poemas de anne morrow lindbergh
ÁRVORE NUA
Despiram-me das folhas de minha juventude,
levadas pelo vento do tempo, deixando-me
como aos galhos no inverno. Permaneço,
ereta e solitária, a testemunhar outras vidas,
emoldurando outro brilho,
harpa a tocar uma paixão que não é minha.
Minha ramagem, um leque aberto
ao céu, novamente trará
os mistérios desfolhados que tanto amei,
com raízes e ramos igualmente nus,
os galhos que sorvem a chuva ou balançam ao sol
são os mesmos; a sombra e a essência são uma.
Agora que já perdi as folhas tão frágeis,
não há nada mais a cobrir, nada mais a ocultar.
Vida, sopra por mim agora, finalmente despida,
pois me tornei tão frágil e tão destemida!
.
BARE TREE
Already I have shed the leaves of youth,
Stripped by the wind of time down to the truth
Of winter branches. Linear and alone
I stand, a lens for lives beyond my own,
A frame through which another’s fire may glow,
A harp on which another’s passion, blow.
The pattern of my boughs, an open chart
Spread on the sky, to others may impart
Its leafless mysteries that once I prized,
Before bare roots and branches equalized;
Tendrils that tap the rain or twigs the sun
Are all the same; shadow and substance one.
Now that my vulnerable leaves are cast aside,
There’s nothing left to shield, nothing to hide.
Blow through me, Life, pared down at last to bone,
So fragile and so fearless have I grown!
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
CONCHA PARTIDA
Não procures mais a concha perfeita, a forma
inteira e inviolada, que não trincou sob os dentes do tempo;
a armadura de alabastro ainda intocada
pela ação erosiva das areias e das ondas que rolam na praia.
Que outra beleza poderíamos resgatar do mar inconstante
do que estes pequenos esqueletos que se espalham
como flores dispersas sob o céu,
ainda intactas em sua renúncia de vida?
Eis a manhã da criação
retida em seu pequeno lábio, concavidade vazia, destemida;
sua moldura vazada persiste, como um testamento,
em fragmentos, de seu primeiro movimento terreno.
Veja a espiral que mostra as nervuras
de seu crescimento. Erguida como uma bússola em seu arco,
balança-se eternamente no absoluto,
cantando a beleza como uma flauta de prata.
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BROKEN SHELL
Cease searching for the perfect shell, the whole
Inviolate form no tooth of time has cracked;
The alabaster armor still intact
From sand’s erosion and the breaker’s roll.
What can we salvage from the ocean’s strife
More lovely than these skeleton that lie
Like scattered flowers open to the sky,
Yet not despoiled by their consent to life?
The pattern on creation morning laid,
By softened lip and hollow, unbetrayed;
The gutted frame endures, a testament,
Even in fragment, to that first intent.
Look at this spiral, stripped to polished nerve
Of growth. Erect as compass in its curve,
It swings forever to the absolute,
Crying out beauty like a silver flute.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
ATÉ MESMO –
Aquele que amo, desejo que seja
livre:
Livre como um ramo despido
no alto de uma árvore,
alheio à luta entre os galhos
que se agitam em busca da luz.
Livre da escura mortalha,
onde tombam as sombras –
voltado para o olho dourado
do céu.
Livre como a gaivota,
sozinha num sopro de ar,
invisível,
onde
ninguém poderá tocá-la,
nenhuma voz alcançá-la,
ninguém vir
surpreendê-la.
Livre como uma folha
de grama,
em meio ao verde,
anônima,
entre inúmeras iguais,
que se espicham, se alinham,
recobrindo a terra,
felizes,
apontando o azul,
repartindo o sol,
envoltas,
ainda, uma a uma,
em frescas gotas
de orvalho.
Aquele que amo, desejo que seja
livre –
até mesmo de mim.
.
EVEN –
Him that I love I wish to be
Free:
Free as the bare top twigs of tree,
Pushed up out of the fight
Of branches, struggling for the light,
Clear of the darkening pall,
Where shadows fall –
Open to the golden eye
Of sky;
Free as a gull
Alone upon a single shaft of air,
Invisible there,
Where
No man can touch,
No shout can reach,
Meet
No stare;
Free as a spear
Of grass,
Lost in the green
Anonymity
Of a thousand seen
Piercing, row on row,
The crust of earth,
With mirth,
Through to the blue,
Sharing the sun
Although
Circled, each one,
In his cool sphere
Of dew.
Him that I love, I wish to be
Free –
Even from me.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
ÓBOLOS
Como aos pássaros no inverno,
tu me alimentaste;
sabendo que a terra estava gelada,
sabendo que
eu jamais viria comer na tua mão,
sabendo que
não precisavas da minha gratidão.
Suavemente,
como caem os flocos de neve,
suavemente, para eu não me assustar,
suavemente,
atiraste as migalhas no chão –
e te afastaste.
.
ALMS
Like birds in winter
You fed me;
Knowing the ground was frozen,
Knowing
I should never come to your hand,
Knowing
You did not need my gratitude.
Softly,
Like snow falling on snow,
Softly, so not to frighten me,
Softly,
Your threw your crumbs upon the ground –
And walked away.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
PRESSENTIMENTO
Imóvel como árvore no outono,
onde não bate o vento, onde não há
sopro ou movimento e, mesmo assim,
no alto, num galho,
por nenhuma razão aparente,
uma única folha oscila
violentamente.
Para que melodia
ela dança?
Que nota perdida vibra
em mim?
Do passado ou do futuro?
Memória
ou Pressentimento?
.
PRESENTIMENT
I am still as an autumn tree
In which there is no wind,
No breath of movement – yet
There on a top branch,
For no cause I can see,
A single leaf oscillates
Violently.
To what thin melody
Does it dance?
What lost note vibrates
In me?
From the past or the future?
Memory
Or Presentiment?
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
O HOMEM E A CRIANÇA
É o homem em nós que trabalha,
que todos os dias ganha seu pão e, ansioso, à noite,
indaga aos céus o que o futuro lhe reserva,
é o homem que corre ao caminhar,
se inflama na multidão, e grita ao falar,
que cerra os olhos e se enterra em seu trabalho,
que duvida dos outros e veste uma máscara,
enverga uma armadura e esconde suas lágrimas.
É o homem em nós que tem medo.
É a criança em nós que brinca,
que todo dia encontra uma felicidade maior,
canta por cantar, é curiosa e chora,
é a criança em nós que, à noite, dorme.
É a criança que, silenciosa, nos olha,
aberta e sem disfarces, inocente,
simples e verdadeira, e não finge
ao ver a beleza em outro rosto –
é a criança em nós que ama.
.
THE MAN AND THE CHILD
It is the man is us who works;
Who earns his daily bread and anxious scans
The evening skies to know tomorrow’s plans;
It is the man who hurries as he walks;
Finds courage in a crowd; shouts as he talks;
Who shuts his eyes and burrows through his task;
Who doubts his neighbor and who wears a mask;
Who moves in armor and who hides his tears.
It is the man is us who fears.
It is the child in us who plays;
Who sees no happiness beyond today’s;
Who sings for joy; who wonders, and who weeps;
It is the child in us at night who sleeps.
It is the child who silent turns his face,
Open and maskless, naked of defense,
Simple with trust, distilled of all pretense,
To sudden beauty in another’s face –
It is the child in us who loves.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
DENTRO DA ONDA
Dentro do arco da onda há um mundo,
luzindo seu brilho de vidro perfeito, que se levanta
e desmancha em milhares de partículas na areia,
lançada pela inexorável maré.
Agora, neste instante, em que a catástrofe é certa,
percebo, de súbito, uma terra mais bela que a nossa,
outro céu, com azul mais intenso,
onde brilham sóis que nunca se põem, outro mar,
sem horizonte a cercá-lo; outra praia,
refletindo o brilho de conchas jamais vistas.
espelho suave do presente, suspenso
entre a crista “que se ergue” e a espuma “que passou” –
como é luminosa a paisagem que vejo através
das lentes de cristal desta iminente perda!
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WITHIN THE WAVE
Within the hollow wave there lies a world,
Gleaming glass-perfect, rising to be hurled
Into a thousand fragments on the sand,
Driven by tide’s inexorable hand.
Now in the instant while disaster towers,
I glimpse a land more beautiful than ours;
Another sky, more lapis-lazuli,
Lit by unsetting suns; another sea
By no horizon bound; another shore,
Glistening with shells I never saw before.
Smooth mirror of the present, poised between
The crest’s “becoming” and the foam’s “has been” –
How luminous the landscape seen across
The crystal lens of an impending loss!
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
O UNICÓRNIO CATIVO
A partir de uma tapeçaria dos Cloisters
Eis o Unicórnio
cativo;
sua intocável vulnerabilidade
finalmente aprisionada;
há muito aconteceu
a longa caçada
dos cavaleiros do rei;
agora seus arreios estão atados
à romãzeira –
aqui está o Unicórnio
cativo,
porém,
livre.
Eis o Unicórnio;
sua valentia
contida por um pequeno círculo,
como o abraço de uma mulher;
em uma grade circular;
preso
por uma cerca escarlate,
tão frágil quanto a coroa de um rei,
que delicadamente retém
seu chifre, as patas e a crina,
como uma rede suavemente
prende uma borboleta.
Poderia pular a cerca,
se ele se erguesse,
estendendo seu branco dorso;
poderia facilmente parti-la,
com três golpes
de seus cascos de porcelana e fugir –
se ele quisesse.
Romperia os muros da prisão
e escaparia –
se ele saltasse,
se ele quisesse.
Eis o Unicórnio;
em seu flanco,
ainda sangram as feridas
das lanças dos caçadores,
embora não estanque
as lágrimas de sangue
que brotam
da branca penugem,
como flores
sobre o chão de veludo,
onde ele se deita.
Amarras e feridas de sonho
não conseguem prendê-lo
a este reino, onde nem
suas feridas, nem seu destino
importam.
Eis o Unicórnio;
a cabeça presa por um colar,
como um laço
em torno da cintura de uma mulher,
largo e bordado,
amarrado sem cuidado.
Poderia se soltar
da coleira cravejada de joias,
por ser tão largo o colar –
se ele tentasse;
como uma mulher desfaria
um laço preso à sua cintura,
e ele romperia as amarras
tão descuidadas –
se ele tentasse.
Eis o Unicórnio;
preso por uma corrente de ouro
à romãzeira.
Uma corrente tão frágil para deter
tão poderosa fera;
tão delicada quanto um crucifixo
sobre o colo de uma mulher.
Com um meneio,
poderia romper a corrente de ouro,
se ele quisesse se mover,
se ele quisesse sentir
a liberdade.
Mas prefere não fazer
essa escolha.
Aqui está o Unicórnio,
cativo.
Cativo, com seu
dorso, cascos e crina –
mas olhe novamente –
o chifre está livre,
alto, acima
da corrente, da cerca e da árvore,
como um canto livre de amor;
o chifre
emerge de sua fronte tranquila,
como uma estrela cadente;
emerge como uma proa de navio
cortando o mar tranquilo;
eleva-se como um lírio branco
acima da terra;
uma espiral, um voo de pássaro
alçando tão ansiadas alturas;
ou uma nascente
jorrando sob a luz
da manhã –
Ó luminoso chifre!
Eis o Unicórnio –
cativo?
Descansando.
Ele esqueceu os golpes
das lanças
dos caçadores; e os terríveis latidos
dos cães de caça,
em sua sede de sangue;
a força que corre
por suas veias atende
à ânsia de luta,
da fúria pela vida,
nos cascos pesados,
no chifre que respira.
esqueceu a luta;
agora a ânsia de matar
extinguiu-se como fogo,
e a ânsia de amar
tomou o lugar do desejo;
esqueceu a dor
das feridas, da cerca, da corrente –
senta-se, imóvel,
à espera de Tua vontade.
O Unicórnio está imóvel,
contemplando,
resignado;
impassível, menos o seu chifre;
o chifre continua vivo;
horizontalmente,
preso;
perpendicularmente,
livre.
Como prisioneiro
que à noite contempla o céu
e desdenha da prisão imposta
por grades e muros,
ao observar a liberdade
da noite estrelada,
e encontrar ali a sua felicidade:
então, o unicórnio
está livre.
O que é liberdade?
Aqui vive o Unicórnio,
cativo:
porém livre.
.
THE UNICORN IN CAPTIVITY
After the tapestry in The Cloisters
Here sits the Unicorn
In captivity;
His bright invulnerability
Captive at last;
The chase long past,
Winded and spent,
By the king’s spears rent;
Collared and tied
To a pomegranate tree –
Here sits the Unicorn
In captivity,
Yet free.
Here sits the Unicorn;
His overtakelessness
Bound by a circle small
As a maid’s embrace;
Ringed by a round corral;
Pinioned in place
By a fence of scarlet rail,
Fragile as a king’s crown,
Delicately laid down
Over horn, hoofs, and tail,
As a butterfly net
Is lightly set.
He could leap the corral,
If he rose
To his full white height;
He could splinter the fencing light,
With three blows
Of his porcelain hoofs in flight –
If he chose.
He could shatter his prison wall,
Could escape them all –
If he rose,
If he chose.
Her sits the Unicorn;
The wounds in his side
Still bleed
From the huntsmen’s spears,
Yet he takes no heed
Of the blood-red tears
On his milk-white hide,
That spring unsealed,
Like flowers that rise
From the velvet field
In which he lies.
Dream wounds, dream ties,
Do not bind him there
In a kingdom where
He is unaware
Of his wounds, of his snare.
Here sits the Unicorn;
Head in a collar cased,
Like a girdle laced
Round a maiden’s waist,
Broidered and buckled wide,
Carelessly tied.
He could slip his head
From the jeweled noose
So lightly tied –
If he tried,
As a maid could loose
The belt from her side;
He could slip the bond
So lightly tied –
If he tried.
Here sits the Unicorn;
Leashed by a chain of gold
To the pomegranate tree.
So light a chain to hold
So fierce a beast;
Delicate as a cross at rest
On a maiden’s breast.
He could snap the golden chain
With one toss of his mane,
If he chose to move,
If he chose to prove
His liberty.
But he does not choose
What choice would lose.
He stays, the Unicorn,
In captivity.
In captivity,
Flank, hoofs, and mane –
Yet look again –
His horn is free,
Rising above
Chain, fence, and tree,
Free hymn of love;
His horn
Bursts from his tranquil brow,
Like a comet born;
Cleaves like a galley’s prow
Into seas untorn;
Springs like a lily, white
From the earth below;
Spirals, a bird in flight
To a longed-for height;
Or a fountain bright,
Spurting to light
Of early morn –
O luminous horn!
Here sits the Unicorn –
In captivity?
In repose.
Forgotten now the blows
When the huntsmen rose
With their spears; dread sounds
Of the baying hounds,
With their cry for blood;
And the answering flood
In his veins for strife,
Of his rage for like,
In hoofs that plunged,
In horn that lunged.
Forgotten the strife;
Now the need to kill
Has died like fire,
And the need to love
Has replaced desire;
Forgotten now the pain
Of the wounds, the fence, the chain –
Where he sits so still,
Where he waits Thy will.
Quiet, the Unicorn,
In contemplation stilled,
With acceptance filled;
Quiet, save for his horn;
Alive in his horn;
Horizontally,
In captivity;
Perpendicularly,
Free.
As prisoners might,
Looking on high at night,
From day-close discipline
Of walls and bars,
Tonight-free infinity
Of sky and stars,
Find here felicity:
So is he free –
The Unicorn.
What is liberty?
Here lives the Unicorn,
In captivity,
Free.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
REVISITAÇÃO
Já morreste há alguns meses; a mente diurna
anotou no calendário o dia
da tua morte e transferiu-a
para seus sonhos – o sombrio lago,
onde todos os fatos refletem-se invertidos
e distorcidos, porém ainda mais vívidos que à luz do dia –
não estás mais presente neste mundo;
nem aqui, nem ali, tampouco retornarás
de tua viagem. Não viajaste,
mas foste embora “para sempre”.
Mesmo sabendo
que a tristeza já passou e que a vida
segue seu curso – mesmo assim,
preciso fazer uma peregrinação
aos lugares que foram teus
ou intimamente entrevistos pelo teu olhar;
não na esperança de te reencontrar,
não em tua memória,
nem sofrendo a dor de ter-te perdido.
Não, preciso
voltar aos lugares onde puseste a mão,
revê-los agora sem ti, vazios, despidos,
sem a tua presença. Preciso estar ali
sozinha e olhar esses lugares vazios,
para encontrar a verdade que desconheço;
e equilibrar as incomparáveis asas
de tua existência, a tua e a minha; e guardar nos olhos
as paisagens oscilantes do coração, onde
caminho como uma estranha através do tempo e do espaço.
Preciso voltar,
e esperar em cada um desses lugares conhecidos, até
novamente ver tua carne enregelar,
o espírito deixar teu corpo;
e deixar-te partir e, ainda assim, continuar a amar a paisagem;
porém agora apenas por ela mesma,
como tu a amaste, quando, ainda vivo,
caminhaste por ela pela primeira vez, sem memórias,
e amaste intensamente esta paisagem.
Porque preciso encontrar e reconciliar-me
com a verdade daquilo que se foi e aceitar o novo;
o passado e o futuro; a morte e a vida. E, quando,
finalmente, os opostos se encontrarem,
as asas se equilibrarem e as paisagens se redefinirem,
os fios do passado e do futuro se entrelaçarem,
tecendo um linho forte, gasto e usado pelo tempo –
o presente – então,
poderei reencontrar a mim,
e, também, a ti.
.
REVISITATION
You have been dead for months; the daylight mind
Has noted in its record the exact
Moment of dying, has transferred the fact
To its dream-counterpart – the shadowy pool
Where all events are mirrored upside down,
Distorted but more vivid than by day –
That nowhere on this earth can you be found;
No here, not there, nor on a journey bound
From which you’ll soon be back. No just away,
But gone “for good”, you are.
Even though I know,
And grief is past and life goes on – even so,
Still I must make a faithful pilgrimage
To those particular landmarks that were yours,
Or intimately haunted by your sight;
Not in the hope of finding you again,
Not in obeisance to your memory,
Nor self-indulgently in search of pain.
No, I must go
Back to the places where you put your hand,
To see them now without you, gutted, bare,
Swept hollow of your presence. I must stand
Alone and in their empty faces stare,
To find another truth I do not know;
To balance those unequal shifted planes
Of our existence, yours and mine; to fix
The whirling landscapes of the heart in which
I walk a stranger both to space and time.
I must go back;
In each familiar corner wait until
I witness once again the flesh turn cold,
The spirit parting from the body’s hold;
And let it go, and love the landscape still;
But now on only for itself alone,
As you once loved it when, in flesh and bone,
You walked it first, naked of memories,
And sharp with life, you loved its flesh and bone.
For I must meet and marry in myself
The truth of what has ended, what is new;
The past and future; death and life. And when
At last the two conflicting pairs are met;
The planes are balanced and the landscapes set;
The strands of past and future tied in one
Tough, weather-beaten, salted twist of hemp,
The present – Then
I shall be able to refind myself,
And also, you.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
ESPAÇO
Precisamos de espaço para a beleza e seu significado,
e como hoje não há mais espaço
para agir e falar, o rosto
da beleza não se mostra mais tão belo.
A árvore se destaca ao se erguer sozinha
contra a amplidão do céu,
uma vela, uma pequena mancha branca no mar aberto,
recoloca o horizonte em seu lugar.
Em meio à escuridão, a luz da vela
cria espaço à sua volta, enquanto queima,
dando forma, contorno e nome ao quarto,
neste momento nasce o seu significado.
Uma palavra rompe o silêncio como a estrela cadente,
traçando seu voo belo e solitário
contra a imensidão do céu,
contra o insondável silêncio da noite.
.
SPACE
For beauty, for significance, it’s space
We need; and since we have no space today
In which to frame the act, the word, the face
Of beauty, it’s no longer beautiful.
A tree’s significant when it’s alone,
Standing against the sky’s wide open face;
A sail, spark-white upon the space of sea,
Can pin a whole horizon into place.
Encompassed by the dark, a candle flowers,
Creating space around it as it towers,
Giving the room a shape, a form, a name;
Significance is born within the frame.
A word falls in the silence like a star,
Searing the empty heavens with the scar
Of beautiful and solitary flight
Against the dark and speechless space of night.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
REVOADA
Observando o contorno dos pássaros em revoada,
seguindo como uma pauta de música, brancos
como pétalas que caem, encontro um breve refúgio.
então, de repente, minha vida assume uma nova forma
e compreendo a menosprezada arte
de ler as palmas das mãos ou as folhas em uma xícara de chá;
lembro-me dos sábios sondando os céus,
percebendo presságios no voo dos pássaros,
e vendo o futuro em linhas ocultas pelas nuvens.
Não é o destino que lemos nesses sinais;
vemos apenas – e, tão somente, a nós mesmos,
transmutados em pássaros, nuvens e árvores,
fragmentos familiares, rearranjados de outro modo;
como num caleidoscópio pequenos pedaços de vidro
colorido se transformam em flor.
Um ato da criação em que, na pedra,
o escultor e o esculpido são um –
aqui, onde arte e artista coincidem,
onde o universo e o mundo interior se fundem,
a mágica da Mandala e do Rorschach se unem;
e mais uma vez a memória da infância faz-nos lembrar:
Ganha a vida quem a perde – Milagre,
o coração renascido em uma revoada de pássaros,
agora pode aceitá-lo e reconhecê-lo em palavras.
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FLIGHT OF BIRDS
Watching the patterns of these birds in flight,
Fluid as music on a page and white
As falling petals, I find swift escape.
Then all at once my life take sudden shape,
And I can understand the misprized art
Of reading palms or tea leaves in a cup;
Remember wise men searching in the skies,
Looking for omens in the track of birds,
Telling the future in cloud-darkened lines.
It is no fate in these external signs
We read; it is ourselves – ourselves we see,
Transmuted into bird or cloud or tree,
Familiar fragments, here arranged in form;
As a kaleidoscope contains the power
From common specks and straws to make a flower.
Act of creation in which the stone,
The sculptor, and the spectator, are one –
Here, where the art and artist coincide,
Where universe and private world collide,
Magic of Mandala and Rorschach meet;
And childhood memories again repeat
Who loses life shall gain it – Miracle
The heart reborn upon a flight of birds
Can now accept and recognize in words.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
SEGURANÇA
Encontramos refúgio numa concha –
ou numa estrela;
mas entre as duas,
não há.
Encontramos paz na imensidão –
ou nas pequenas coisas;
mas entre as duas,
não há.
O planeta nos céus,
a concha na areia:
e embora os céus e a terra
estejam entre eles,
não encontramos paz
em nenhum outro lugar.
Tu que procuras
um refúgio, aprende
com as mulheres que sempre souberam
os caminhos seguros da vida.
o caminho
seguro de uma agulha – ou de uma estrela;
uma próxima – outra distante.
A que poderíamos comparar
a luz refletida num dedal,
senão ao alto brilho
de Arturo?
Uma próxima – outra distante:
mas entre as duas,
onde
encontrar conforto?
Encontramos refúgio numa concha –
ou em uma estrela:
mas, entre as duas,
em lugar nenhum.
.
SECURITY
There is refuge in a sea-shell –
Or a star;
But in between,
Nowhere.
There is peace in the immense –
Or the small;
Between the two,
Not at all.
The planet in the sky,
The sea-shell on the ground:
And though all heaven and earth
between them lie,
No peace is to be found
Elsewhere.
Oh you who turn
For refuge, learn
From women, who have always known
The only roads that life has shown
To be secure.
How sure
The path a needle follows – or a star;
The near – the far.
With what compare
The light reflected from a thimble’s stare,
Unless, on high,
Arcturus’s eye?
The near – the far:
But in between,
Oh where
Is comfort to be seen?
There is refuge in a sea-shell –
Or a star;
But in between,
Nowhere.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
A PEDRA
Há um sofrimento que a mente
nunca percebe nem consegue entender,
como uma pedra, interrompendo o fluxo da minha alegria,
sob a superfície, despercebida,
coberta por um jorro de palavras,
cortando meu caminho e me impedindo de passar,
mesmo contra minha inabalável vontade e que resiste
ao bisturi afiado da minha análise.
Embora imune às lágrimas e opaca à luz,
atiro-me contra ele, murmurando minhas preces.
Nem a beleza pode encobrir ou a música dissolver
dor tão voraz e desconhecida.
Nem o sono dissolve as lanças de pedra
que se erguem nas cavernas inconscientes da noite.
Não há outro diluente senão o amor. De quem? O meu?
Pode-se pedir amar o terrível desconhecido?
Não sou como Francisco que beijaria a boca
dos leprosos. Presa entre as garras
de um mundo sem fé, eu, que mal sei rezar,
deveria amar? Haveria outro caminho?
Num sofrimento sem nome, nem língua, nem face,
cegamente te estreito num desesperado abraço!
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THE STONE
There is a core of suffering that the mind
Can never penetrate or even find;
A stone that clogs the stream of my delight,
Hidden beneath the surface out of sight,
Below the flow of words it lies concealed.
It blocks my passage and it will not yield
To hammer blows of will, and still resists
The surgeon’s scalpel of analysis.
Too hard for tears and too opaque for light,
Bright shafts of prayer splinter against its might.
Beauty cannot disguise nor music melt
A pain undiagnosable but felt.
No sleep dissolves that stony stalagmite
Mounting within the unconscious caves of night.
No solvent left but love. Whose love? My own?
And is one asked to love the harsh unknown?
I am no Francis who could kiss the lip
Of alien leper. Caught within the grip
Of world un-faith, I cannot even pray,
And must I love? Is there no other way?
Suffering without name or tongue or face,
Blindly I crush you in my dark embrace!
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
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BREVE BIOGRAFIA
Anne Morrow Lindbergh (1906-2001) foi uma aclamada escritora de ficção, poesia e não ficção. Primeira norte-americana a obter brevê de piloto de planador. Em 1938 foi vencedora do Prêmio National Book, com o romance Listen the Wind, baseado em suas aventuras.
Após seu casamento com o aviador Charles Lindbergh, em 1929, Anne Morrow Lindbergh o acompanhou nos primeiros voos sobre o Atlântico Norte para o lançamento das primeiras linhas aéreas transoceânicas. A trágica morte de seu primeiro filho e o consequente processo criminal forçou-os a mudar para a Europa em busca de segurança e privacidade. A guerra, no entanto, fez com que voltassem aos Estados Unidos, fixando-se definitivamente na costa de Connecticut, onde viveram de modo reservado, escrevendo, e criando seus cinco filhos. Depois que estes cresceram e saíram de casa, Anne e Charles Lindbergh fizeram longas viagens à África e ao Oceano Pacífico em pesquisas ambientais. Moraram por vários anos na ilha de Maui, no Havaí, onde Charles faleceu, em 1974. Anne voltou a viver em Connecticut, onde recebia filhos e netos, e depois foi para a casa de sua filha Reeve, em Vermont, onde morou seus últimos anos de vida, morrendo em 7 de fevereiro de 2001, aos 95 anos.
:: Fonte: Editora Sextante | e ‘O Unicórnio e outros poemas’.
Outras fontes: Lindbergh Foundation
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske