O pianista, compositor e produtor musical Alberto Rosenblit acaba de lançar novo álbum ‘Passeando’ de inéditas. Rosenblit dedica o trabalho ao compositor e violonista Roberto Menescal. Acompanhado por um grupo de músicos, o pianista transita por vários gêneros musicais em temas autorais e citações a outros compositores.
“Passeando” – Alberto Rosenblit
– por Antônio Carlos Miguel*
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Passeando pelo novo disco de Alberto Rosenblit, volta e meia esbarramos em alguma sutil citação. Em “Arpoador”, faixa de abertura, é meio que de raspão o discreto e charmoso solo de guitarra de André Siqueira (a partir de 1’07”) fazendo leve reverência a “Samba da benção”. Talvez inconscientemente, um pedido da benção a Baden & Vinicius nessa ensolarada composição instrumental.
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Situações, pequenas surpresas que se espalham através dos dez originais temas reunidos pelo compositor, pianista, orquestrador e arranjador neste que é seu quarto álbum. Quarto se não contarmos as trilhas para a TV lançadas em disco, nem o de estreia, em 1980, que dividiu com Mario Adnet. Agora, em “Passeando“, Rosenblit flana por samba, choro, valsa, gafieira, bossa à la Donato ou Jobim e que remete a sabores, aromas, pessoas e paisagens sonoras naturalmente cariocas.
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Em alguns momentos, tais referências estão explicitadas nos títulos. Geograficamente, além da ponta de pedra que, em Ipanema, separa as Praia do Diabo e Praia do Arpoador, é o caso de “Estrada do Joá”, que traz outro tributo embutido, usando frase de “Samba de uma nota só” na saída. No desenrolar do tema, como que ilustrando as curvas da estrada no Morro da Joatinga entre São Conrado e Barra da Tijuca, destaque para os diálogos entre o sax tenor de Marcelo Martins e o órgão Hammond pilotado por Mú Carvalho (o produtor artístico e um dos arregimentadores e instrumentistas de “Passeando”).
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Trocando o Brasil pela Itália, “Valsa da Toscana” é o momento mais intimista, “apenas” (com todas as aspas) o piano de Rosenblit e o contrabaixo de Jorge Helder (que participa em nove das dez faixas do álbum). Nunca é demais frisar que, mesmo tendo vindo do outro lado do Atlântico, a valsa tem estado presente e entranhada desde que o choro é choro na música brasileira. Gênero muito presente na jornada de Rosenblit, nesse disco, o choro ainda comparece no evocativo “Um choro canção”.
Dois personagens também batizam músicas. “Losinha” é terna lembrança da saudosa Heloísa Tapajós, pesquisadora e produtora musical (e irmã de Mú Carvalho,), e tem a participação especial de um grande amigo da homenageada, Roberto Menescal (violão), a quem Alberto dedica o álbum ´Passeando´. Enquanto “Master Donato”, outra com o violão bossa-nova de Menescal, se inspira no estilo do acreano que trocou a Rio Branco natal pelo Rio de Janeiro no fim da infância, em 1946: o alô para João Donato dá as caras no bongô (Sidinho Moreira) e no piano (Alberto) de introdução ao tema, que depois voa além, incluindo intervenções do Minimoog de Mú (também no Fender Rhodes).
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“Passeando”, faixa que nomeia o álbum, é dedicada à filha, Nina Rosenblit, a artista responsável pelo projeto gráfico, cuja capa impressionista traz a silhueta do Morro Dois Irmãos (e sutil Pedra da Gávea) sobre fundo abstrato em tons pastéis. O tema central conduzido pelo piano de Rosenblit ganha comentários, caminhos que se cruzam, através do diálogo entre o quarteto de flautas (David Ganc, Marcelo Martins, Floor Polder e Andrea Ernest Dias) e o trio de metais (Sadoc e Diogo Gomes nos trompetes e Rafael Rocha no trombone). Na despedida da música há um aceno a Tom, com um trecho do irresistível refrão de “Águas de março”.
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Seguindo a jornada repertório a dentro, “Delicada” cumpre o que seu nome sugere: um completo naipe de cordas (arregimentado pelo spalla Bernardo Bessler) é cama para a melodia bela, adornada por solos de contrabaixo (Rômulo Gomes), piano (Rosenblit), Flugelhorn (Jessé Sadoc).
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Em seguida, a batida de samba (com Jurim Moreira na bateria e Sidinho na percussão) se faz mais presente em “Papo de botequim”, com sabor de gafieira reforçado pelo piano saltitante de Cristovão Bastos e as intervenções de flauta (Marcelo Martins) e do trio de metais (trompete de Sadoc, sax tenor de José Carlos Bigorna e trombone de Rafael Rocha).
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Fechando o disco, “Casca de banana” pode derrubar aqueles que tentam catalogar tudo. É samba que se desenvolve misturado a frevo, maracatu e baião e jobinices, num arranjo exuberante, a partir de abrangente paleta de metais, instrumentinos e cordas, mais o grupo de base e marimba (Pedro Moita). Detalhe para a bateria de Márcio Bahia (um especialista na diversidade rítmica brasileira) e os dois pianos, Alberto e filho, David, que já segue os passos do pai – ele fez parte do grupo Novíssimos, que, em 2015, lançou “Um”, um dos mais surpreendentes discos da MPB na década passada.
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Dois singles, “Master Donato” e, em seguida, “Arpoador”, abriram caminho no streaming para o lançamento do álbum completo. Belas introduções à grande música entregue em “Passeando”. Cercado de um admirável elenco de músicos (confiram na ficha técnica), a arte de Alberto Rosenblit toca mais alto. Sobrevive ao tempo, sempre inspirando.
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* Antônio Carlos Miguel (jornalista especializado em música há 40 anos, também é autor de livros sobre MPB, curador de projetos musicais e membro votante do Grammy Latino).
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DISCO ‘PASSEANDO’ • Alberto Rosenblit • CD • Chocolate Produções • 2023
— álbum é dedicado ao compositor Roberto Menescal —
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Músicas:
1. Arpoador (Alberto Rosenblit)
…citação: Samba da benção (Baden Powell & Vinícius de Moraes)
2. Um choro canção (Alberto Rosenblit)
3. Estrada do Joá (Alberto Rosenblit)
…citações: Aqui e agora (Gilberto Gil)
…………. Samba de uma nota só (Tom Jobim & Newton Mendonça)
4. Master Donato (Alberto Rosenblit)
5. Valsa da toscana (Alberto Rosenblit)
6. Passeando (Alberto Rosenblit)
…citação: Águas de março (Tom Jobim)
7. Delicada (Alberto Rosenblit)
8. Papo de botequim (Alberto Rosenblit)
9. Losinha (Alberto Rosenblit)
10. Casca de Banana (Alberto Rosenblit)
– ficha técnica –
Alberto Rosenblit (piano – fx. 1-10, exceto fx. 8) | Mu Carvalho (órgão hammond – fx. 3; piano rhodes – fx. 4, 7; minimoog – fx. 4, 9; acordeon – fx. 9) | Cristovão Bastos (piano – fx. 8) | David Rosenblit (piano – fx. 10) | André Siqueira (violão – fx. 1, 2, 6, 8; guitarra elétrica – fx. 1) | Roberto Menescal (violão – fx. 3, 4, 9) | Lula Galvão (violão – fx. 7) | Jorge Helder (contrabaixo – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9; contrabaixo elétrico – fx. 8, 10) | Rômulo Gomes (contrabaixo – fx. 7) | Sidinho Moreira (percussão – fx. 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10) | Ian Moreira (percussão – fx. 10) | Jurim Moreira (bateria – fx. 1, 3, 4, 6, 8, 9) | Marcio Bahia (bateria – fx. 2) | Felipe Larrosa Moura (bateria – fx. 7) | Andrea Ernest Dias (flauta G – fx. 1, 4, 6, 9, 10; flauta C – fx. 6) | Floor Polder (flauta C – fx. 4, 6) | David Ganc (flauta C – fx. 6, 9, 10; picolo – fx. 6, 10) | Marcelo Martins (sax alto – fx. 3; sax tenor – fx. 4, sax soprano – fx.10; flauta G – fx. 4; flauta C – fx. 6, 8, 9, 10) | Zé Carlos ´Bigorna´ (sax tenor – fx. 8) | Jessé Sadoc (flugelhorn – fx. 1, 4, 7; trompete – fx. 6, 8, 10) | Diogo Gomes (flugelhorn – fx. 1, 4; trompete – fx. 6, 10) | Rafael Rocha (trombone – fx. 1, 4, 6, 8, 9, 10) | Everson Moraes (trombone – fx. 1, 10) | Leandro Dantas (trombone baixo – fx. 10) | Dirceu Leite (clarinete – fx. 2) | Lucia Morelenbaum (clarinete – fx. 4) | Eduardo Morelenbaum (clarinete – fx. 4) | Cristiano Alves (clarinete – fx. 10) | Paulo Sergio Santos (clarinete – fx. 10) | Rodrigo Herculano (oboé – fx. 4, 9; corne inglês – fx. 9) | Ariane Petri (fagote – fx. 10) | Philip Doyle (trompa – fx. 10) | Chico Trompa (trompa – fx. 10) | Pedro Moita (miramba – fx. 10) | Cordas – (fx. 1, 2, 3, 4, 6, 7, 9, 10) / Violinos: Bernardo Bessler (spalla), Antonella Pareschi, Ana Catto, Mariana Salles, Luísa de Castro, Fernanda Donato, Renata Athayde, Fernando Matta Rudá Issa, Andréa Moniz, Daniel Albuquerque, Pedro Miribelli / Violas: Christine Springuel, Ivan Zandonade, Dhyan Toffolo, José Ricardo Taboada / Cellos: Marcus Ribeiro, Hugo Pilger, Jaques Morelenbaum, Janaina Salles || Produção artística: Mu Carvalho | Produtor fonográfico: Chocolate Produções Ltda. – ME | Orquestrações e arranjos: Alberto Rosenblit | Regências de cordas: Eduardo Morelenbaum | Arregimentação: Mu Carvalho e Bernardo Bessler (cordas) | Gravado por Alexandre Veiga (Estúdio Boogie Woogie), Leo Alcântara (Visom Digital), Iuri Cunha e Matheus Cunha (Compact Studio) | Mixado por Marcelo Saboia (Estúdio Escritório do Saboia) | Masterizado por André Dias (Post Modern Mastering) | Capa e projeto gráfico: Nina Rosenblit | Produção executiva: Alberto Rosenblit | Agradecimentos: Mu Carvalho, Iuri Cunha, Matheus Cunha, Eduardo Morelenbaum, Bernardo Bessler, David Rosenblit, Nina Rosenblit, Cristiano Alves e a todos os músicos que participam deste trabalho.
Selo: Chocolate Produções
Distribuição: ORB Music
Ano: 2023
Formato: CD digital
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POR ONDE TEM ANDADO ALBERTO ROSENBLIT
Quase anonimamente, o compositor, pianista, orquestrador e arranjador Alberto Rosenblit foi ouvido pelo Brasil inteiro nas últimas quatro décadas como um dos principais “trilheiros” da Rede Globo. É dele, por exemplo, o tema de abertura do “Programa do Jô”, que a Globo manteve no ar entre abril de 2000 e dezembro de 2016. Entre as novelas e séries que fez a música estão sucessos como “JK” (minissérie exibida entre janeiro e março de 2006), “A favorita” (2008/09, com a trilha da música incidental lançada em CD), “Por amor” (1997/98), “Torre de Babel” (1998/99), “Presença de Anita” (2001), “Mulheres apaixonadas” (2003), “Tapas & beijos” (2011) e “Mad Maria” (2005, também lançada em CD pela Som Livre).
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A música sempre esteve presente na vida de Alberto, que começou a estudar piano aos 6 anos. Em sua formação, foi aluno de, entre outros, Wilma Graça, Ian Guest, Odette Ernest Dias e Esther Scliar. Na década de 1970, participou do grupo Semente, que tinha entre seus integrantes Claudio Nucci, Márcio Resende, Paulinho Soledade e Mario Adnet. Com este último, lançou em 1980 o álbum independente “Alberto Rosenblit & Mario Adnet”. Durante os anos 1980, também trabalhou com artistas como Nara Leão, Francis Hime, Simone e Zé Renato.
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Além das muitas trilhas sonoras, lançou três álbuns solo, “Trilhas brasileiras” (2001, Biscoito Fino), “De bem com a vida” (2009, selo Dabliu) e “Mata Atlântica” (2013, Som Livre). (A.C.M.). Instagram @albertorosenblit
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Série: Discografia da Música Brasileira / Música instrumental.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske