
Aconteceu, continua acontecendo, não deveria mais acontecer.
Por isso, ele foi feito. Para isso.”
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* Depoimento de Marcelo Rubens Paiva – publicado originalmente na ilustríssima, FSP, 31/8/2024 [Escritor e dramaturgo. Autor, entre outros livros, de “Feliz ano velho”, “Malu de Bicicleta” e “Ainda Estou Aqui”].

Fernanda Montenegro em ‘Ainda Estou Aqui’ – filme de Walter Salles

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‘AINDA ESTOU AQUI’ – O LIVRO

Trinta e cinco anos depois de Feliz ano velho, Marcelo Rubens Paiva traça uma história dramática da luta de sua família pela verdade. Eunice Paiva é uma mulher de muitas vidas. Casada com o deputado Rubens Paiva, esteve ao seu lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Mãe de cinco filhos, passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi preso por agentes da ditadura, a seguir torturado e morto. Em meio à dor, ela se reinventou. Voltou a estudar, tornou-se advogada, defensora dos direitos indígenas. Nunca chorou na frente das câmeras. Ao falar de Eunice, e de sua última luta, desta vez contra o Alzheimer, Marcelo Rubens Paiva fala também da memória, da infância e do filho. E mergulha num momento obscuro da história recente brasileira para contar ― e tentar entender ― o que de fato ocorreu com Rubens Paiva, seu pai, naquele janeiro de 1971.

FICHA TÉCNICA / LIVRO
Título: AINDA ESTOU AQUI
Autor: Marcelo Rubens Paiva
Selo: Alfaguara / da editora Cia das Letras
Páginas: 296
Formato: 15.00 X 23.40 cm
Peso: 0.446 kg
Acabamento: Livro brochura
Lançamento: 4.8.2015
ISBN: 978-85-7962-416-2
Sinopse: Verão de 1971. Eunice Paiva, recentemente liberada de um período de prisão e interrogatório de doze dias no DOI-Codi, no Rio de Janeiro, passa uma curta temporada com amigos em Búzios. Segundo Antonio Callado, ela respirava aliviada; o próprio ministro da Justiça havia lhe garantido que seu marido, Rubens Beyrodt Paiva, “já tinha sido interrogado, passava bem e dentro de uns dois dias estaria de volta a sua casa”. Rubens Paiva, no entanto, capturado por homens da Aeronáutica em 20 janeiro de 1971, foi t0rturado, morto e seu corpo nunca mais foi encontrado. “A cara de Eunice”, escreve Callado, “continuou molhada e salgada durante muito tempo, tal como naquela manhã de Búzios. A água é que não era mais do mar.” Neste livro, Marcelo Rubens Paiva faz um retrato emocionante de Eunice, sua mãe, e pela primeira vez traça uma história dramática do que ocorreu — e do que pode ter ocorrido — com Rubens Paiva. “Meu pai, um dos homens mais simpáticos e risonhos que Callado conheceu, morria por decreto, graças à Lei dos Desaparecidos, vinte e cinco anos depois de ter morrido por tortura”, narra ele, neste livro magistral. Eunice “ergueu o atestado de óbito para a imprensa, como um troféu. Foi naquele momento que descobri: ali estava a verdadeira heroína da família; sobre ela que nós, escritores, deveríamos escrever”. [O livro que deu origem ao filme de Walter Salles].
Saiba mais: aqui.

Assista Marcelo Rubens Paiva apresenta o livro “Ainda estou aqui”
O escritor Marcelo Rubens Paiva fala sobre “Ainda estou aqui”, romance autobiográfico que retoma a temática familiar de “Feliz ano velho” três décadas após o lançamento do primeiro livro.

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‘AINDA ESTOU AQUI’ – O FILME

Sinopse: Ainda Estou Aqui se passa no Brasil, em 1970 e é uma adaptação do livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva sobre sua mãe, Eunice Paiva. Na trama, uma mulher casada com um importante político precisa mudar sua vida completamente depois que ele é exilado durante a ditadura. A dona de casa se vê obrigada a virar ativista de direitos humanos após o desaparecimento de seu marido.

FILME / FICHA TÉCNICA
Título original: Ainda Estou Aqui
Título em inglês: I’m Still Here
Diretor: Walter Salles
Elenco: Fernanda Torres, Selton Melo, Fernanda Montenegro, Antonio Saboia, Guilherme Silveira, Valentina Herszage, Maria Manoella, Marjorie Estiano, Luiza Kosovski, Gabriela Carneiro da Cunha, Barbara Luz, Cora Mora, Olívia Torres, Maeve Jinkings, Dan Stulbach, Humberto Carrão, Carla Ribas, Maitê Padilha, Caio Horowicz, Camila Márdila, Charles Fricks, Luana Nastas, Isadora Ruppert, Pri Helena, Daniel Dantas, Helena Albergaria, Thelmo Fernandes e Felipe Barreto
Roteiro: Murilo Hauser e Heitor Lorega
Baseado no livro “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva
Direção de fotografia: Adrian Teijido, ABC
Montagem: Affonso Gonçalves, ACE
Direção de arte: Carlos Conti
Figurino: Cláudia Kopke
Música: Warren Ellis (multi-instrumentalista australiano)
Som direto: Laura Zimmerman
Mixagem de som: Stéphane Thiébaut
Caracterização: Luigi Rocchetti
Maquiagem: Marisa Amenta
Efeitos especiais: Claudio Peralta
Preparação de elenco: Amanda Gabriel
Casting: Letícia Naveira
Produtora delegada: Lili Nogueira
Produtora associada: Daniela Thomas
Produtores executivos: Guilherme Terra, Thierry de Clermont-Tonnerre, Lourenço Sant’anna, Renata Brandão, Juliana Capelini, David Taghioff, Masha Magonova
Produtores: Maria Carlota Bruno, Rodrigo Teixeira, Martine de Clermont-Tonnerre
Produtoras: VideoFilmes, RT Features e MACT Films
Coprodutoras: ARTE France Cinéma, Conspiração, Globoplay
Ano: 2024
Duração: 135 minutos / Cor
Gênero: Drama biográfico
País: Brasil / França
Idioma: Português
Lançamento mundial: 2024
Estreia mundial: 1º de setembro de 2024, no 81º Festival de Veneza – Itália.
Estreia no Brasil: 7 de novembro de 2024
Prêmios: Festival de Veneza: Melhor Roteiro, Green Drop Award

Assista o trailer

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