ARTES

As carrancas do Velho Chico pelas lentes de Marcel Gautherot

“Desde o início, as carrancas eram conhecidas pelos traços grotescos, que se tornaram uma característica recorrente do gênero. No entanto, muitas das mais antigas são bastante realistas.”
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Entre 1880 e 1950, o Rio São Francisco foi percorrido por grandes barcas à vela. Carregadas com todo tipo de mercadoria, viajavam de Pirapora (MG) até Juazeiro (BA). Possuíam, em suas proas, carrancas talhadas em madeira que espantavam os seres sobrenaturais das águas e botavam os perigos e maus presságios pra correr.
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“As carrancas espantavam as feras do rio, mas o São Francisco não tem mais aquelas feras que tinha antigamente, o barulho dos motores as afugentou”. – Jonatas Ferreira, escultor de carrancas.

Muitas dessas carrancas foram esculpidas por Francisco Biquida dy Lafuente Guarany (1882| 1987), Mestre Guarany, o maior carranqueiro do Rio São Francisco. Nos anos 50, as barcas começaram a ser substituídas por embarcações motorizadas, e as incríveis carrancas começaram a despertar o desejo de colecionadores.

Centenário

Francisco Biquiba La Fuente Guarany
conjurou os seres malévolos das águas.
Com o poder de suas mãos meio espanholas,
meio índias, meio africanas,
totalmente brasileiras.
Das mãos de Guarany surdiram monstros
que colocados na proa dos barcos
protegiam os viajantes contra os terrores do rio.
Eram monstros benignos, conjunção de forças milenares
enlaçadas na mente de Guarany.
As águas purificaram-se, as viagens
tornaram-se festivas e violeiras.
E ninguém temia a morte, e o louvor da vida
era uma canção implícita no cedro das carrancas.
Os tempos são outros. Onde as carrancas?
Onde os barcos, as travessias melodiosas de antigamente?
O Rio São Francisco está sem mistério e poesia?
A poesia e o mistério pousaram
no rosto centenário de Francisco, irmão moreno
do santo de Assis, também ele miraculoso,
pelo poder das mãos calejadas e criadeiras.
– Carlos Drummond de Andrade, no livro “Amar se aprende amando: Poesia de convívio e de humor”. Companhia das Letras, 2018.

Alguns historiadores acreditam que a inspiração possa ter vindo das embarcações dos invasores europeus, mas não existem provas ou documentações que mostrem de onde surgiu a ideia.
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Em 1946, os fotógrafos Marcel Gautherot (1910-1996) e Pierre Verger (1902-1996), este também etnólogo, percorreram o Rio São Francisco documentando a vida das populações ribeirinhas. Parte significativa dos cliques de Gautherot teve como alvo carrancas que adornavam os barcos com os quais a dupla cruzava no trajeto. As fotos, publicadas nas revistas O Cruzeiro (1947), Sombra (1951) e Módulo (1955) e no livro Brésil (1950).

© Marcel Gautherot – Sem título, 1946 – Coleção Marcel Gautherot/Acervo Instituto Moreira Salles
© Marcel Gautherot – Sem título, 1946 – Coleção Marcel Gautherot/Acervo Instituto Moreira Salles
© Marcel Gautherot – Sem título, 1946 – Coleção Marcel Gautherot/AcervoInstituto Moreira Salles
© Marcel Gautherot – Sem título, 1946 – Coleção Marcel Gautherot/Acervo Instituto Moreira Salles
© Marcel Gautherot – Sem título, 1946 – Coleção Marcel Gautherot/Acervo Instituto Moreira Salles
© Marcel Gautherot – Sem título, 1946 – Coleção Marcel Gautherot/ Acervo Instituto Moreira Salles
© Marcel Gautherot – Sem título, 1946 – Coleção Marcel Gautherot/Acervo Instituto Moreira Salles
© Marcel Gautherot – Sem título, 1946 – Coleção Marcel Gautherot/Acervo Instituto Moreira Salles
© Marcel Gautherot – foto: Pierre Verger

Textos: (fonte: As Carrancas do Velho Xico, por Matilda Azevedo – BUUR/e Pinacoteca do Estado de São Paulo)
Fotos: Coleção Marcel Gautherot|Instituto Moreira Salles (IMS)

BREVE BIOGRAFIA
Marcel André Félix Gautherot (Paris, França, 1910 – Rio de Janeiro, RJ, 1996). Fotógrafo. Realiza inicialmente estudos de arquitetura, passando depois a se dedicar à fotografia. Vem para o Brasil em 1940. O interesse pelo país fora despertado pela leitura do romance Jubiabá, de Jorge Amado (1912-2001). Após uma breve passagem pela região amazônica, se fixa no Rio de Janeiro. Realiza trabalhos de documentação fotográfica para o recém-criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). Aproxima-se de intelectuais e arquitetos brasileiros, com quem trabalha com frequencia, produzindo séries documentais sobre a nova arquitetura no Brasil. Nos anos 1940, viaja pelo Rio São Francisco, registrando os tipos humanos e as festas populares e religiosas com um olhar quase antropológico. Com o fotógrafo Pierre Verger (1902-1996), que conhece em Paris, realiza viagens pelo país, documentando, entre outros assuntos, a arquitetura colonial e moderna. Ao longo de sua carreira, colabora com revistas especializadas brasileiras e européias. Grande parte de sua produção é em preto-e-branco. Passa a utilizar também os filmes coloridos a partir da década de 1970. Nessa época, sua produção destina-se principalmente a livros editados no país e no exterior. É autor, entre outros, dos livros Pernambuco/Recife/Olinda, 1970, Congonhas do Campo, 1973, e Bahia, Rio São Francisco, Recôncavo e Salvador, 1995. Em 1999, o acervo de cerca de 25 mil imagens do fotógrafo é adquirido pelo Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro.
Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

Acervo Marcel Gautherot
Marcel Gautherot

Adquirida pelo Instituto Moreira Salles em 1999, a obra completa do francês Marcel Gautherot compõe-se de cerca de 25 mil imagens que abrangem um vasto leque temático e situam seu autor entre os nomes fundamentais da fotografia brasileira no século XX.

Livro
:: A viagem das carrancas. organizado por Lorenzo Mammí. [imagens das carrancas e com a série fotográfica de Marcel Gautherot, além de registros de Hans Gunter Flieg, Pierre Verger e do pesquisador Paulo Pardal; ensaios de Lorenzo Mammì e Samuel Titan Jr.]. São Paulo: Instituto do Imaginário do Povo Brasileiro; Editora Martins Fontes; e Instituto Moreira Salles, 2015.

Mais sobre Marcel Gautherot aqui:
Marcel Gautherot: registro da cultura popular e do povo brasileiro

Revista Prosa Verso e Arte

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