quinta-feira, novembro 21, 2024

Álbum ‘Dois Destinos – Marco Pereira toca Dilermando Reis’

Para gravar o álbum “Dois Destinos”, Marco Pereira convidou alguns craques da música instrumental brasileira: parceiros e amigos com os quais já toca há bastante tempo.

DOIS DESTINOS – Marco Pereira toca Dilermando Reis
por Carlos Calado
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No ano em que se ‘comemorou’ o centenário de nascimento de Dilermando Reis (1916-1977), esse expoente do violão brasileiro ‘recebeu’ uma homenagem capaz de despertar um novo interesse por sua obra. Com a técnica primorosa e a eclética bagagem musical que o credenciam como um dos maiores violonistas brasileiros, Marco Pereira interpreta composições desse mestre do violão, em arranjos com sabor mais atual, no álbum “Dois Destinos” – lançamento com o selo de qualidade da gravadora Borandá.
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“Pensei em manter a brejeirice, a simplicidade da música do Dilermando, mas imaginando como ele trataria esse repertório se tivesse hoje uns 30 ou 40 anos de idade”, explica o violonista e arranjador paulista, que admite ter uma relação afetiva com a obra desse mestre das cordas. “Quando comecei a tocar violão, as primeiras músicas que eu aprendi a solar eram choros e valsas do Dilermando. Cheguei a ter um repertório grande de composições dele”, relembra.
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Só o fato de ter sido um dos raros instrumentistas que se apresentavam com freqüência em programas de TV, durante os anos 1950, já demonstra a popularidade de Dilermando Reis – músico que desenvolveu uma carreira de sucesso a partir da década de 1940, gravando discos e tocando em emissoras de rádio. Muita gente ainda pensa que a valsa “Abismo de Rosas” (de Américo “Canhoto” Jacomino) ou o maxixe “Sons de Carrilhões” (de João Pernambuco) – hoje clássicos da música instrumental brasileira, que Dilermando transformou em grandes sucessos naquela época – seriam de sua autoria.
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“Ele era um músico espontâneo, com muita naturalidade para tratar a matéria musical, que ia ao encontro do gosto popular da época com seus choros e valsas”, analisa Pereira, que chama atenção para um aspecto técnico ao tentar explicar porque o interesse das plateias pelo violão de Dilermando teria diminuído a partir da década de 1960 – justamente quando esse instrumento passou a ocupar um lugar de grande destaque na cena musical brasileira.

“Com o advento da bossa nova, veio também a moda do violão com cordas de nylon. Quem tocava violão com cordas de aço, como o Dilermando, passou a ser visto como ultrapassado”, observa Pereira, dizendo-se surpreso por não saber da existência de outros tributos musicais vinculados ao centenário de Dilermando. “O último violonista que eu me lembro de ter feito uma homenagem a ele foi o Raphael Rabello. E isso se deu há mais de 20 anos”.
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Violonista comenta as gravações
Para gravar o álbum “Dois Destinos”, Marco Pereira convidou alguns craques da música instrumental brasileira: parceiros e amigos com os quais já toca há bastante tempo, como o acordeonista Toninho Ferragutti, o flautista Toninho Carrasqueira, os baixistas Neymar Dias e Guto Wirtti, o baterista Sergio Reze e o percussionista Amoy Ribas, além dos clarinetistas Luca Raele e Diogo Maia.
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“Decidi escrever arranjos para evidenciar o aspecto mais camerístico que existe na obra do Dilermando”, explica o violonista, que trabalhou nesse projeto com diversas formações instrumentais: de um inusitado duo de violão e clarone (na valsa “Dois Destinos”) a um septeto (no choro “Caxinguelê”). Só mesmo as valsas “Se Ela Perguntar” e “Flor de Aguapé” aparecem em formato de violão solo.
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A releitura de “Se Ela Perguntar”, primeira faixa do álbum, já demonstra o cuidado de Pereira ao tratar as composições de Dilermando. Nesse arranjo, além de alterar a tonalidade original (mi menor) para ré menor, utilizou um truque na afinação do violão que amplia a sonoridade do instrumento.
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“Assim as notas e os acordes se prolongam mais”, explica o violonista, que também fez pequenas mudanças na harmonia para ressaltar o tom melancólico dessa valsa. “Existe uma certa simplicidade na música do Dilermando, que favorece releituras. Isso dá a você muitas opções. Se fizer com critério, sem invencionices, vai ficar bom”.
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O batuque “Xodó da Bahiana” ganhou uma versão bem-humorada. O fato de Dilermando ter praticamente decalcado o maxixe “Corta-Jaca”, de Chiquinha Gonzaga, incentivou Pereira a brincar com outras melodias nessa releitura. “Dilermando gostava de fazer empréstimos de outros compositores”, comenta o violonista, que bem ao estilo dos jazzistas se diverte citando em seus improvisos trechos de “Night in Tunisia” (clássico do trompetista norte-americano Dizzy Gillespie) e “Segure o Tchan” (sucesso do grupo baiano Gera Samba).
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“A brincadeira já começa na introdução”, aponta o violonista, ressaltando que utilizou nessa gravação a percussiva técnica do slap (ou “slapping”, que consiste em golpear as cordas do instrumento com a lateral do dedo polegar), mais comum entre instrumentistas que tocam baixo elétrico.
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Falando em maxixe, o choro “Gente Boa” aparece em arranjo para trio (com violão, baixolão e percussão), num ritmo bem amaxixado. “Tive que me basear na partitura porque eu não conhecia uma gravação do Dilermando. Acho que essa música ficou quase minimalista, bem gostosa assim”, avalia Pereira, que nas releituras de outros choros, como “Caxinguelê”, “Tempo de Criança” ou “Feitico”, acabou se aproximando do ritmo do samba.

Um dos choros mais populares de Dilermando, “Magoado” ressurge em moderno arranjo de Pereira, com um tratamento rítmico e passagens improvisadas que remetem à linguagem do jazz. “Nos arranjos, sempre procurei manter a exposição dos temas, sem afetações, mas não teria sentido hoje em dia tocar um chorinho como ele foi pensado originalmente”, justifica.
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Outro exemplo marcante de como Pereira soube atualizar as composições de Dilermando sem desvirtua-las está no saboroso arranjo de “Dr. Sabe-Tudo”. “Esse é um choro que já foi muito tocado. Tive a ideia de passar por cinco tonalidades diferentes, o que dá a graça desse arranjo. Como achei que ficaria interessante com acordeão, pensei logo em chamar meu parceiro Toninho Ferragutti, um verdadeiro virtuose desse instrumento”, relembra o violonista.
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“Defendo há muito tempo a tese de que temos uma grande escola de violão no Brasil. Até hoje você tem violonistas da nova geração fazendo coisas incríveis por aí”, comenta Pereira. “É importante que a gente ressalte o valor de figuras musicais como o Dilermando ou o Garoto, que fizeram parte dessa história”.
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Mais que uma homenagem a um mestre do violão já não tão lembrado hoje, o álbum “Dois Destinos” demonstra que, além do grande instrumentista que conhecemos, Marco Pereira é um músico completo. Graças às suas elegantes releituras, novas gerações de ouvintes vão poder descobrir mais facilmente os encantos da obra de Dilermando Reis.
>> Carlos Calado é jornalista, editor e crítico musical.

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Capa do álbum ‘Dois Destinos – Marco Pereira toca Dilermando Reis’ • Marco Pereira • Selo Borandá • 2016 | Foto: ©Tarita de Souza | Projeto gráfico: Otávio Bretas

DISCO ‘DOIS DESTINOS – MARCO PEREIRA TOCA DILERMANDO REIS’ • Marco Pereira • Selo Borandá • 2016
Músicas / compositor
1. Se ela perguntar (Dilermando Reis)
2. Xodó da bahiana (Dilermando Reis)
3. Gente boa (Dilermando Reis)
4. Caxinguelê (Dilermando Reis)
5. Flor de aguapé (Dilermando Reis)
6. Tempo de criança (Dilermando Reis)
7. Feitiço (Dilermando Reis)
8. Vê se te agrada (Dilermando Reis)
9. Dr. Sabe Tudo (Dilermando Reis)
10. Magoado (Dilermando Reis)
11. Noite de lua (Dilermando Reis)
12. Dois destinos (Dilermando Reis)
– ficha técnica –
Marco Pereira (violão – fx. 1-12) | Guto Wirtti (baixolão – fx. 2, 3, 7, 8, 11) | Neymar Dias (contrabaixo – fx. 4, 6, 9, 10) | Diogo Maia (clarone – fx. 2, 12) | Luca Raele (clarinete – fx. 2, 4) | Toninho Carrasqueira (flauta – fx. 4, 8) | Toninho Ferragutti (acordeon – fx. 4, 9) | Sérgio Reze (bateria – fx. 4, 6, 9, 10) | Amoy Ribas (percussão – fx. 2, 3, 4, 7, 8, 11) || Direção musical e arranjos: Marco Pereira | Produção: Swami Jr. || Gravação de base Engenheiro de gravação: Carlos “Cacá” Lima / estúdio YB Music / Assistentes de estúdio: João Gabriel Rizk e Verônica Oliveira || Gravação de violões – Engenheiro de gravação: Ricardo Marui / Estúdio Cantareira || Mixagem: Luiz Ribeiro / Estúdio Casa Aberta | Masterização: Homero Lotito / Reference Mastering | Criação de projeto: Marco Pereira e Gisella Gonçalves | Produção executiva: Lígia Fernandes | Fotos: Tarita de Souza | Projeto gráfico: Otávio Bretas | Selo: Borandá | Formato: CD | Ano: 2016 | Lançamento: Julho | ♪Ouça o álbum: Spotify | Deezer | Apple Music | Youtube Borandá.

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Sobre o álbum / e Marco Pereira
BOZZO JUNIOR, Carlos. Sem Noção – “Dois Destinos”, por Chrystian Dozza. In: Folha de S. Paulo, Ilustrada, 1.9.2016. Disponível no link. (acessado em 7.6.2023).
THOMAZ, Rafael. A linguagem musical e violonística de Marco Pereira: uma simbiose criativa de diferentes vertentes. (Dissertação Mestrado em Música). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP, 2014. Disponível no link. (acessado em 7.6.2023.
THOMAZ, Rafael. O caráter improvisatório na obra de Marco Pereira: o chorus e a cadenza. In: XXIV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – São Paulo, 2014. Disponível no link. (acessado em 7.6.2023).
VAZ, Carlos Giovanny Domingos. Arranjos para violão solo de Marco Pereira – Análise de procedimentos. (Dissertação Mestrado em Música). Universidade Federal de Uberlândia, UFU, 2017. Disponível no link. (acessado em 7.6.2023).

LEIA TAMBÉM
:: ‘Comum de Dois, álbum de Marco Pereira e Toninho Ferragutti
:: ‘Cristal’ – álbum e songbook de Marco Pereira
:: ‘Xodós’, álbum de Paulo Bellinati e Marco Pereira
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Livros / Songbooks de Marco Pereira
PEREIRA, Marco. Rogério Caetano – Sete Cordas – técnica e estilo. Rio de Janeiro: Garbolights Produções Artísticas, 2023.
PEREIRA, Marco. Cadernos de Harmonia (para violão). Rio de Janeiro: Garbolights Produções Artísticas Ltda., 2011.
PEREIRA, Marco. Cristal. Rio de Janeiro: Garbolights Produções Artísticas Ltda., 2010.
PEREIRA, Marco. Ritmos Brasileiros. Rio de Janeiro: Garbolights Produções Artísticas Ltda., 2007.
PEREIRA, Marco. Valsas Brasileiras. Rio de Janeiro: Garbolights Produções Artísticas Ltda., 1999.
PEREIRA, Marco. Heitor Villa-Lobos, sua obra para violão. Brasília: Editora Musimed. 1984.
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>> Marco Pereira na redeSite oficial | Instagram | Facebook | Youtube | Spotify | Deezer | Songbook de Marco Pereira. *Compre em Freenote / Musimed.
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> Imagem (capa da matéria): Marco Pereira – foto ©Tarita de Souza.
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Série: Discografia da Música Brasileira / Música Instrumental.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske


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