‘Gênio’. Foi assim que Ariano Suassuna definiu Francisco Brennand em uma carta que escreveu e dedicou ao artista plástico em 1997.
“É preciso cerrar os dentes e compartilhar a sorte do nosso país”, escreveu, um dia, o grande poeta que foi Bóris Pasternark. Era um tempo em que sua pátria, a Rússia, vivia a opressão violenta, aberta e declarada do Stalinismo. Hoje, o Stalisnismo acabou, Pasternak morreu, mas sua obra está viva e cresce todo dia, revelando-se cada vez mais como profética. Entretanto, a impostura, a opressão hipócrita do Capitalismo, a ditadura do consumo, da vulgaridade e do gosto médio imposto como modelo através dos meios de comunicação de massa, essa ditadura branca está fazendo algo talvez pior do que oprimir a pátria de Gogol e Dostoiévski, primeiro traída por Gorbachev e depois aviltada por Bóris Yeltsin.
Lembro-me de algumas palavras de Michelet, que li na adolescência e que copiei fazendo interiormente a promessa de nunca me esquecer deles. “A pessoa humana é coisa sagrada. Na medida em que uma nação assume o caráter de pessoa e se torna uma alma, sua inviolabilidade aumenta na mesma proporção. O crime de violar a personalidade nacional torna-se, então, o maior dos crimes. Assassina um homem é crime. Que coisa terrível não será, portanto, assassinar uma Nação? Como qualificar tal monstruosidade?”
Pois bem, existe uma coisa pior do que matá-la, envilecê-la, abandoná-la ao desprezo e aos insultos estrangeiros, violá-la e roubar-lhe a alma e a honra. Este crime é o único para o qual não deveria existir prescrição.
Tornei-me amigo do artista gênio que é Francisco Brennand no ano de 1945, quando ele se preparava para expor seus quadros e eu para publicar meus poemas. Logo nos primeiros dias de uma amizade que dura desde aquele ano, ele fez uma ilustração para o poema Noturno, publicado alguns meses depois, em outubro.
Desde esse tempo, não digo que tivéssemos consciência daquilo que vai aqui afirmado. Mas na noite criadora da vida pré-consciente do intelecto (noite talvez mais clarividente do que a luz da razão reflexiva), nós dois procurávamos escrever ou pintar como se a sorte do nosso país dependesse do que fizéssemos.
Não sendo políticos, era e é o mais que podemos fazer: indicar com o que fazemos ou tentamos no campo da Arte, o caminho para uma Teoria do Poder que, expressando o que nosso povo tem de melhor, esboce o contorno do mapa capaz de definir nosso país como Nação.
Infelizmente, o apelo contido nos meus balbucios e na obra de Brennand não está sendo ouvido, assim como o de Pasternak também não foi ouvido na Rússia. Estão aviltando nosso povo, violando e roubando a alma e a honra do nosso país.
Não importa. Fiéis ao sonho da nossa juventude, dendro das minhas medidas venho fazendo o que posso; e ele ergueu em sua oficina um monumento imperecível, no qual as gerações que vão nos suceder poderão pelo menos enxergar a face do Brasil verdadeiro e profundo, o Brasil ‘que poderia ter sido e que não foi”.
Ariano Suassuna /1997.
* Carta publicada originalmente no Jornal JConline.
A Oficina de Francisco Brennand
Oficina Francisco Brennand – Criada em 1971 nas ruínas de uma olaria do início do século XX, como materialização de um projeto obstinado e sem trégua do artista Francisco Brennand. Antiga fábrica de tijolos e telhas herdada de seu pai, instalada nas terras do Engenho Santos Cosme e Damião, no bairro histórico da Várzea, e cercada por remanescentes da Mata Atlântica e pelas águas do Rio Capibaribe, a Cerâmica São João tornou-se fonte inspiradora e depositária da história do artista pernambucano.
Lugar único no mundo, a Oficina Brennand constitui-se num conjunto arquitetônico monumental de grande originalidade, em constante processo de mutação, onde a obra se associa à arquitetura para dar forma a um universo abissal, dionisíaco, subterrâneo, sexual e religioso.
Localização: Propriedade Santos Cosme e Damião, s/n, Várzea Recife/PE – CEP: 50740-970
Horário: segunda a quinta-feira (8h às 17h), sexta (8h às 16h)
Telefone: (81) 3271 2466
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