EDUCAÇÃO

Aluna bolsista da PUC-SP emociona web com discurso de formatura: ‘Resistência’

O discurso de formatura de uma bolsista da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) está emocionando as redes sociais. Ao falar em nome de todos os bolsistas do curso que estavam colando grau, a formanda Michele Alves, de 23 anos, que é filha de empregada doméstica, fez duras críticas ao ambiente universitário, ressaltando os desafios diários que ela e seus colegas enfrentaram, como frases preconceituosas ditas por alunos e professores no campus.

A cerimônia de formatura aconteceu na última quinta-feira. Dedicando seu discurso às famílias que “a muito custo mantiveram seus filhos na universidade e aos estudantes que perderam pelo menos três horas diárias em transportes públicos”, Michele citou a “realidade cruel que nos foi apresentada no momento em que cruzamos os portões da Bartira e da Monte Alegre”, referindo-se à localização da PUC-SP.

– Resistimos às piadas sobre pobres, às críticas sobre as esmolas que o governo nos dava, aos discursos reacionários da elite e a sua falaciosa meritocracia. Resistimos à falta de inglês fluente, de roupa social e linguajar rebuscado que o ambiente acadêmico nos exigia – disse a nova advogada ao microfone. – Resistimos à falta de apoio financeiro e educacional da Fundação São Paulo, aos discursos da vitimização das minorias e à suposta autonomia do indivíduo na construção do seu próprio futuro. Resistimos também aos insultos feitos a nossa classe, aos desabafos dos colegas sobre empregadas domésticas e porteiros. Mal sabiam que esses profissionais eram na verdade nossos pais.

O discurso

“Caros colegas, pais, professores, convidados, boa noite. Depois desse discurso animado, eu vim com um discurso rápido para o mesmo e um discurso que fala um pouco da nossa realidade aqui na PUC. Nessa noite tão especial, na qual relembramos nossa trajetória na Pontifícia, gostaria de falar sobre resistência, palavra tão usada por nós ao longo desses cinco anos. Todavia, não quero aqui abranger toda e qualquer resistência. Quero falar de uma em específico, da resistência que uma parcela dos formandos — que, infelizmente, são minoria neste evento — enfrentaram durante sua trajetória acadêmica.

Me dedico à resistência daqueles que cresceram sem privilégios, sem conforto e sem garantia de um futuro promissor, daqueles que foram silenciados na universidade quando pediram voz e que carregaram, desde cedo, o fardo do não pertencimento às classes dominantes.

Me dedico à resistência das famílias que a muito custo mantiveram seus filhos na universidade, à resistência dos estudantes que perderam, no mínimo, três horas diárias em transportes públicos. Hoje, trago a história de jovens sonhadores que há cinco anos atrás iniciaram uma história de resistência nessa universidade. Trago a história de resistência da periferia, dos pretos, dos descendentes de nordestinos e dos estudantes de escola pública.

Nós, formandos bolsistas resistimos à PUC São Paulo, aos sonhos que nos foram roubados e à realidade cruel que nos foi apresentada no momento em que cruzamos os portões da Bartira e da Monte Alegre. Nós resistimos às piadas sobre pobres, às críticas sobre as esmolas que o governo nos dava, aos discursos reacionários da elite e a sua falaciosa meritocracia. Resistimos à falta de inglês fluente, de roupa social e linguajar rebuscado que o ambiente acadêmico nos exigia.

Resistimos também à falta de apoio financeiro e educacional da Fundação São Paulo, aos discursos da vitimização das minorias e à suposta autonomia do indivíduo na construção do seu próprio futuro. Resistimos também aos insultos feitos a nossa classe, aos desabafos dos colegas sobre suas empregadas domésticas e seus porteiros. Mal sabiam que esses profissionais eram na verdade nossos pais.

No mais, resistimos aos professores que não compreenderam nossa realidade e limitações e faziam comentários do tipo: por favor, não estudem Direito Civil por sinopse, porque até a filha da minha empregada que faz Direito na ‘Uniesquina’ estuda Direito por sinopse. Essa frase foi dita por uma professora de Direito Civil no meu terceiro dia de aula. Após escutá-la, meu coração ficou em pedaços, pois naquele dia soube que a faculdade de Direito da PUC São Paulo não era para mim.

Liguei para minha mãe, empregada doméstica, chorando, e disse que iria desistir. Entretanto, após alguns minutos de choro compartilhado, ela me fez enxergar o quanto eu precisava resistir àquela situação e mostrar à PUC e a mim mesma o quanto eu era capaz de obter este diploma.

Essa história não é apenas minha, mas de todos os bolsistas formandos da PUC São Paulo. Somos os filhos e filhas do gari, da faxineira, do pedreiro, do motorista e da mãe solteira. Por isso, a eles, nossos maiores inspiradores, dedicamos nossa história de resistência nessa universidade. Que nossa história inspire outros jovens pobres a resistirem.

Avante, companheiros. Avante, pois nossa luta está apenas começando. Por fim, como nunca é tarde para dizer, ‘Fora Temer’. Muito obrigada.”

Leia mais:
Quem é a aluna bolsista cujo discurso de formatura viralizou na rede

Revista Prosa Verso e Arte

Música - Literatura - Artes - Agenda cultural - Livros - Colunistas - Sociedade - Educação - Entrevistas

Recent Posts

Daniela Aragão entrevista a cantora Áurea Martins

Áurea Martins - iniciou sua carreira na Rádio Nacional. Gravou seu primeiro disco como prêmio…

1 hora ago

Grupo Nós do Morro comemora 38 anos com eventos gratuitos para todas as idades no Vidigal

“Festival 38 em Nós” terá show a céu aberto no dia 22, quarta-feira, e mostra…

2 horas ago

Grupo Corpo completa 50 anos em 2025 e anuncia novo balé

Chegando em 2025 aos 50 anos de sua fundação, o Grupo Corpo celebra a trajetória…

3 horas ago

Carnaval | Ensaios do Bloco da Orquestra Voadora

Os ensaios abertos do Bloco da Orquestra Voadora já viraram referência na programação cultural do…

4 horas ago

Canções de Frank Sinatra e o cantor e compositor Celso Fonseca são atrações do Soberano

Esse final de semana será de grandes apresentações no Soberano Jazz Club, com destaque para…

4 horas ago

Marcus Moreno apresenta ‘Danças de Presente’ na Casa das Rosas

Danças de Presente, três improvisações breves de Marcus Moreno, dedicadas a Mariana Muniz, Alex Ratton…

4 horas ago