Disco “Dança dos Orixás” do compositor e pianista paulista André Balboni. O artista traz para os nossos ouvidos um minucioso trabalho de pesquisa que propõe um encontro das religiões de matriz africanas com o jazz
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O compositor e pianista André Balboni mergulhou na tradição afro-brasileira para desenvolver seu mais recente álbum “Dança dos Orixás”, um minucioso trabalho de pesquisa que propõe um encontro das religiões de matriz africana com o jazz. Mas é o jazz de Moacir Santos que aqui prevalece, moldando o trabalho com contornos brasileiros de fato. Ao longo das oito faixas, o ouvinte vai se deparar com belos temas, desenvolvidos em composições modais e uma banda estelar. O disco, chegou às plataformas digitais em 21 de março, abraça Exu (na inspirada “Encruzilhada”), evoca a sensualidade da Pomba-Gira (em “Moça branca sai da garrafa”), afaga Iemanjá Ogunté (em “Cinza de rosas”) e até traz de volta a “Igrejinha”, de Hermeto Pascoal.
Assim, o álbum foi escrito e produzido para uma banda de jazz: bateria, contrabaixo, piano, saxofone, trompete e percussão. E visa trazer à luz do som a importância da tradição da música brasileira que vai desde a música de terreiro do candomblé, aos afro-sambas e ao jazz brasileiro. As composições de André Balboni, reúnem de alguma forma essas facetas estéticas das tradições musicais para homenagear a tradição da música preta brasileira. A ideia é extrair dessa profusão de ritmos e harmonias uma música que seja, antes de mais nada, dançante para incorporar a vitalidade e o axé dos orixás, como o próprio nome do trabalho anuncia.
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Além da exímia banda, com os melhores músicos de jazz de São Paulo, que conta com a participação especial da premiada saxofonista Sintia Piccin, o disco foi gravado ao vivo no estúdio do compositor. O álbum também conta com a mentoria do babalorixá Pai Sidnei, da Casa de Xangô (CCRIAS), que apadrinhou o projeto desde sua concepção para que o trabalho reverencie e respeite a tradição do candomblé, ao mesmo tempo, para que leve o impulso espiritual-estético dos orixás para as pessoas para além dos terreiros. Justamente porque o trabalho, de André Balboni, é um “louvor aos orixás”, uma homenagem e uma oração para as entidades, mas não se inscreve dentro do contexto religioso, não é música de terreiro de candomblé. As composições de André refletem uma tradução possível do enredo, das narrativas, dos orixás para uma estrutura musical conhecida do grande público: com uma banda de jazz.

Sobre o Disco
O compositor pensou a concepção estética deste trabalho, a partir dos passos das danças de um determinado orixá, justamente porque o orixá se revela, ao incorporado e ao povo do terreiro, através de sua coreografia, através do toque dos instrumentos de percussão. Esses toques chamam as entidades que dançam, isto é, os orixás aparecem através de uma linguagem (não-verbal) e intuitiva com o seu cortejo dançado. De modo que, o compositor pensou que os instrumentos musicais, por se tratar de um disco de música instrumental que não tem canto da voz humana, são manifestações sonoras, como cantos dos orixás. Os orixás estão presentificados na magia do ritmo, da melodia e da harmonia de cada música.
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Na primeira composição, Encruzilhada: Dança de Exu, por exemplo, André criou um ambiente para um improviso polirítmico e polifônico da banda, onde cada instrumentista escolheu uma escala modal para desenhar uma melodia “como se fosse um caminho”, e assim a soma dessas melodias representam os vários caminhos do deus Exu. A ideia geral é dar um tom de abertura, de que algo pode acontecer, e que a encruzilhada é um lugar que precisa de engajamento, ela é lugar de escolha de rumos. Abertura de caminhos. E neste caso, trata-se de saber se a pessoa vai enveredar nos próximos passos do caminho que o trabalho apresenta.
Na segunda composição, Dança de Logun Edé, este orixá que é conhecido por ser “o mais belo de todos” e simbolizado pela ave do pavão, está presente em sua batida no tradicional ijexá, que também é batida de sua mãe, Oxum. No aspecto melódico, há alguma influência dos afrosambas, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, que delineia toda a beleza e potência deste orixá através de um canto que pode ser entoado ao alto. No campo da harmonia, temos uma composição modal, que está na tonalidade de ré menor, mudando apenas para um acompanhamento harmônico de baixo contínuo, no refrão e no solo de percussão. Aqui, o compositor inova ao trazer o frescor da música modal para a estética do jazz brasileiro. Essa dança se dá em forma de cortejo para Logun Edé que aparece em todo o seu esplendor.
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E assim, cada composição tem o seu orixá que lhe é próprio, seja no ritmo, na melodia ou na harmonia. Em cada música, eles se apresentam e se escondem, se mostram e nos provocam com a sua dança. André Balboni segue a tradição de Dorival Caymmi, dos afrosambas, de Vinicius de Moraes e Baden Powel, e de Moacir Santos, que busca trazer à luz os temas e as questões mais fundamentais da música dos orixás.

Dança dos Orixás: Música, (en)cantamento e melodia existencial
(texto do babalorixá Pai Sidnei)
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Estamos diante de uma palavra (en-)cantada, um som que movimenta, que agita o corpo e a mente. Em Yorùbá, dizemos Ará e Orí (corpo e cabeça), mas é o coração – Òkàn, que coloca a cabeça que sente, que pensa, que elabora para dançar.
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Em tempos de rigidez, dureza e ódio, precisamos fluir, os Orixás dançam. Eles nos ensinam que é na melodia existencial que nos encontramos para amar, para existir sem medo. A Dança dos Orixás não é apenas música — é vida, é alegria, é ar, fogo, terra e água traduzidos pelos sons que se encontram no centro da encruzilhada e geram uma espiral de múltiplos sentidos. É um chamado para a liberdade do corpo e do espírito, para a conexão com o que nos faz humanos e ancestrais ao mesmo tempo.
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Cada faixa deste álbum é um movimento, um rito, um convite ao encontro com aquilo que pulsa em nós. Os ritmos se entrelaçam como as raízes de uma grande árvore sagrada, onde os tempos se confundem e os elementos se abraçam. A Dança dos Orixás acredita na aglutinação. Aqui, não há separações entre os sons, os gêneros, os ritmos. Aqui o ‘ou” não é o regemnte. Aqui quem conduz a melodia é o “e”. O e não divide — ele soma, constrói, expande. Os instrumentos dialogam como velhos conhecidos, as melodias se encontram sem medo, sem pesos, sem medidas.
Na Encruzilhada, Exu abre os caminhos com sua dança inquieta. Ele é verbo, sopro, tambor e surpresa. Traz consigo a travessia, a escolha, o riso e o enigma. E porque Exu abre e nunca fecha, Logun Edé vem logo depois, fluindo entre margens, caçando sentidos, deslizando entre a leveza e a firmeza. A melodia de Logun é dualidade, um vaivém que nos ensina a navegar entre mundos.
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O Canto do Jacu Preto ressoa nas matas, carregando o mistério das Iyami, as grandes mães que sobrevoam a existência com asas de encantamento. Sua dança é força e segredo, um chamado profundo ao que há de mais ancestral. E então, Cinza de Rosas nos mergulha no mar de Yemanjá Ogunté, senhora das águas destemidas, arrojadas, das ondas que quebram e retornam, da memória e do renascimento. Como Yemanjá, a melodia nos nutre.
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No cruzamento entre o sagrado e o profano, Moça Branca Sai da Garrafa traz a dança de Pomba Gira — redemoinho de desejo e liberdade, uma força que gira, envolve e transborda. Deixe a gira girar. Um grito de liberdade ecoa da canção que nos leva a força transgressora da Pombagira.
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Logo em seguida, Porta do Mundo se abre para Exu-Ogun, o movimento da força e da estrada, onde a lâmina da batalha encontra o pulso da criação.
E porque o sagrado também tem a brancura da paz, Igrejinha chega para Oxalá, na releitura encantada de Hermeto Pascoal e André Balboni. Uma dança que acalma, que envolve, que nos lembra da suavidade do caminhar. Mas todo ciclo precisa de fogo para se transformar, e assim Rapsódia Brasileira veste Xangô Airá com relâmpagos e trovões, com madeira que arde e se reinventa, com acordes que ecoam como sentenças justas.
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Neste álbum, voltamos para sentir. Voltamos a sentir. Os sentidos primevos são acionados pelo (re-)encontro melódico ancestral. Aqui, cada nota é uma oferenda, cada batida um chamado ao movimento, à conexão com a própria essência. A Dança dos Orixás é mais do que música — é um cruzo de linguagens, espaços e tempos, um portal de encantamento e encantação. Uma ponte entre o que fomos, o que somos e o que podemos ser.
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Deixe-se atravessar. Permita-se dançar. Esta é a Dança dos Orixás.

Disco ‘Dança dos Orixás’ • André Balboni • Selo Ser-Tao Estudio • 2025
Músicas / compositores
1. Encruzilhada: Dança de Exu (André Balboni)
2. Dança de Logun Edé (André Balboni)
3. Canto do Jacu Preto: Dança das Iyami (André Balboni e Ricardo Santo)
4. Cinza de Rosas: Dança de Iemanjá Ogunté (André Balboni)
5. Moça branca sai da garrafa: Dança da Pomba-Gira (André Balboni)
6. Na porta do mundo: Dança de Exu-Ogum (André Balboni)
7. Igrejinha: Dança de Oxalá (Hermeto Pascoal / arranjos André Balboni)
8. Rapsódia Brasileira: Dança de Xangô Airá (André Balboni)
– ficha técnica –
Piano e guitarra: André Balboni | Bateria: Bruno Iasi | Contrabaixo: Nando Vicencio | Saxofones: Sintia Piccin (participação especial) | Trompete e sopros: Richard Fermino | Percussão: Julio Dreads | Efeitos sonoros: Paulo Bira || Produção musical: André Balboni | Engenheiro de áudio: Raul Bianchi | Masterização: Felipe Tichauer | Produção executiva: Sofia Tsirakis e Stella Balboni | Pesquisa e texto: babalorixá Pai Sidnei (Sidnei Barreto Nogueira) | Arte, fotos e vídeo: Stella Balboni | Marketing digital: Stella Balboni | Assessoria de imprensa: Mais e Melhores / Alexandre Aquino e Paulo Almeida | Selo: Ser-Tao Estudio | Distribuição digital: Tratore | Formato: CD digital | Ano: 2025 | Lançamento: 21 de março | ♪Ouça o álbum: clique aqui.
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Sobre o compositor
André Balboni é um músico e compositor brasileiro que vive atualmente em São Paulo. Os seus trabalhos combinam jazz e música clássica com influências que vão desde Villa-Lobos a Tom Jobim. Trabalha como professor, produtor musical e compositor de trilhas para filmes, documentários e espetáculos de dança. Criou e produziu a música original de diversos filmes para produtoras como a O2 Filmes, canais de TV (GNT/Globo) e importantes diretores de cinema, como Fernando Meirelles. André gravou e produziu três álbuns com suas composições e arranjos: Ser-Tao (2019) inspirado no Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa, Satie For Lovers (2021) em homenagem ao compositor francês Erik Satie, e Cais (2024), álbum com composições próprias e de Dorival Caymmi e Milton Nascimento. André Balboni também é estudioso da interface entre música e filosofia, e publicou o livro Sopro das Musas – Fundamentos filosóficos da música, pela Odysseus Editora em 2018.
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Série: Discografia da Música Brasileira / Música instrumental / Jazz / religiões de matriz africana / álbum.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske