Epitáfio
Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade
.
Epitaph
Den Tigern entrann ich
Die Wanzen nährte ich
Aufgefressen wurde ich
Von den Mittelmäßigkeiten.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
Perguntas de um Operário que lê
Quem construiu Tebas, a de sete portas?
Nos livros, ficam os nomes dos reis.
Os reis arrastaram blocos de pedra?
Babilônia, muitas vezes destruída,
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
De Lima auri-radiosa moravam os obreiros?
Para onde foram, na noite em que ficou pronta a Muralha da China,
Os pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os erigiu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? Bizâncio multicelebrada
Tinha apenas palácios para seus habitantes? Mesmo na legendaria Atlantis,
Na noite em que o mar a sorveu,
Os que se afogavam gritavam por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava pelo menos um cozinheiro consigo?
Felipe da Espanha chorou, quando sua armada
Foi a pique. Ninguém mais teria chorado?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem
Venceu junto?
Por todo canto uma vitória.
Quem cozinhou o banquete da vitória?
Cada dez anos um grande homem.
Quem pagou as despesas?
Histórias de mais.
Perguntas de menos.
.
Fragen eines lesenden Arbeiters
Wer baute das siebentorige Theben?
In den Büchern stehen die Namen von Königen.
Haben die Könige die Felsbrocken herbeigeschleppt?
Und das mehrmals zerstörte Babylon –
Wer baute es so viele Male auf? In welchen Häusern
Des goldstrahlenden Lima wohnten die Bauleute?
Wohin gingen an dem Abend, wo die Chinesische Mauer fertig war
Die Maurer? Das große Rom
Ist voll von Triumphbögen. Wer errichtete sie? Über wen
Triumphierten die Cäsaren? Hatte das vielbesungene Byzanz
Nur Paläste für seine Bewohner? Selbst in dem sagenhaften Atlantis
Brüllten in der Nacht, wo das Meer es verschlang
Die Ersaufenden nach ihren Sklaven.
Der junge Alexander eroberte Indien.
Er allein?
Cäsar schlug die Gallier.
Hatte er nicht wenigstens einen Koch bei sich?
Philipp von Spanien weinte, als seine Flotte
Untergegangen war. Weinte sonst niemand?
Friedrich der Zweite siegte im Siebenjährigen Krieg. Wer
Siegte außer ihm?
Jede Seite ein Sieg.
Wer kochte den Siegesschmaus?
Alle zehn Jahre ein großer Mann.
Wer bezahlte die Spesen?
So viele Berichte.
So viele Fragen.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
Citação
O poeta Kin disse:
Como escrever obras imortais, se não sou conhecido?
Como responder, se não me fazem perguntas?
Por que perdem tempo com versos, se o tempo os perde?
Escrevo minhas proposições numa língua durável
Pois temo passe muito tempo antes que se executem.
Para alcançar o grandioso são necessárias grandes transformações.
Pequenas transformações são inimigas de grandes transformações.
Tenho inimigos. Logo, devo ser conhecido.
Zitat
.
Der Dichter Kin sagte:
Wie soll ich unsterbliche Werke schreiben, wenn ich nicht berühmt bin?
Wie soll ich antworten, wenn ich nicht gefragt werde?
Warum soll ich Zeit verlieren über Versen, wenn die Zeit sie verliert?
Ich schreibe meine Vorschläge in einer haltbaren Sprache,
Weil ich fürchte, es dauert lange, bis sie ausgeführt sind.
Damit das Grosse erreicht wird, bedarf es grosser Änderungen.
Die kleinen Änderungen sind die Feinde der grossen Änderungen.
Ich habe Feinde. Ich muss also berühmt sein.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
Elogio da dialética
A injustiça vai por aí com passe firme.
Os tiranos se organizam para dez mil anos.
O poder assevera: Assim como é deve continuar a ser.
Nenhuma voz senão a voz dos dominantes.
E nos mercados a espoliação fala alto: agora é minha vez.
Já entre os súditos muitos dizem:
O que queremos, nunca alcançaremos,
Quem ainda está vivo, nunca diga: nunca!
O mais firme não é firme.
Assim como é não ficará.
Depois que os dominantes tiverem falado
Falarão os dominados.
Quem ousa dizer: nunca?
A quem se deve a duração da tirania? A nós.
A quem sua derrubada? Também a nós.
Quem será esmagado, que se levante!
Quem está perdido, que lute!
Quem se apercebeu de sua situação, como poderá ser detido?
Os vencidos de hoje serão os vencedores de amanhã.
De nunca sairá: ainda hoje.
.
Lob der Dialektik
Das Unrecht geht heute einher mit sicherem Schritt.
Die Unterdrücker richten sich ein auf zehntausend Jahre.
Die Gewalt versichert: So, wie es ist, bleibt es.
Keine Stimme ertönt außer der Stimme der Herrschenden.
Und auf den Märkten sagt die Ausbeutung laut:
Jetzt beginne ich erst.
Aber von den Unterdrückten sagen viele jetzt:
Was wir wollen, geht niemals.
Wer noch lebt, sage nicht: niemals!
Das Sichere ist nicht sicher.
So, wie es ist, bleibt es nicht.
Wenn die Herrschenden gesprochen haben,
Werden die Beherrschten sprechen.
Wer wagt zu sagen: niemals?
An wem liegt es, wenn die Unterdrückung bleibt? An uns.
An wem liegt es, wenn sie zerbrochen wird?
Ebenfalls an uns.
Wer niedergeschlagen wird, der erhebe sich!
Wer verloren ist, kämpfe!
Wer seine Lage erkannt hat, wie soll der aufzuhalten sein?
Denn die Besiegten von heute sind die Sieger von morgen,
Und aus Niemals wird: Heute noch!
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
Remar, conversa
Noite. Passam deslizando
dois barcos. Dentro
dois jovens. Torsos
nus. Lado a lado remando
conversam. Conversando
remam lado a lado.
.
Rudern, gespräche
Es ist Abend. Vorbei gleiten
Zwei Faltboote, darinnen
Zwei nackte junge Männer: Nebeneinander rudernd
Sprechen sie. Sprechend
Rudern sie nebeneinander.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
O primeiro olhar pela janela de manhã
O primeiro olhar pela janela de manhã.
O velho livro redescoberto.
Rostos entusiasmados.
Neve, o câmbio das estações.
O jornal.
O cão.
A dialética.
Duchas, nadar.
Música antiga.
Sapatos cômodos.
Compreender.
Música nova.
Escrever, plantar.
Viajar, cantar.
Ser cordial.
.
Der erste Blick aus dem Fenster am Morgen
Der erste Blick aus dem Fenster am Morgen
Das wiedergefundene alte Buch
Begeisterte Gesichter
Schnee, der Wechsel der Jahreszeiten
Die Zeitung
Der Hund
Die Dialektik
Duschen, Schwimmen
Alte Musik
Bequeme Schuhe
Begreifen
Neue Musik
Schreiben, Pflanzen
Reisen
Singen
Freundlich sein.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
Regresso
A cidade natal, então, como a encontro?
Depois dos enxames de bombas
Volto ao lar.
Onde ela está? Onde estão os enormes
Montes de fumaça,
Aquilo entre as chamas ali
É ela.
A cidade natal, então, como me acolhe?
Antes de mim vêm as bombas. Enxames mortais
Vos anunciam meu regresso. Labaredas rugindo
Antecipam-se ao filho.
.
Rückkehr
Die Vaterstadt, wie find ich sie doch?
Folgend den Bomberschwärmen
Komm ich nach Haus.
Wo denn liegt sie? Wo die ungeheueren
Gebirge von Rauch stehn.
Das in den Feuern dort
Ist sie.
Die Vaterstadt, wie empfängt sie mich wohl?
Vor mir kommen die Bomber. Tödliche Schwärme
Melden euch meine Rückkehr. Feuersbrünste
Gehen dem Sohn voraus.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
Manhã. Maligna
O álamo branco, famosa beldade local
hoje uma velha bruxa. O lago
um charco de águas de lavagem. Não agitar!
As fúcsias junto à boca-de-leão – baratas e fúteis,
Por que?
À noite em sonho eu vira dedos que me apontavam
como a um leproso. Dedos rotos
dedos tortos.
Ignorantes! gritei
cheio de culpa.
.
Böser Morgen
Die Silberpappel, eine ortsbekannte Schönheit
Heut eine alte Vettel. Der See
Eine Lache Abwaschwasser, nicht rühren!
Die Fuchsien unter dem Löwenmaul billig und eitel.
Warum?
Heut nacht im Traum sah ich Finger, auf mich deutend
Wie auf einen Aussätzigen. Sie waren zerarbeitet und
Sie waren gebrochen.
Unwissende! schrie ich
Schuldbewußt.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
Hollywood
Toda manhã, para ganhar meu pão
Vou ao mercado, onde se compram mentiras.
Cheio de esperança
alinho-me entre os vendedores.
Hollywood
Jeden Morgen, mein Brat zu verdienen
Gehe ich auf den Markt, wo Lügen gekauft werden.
Hoffnungsvoll
Reihe ich mich ein zwischen die Verkaufer.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
A máscara do mal
Na minha parede, a máscara de madeira
de um demônio maligno, japonesa –
ouro e laca.
Compassivo, observo
as túmidas veias frontais, denunciando
o esforço de ser maligno.
.
Die Maske des Bösen
An meiner Wand hängt ein japanisches Holzwerk
Maske eines bösen Dämons, bemalt mit Goldlack.
Mitfühlend sehe ich
Die geschwollenen Stirnadern, andeutend
Wie anstrengend es ist, böse zu sein.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
Lendo o Jornal enquanto ferve o Chá
De manhã cedo leio no jornal os memoráveis planos
do Papa e dos reis, dos banqueiros e dos magnatas do petróleo.
Com o rabo do olho vigio
a panela com água para o chá,
como esta fica turva e borbulha e de novo se aclara
e ao transbordar do vaso apaga o fogo.
.
Zeitunglesen beim Theekochen
Frühmorgens lese ich in der Zeitung von epochalen Plänen
Des Papstes und der Könige, der Bankiers und der Ölbarone.
Mit dem anderen Auge bewach ich
Den Topf mit dem Theewasser
Wie es sich trübt und zu brodeln beginnt und sich wieder klärt
Und den Topf überflutend das Feuer erstickt.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
Sobre um Leão Chinês de Raiz de Chá
Os maus temem tuas garras.
Os bons alegram-se com teu garbo.
O mesmo
quero ouvir
de meus versos.
.
Auf einen chinesischen Theewurzellöwen
Die Schlechten fürchten deine Klaue.
Die Guten freuen sich deiner Grazie.
Derlei
Hörte ich gern
Von meinem Vers.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
§
A Morte Voluntária do fugitivo W(alter) B(enjamin)
Ouvir dizer que levantaste a mão contra ti mesmo
antecipando o carniceiro.
Oito anos banido, o olho no triunfo do inimigo,
impelido afinal a uma fronteira intraspassável
passaste, como se diz, o passo traspassável.
Ruem os reinos. Chefes de quadrilha
acodem em compasso de estadistas. Os povos
somem da vista, toldados pelas armas.
O futuro no escuro. Frágeis
os poderes benignos. E vias tudo isso
quando destruíste o corpo torturável.
.
Zum Freitod des Flüchtlings W. B.
Ich höre, dass du die Hand gegen dich erhoben hast
Dem Schlächter zuvorkommend.
Acht Jahre verbannt, den Aufstieg des Feindes beobachtend
Zuletzt an eine unüberschreitbare Grenze getrieben
Hast du, heisst es, eine überschreitbare überschritten.
Reiche stürzen. Die Bandenführer
Schreiten daher wie Staatsmänner. Die Völker
Sieht man nicht mehr unter den Rüstungen.
So liegt die Zukunft in Finsternis, und die guten Kräfte
Sind schwach. All das sahst du
Als du den quälbaren Leib zerstörtest.
– Bertolt Brecht, em “O duplo compromisso de Bertolt Brecht” [tradução Haroldo de Campos]. in: CAMPOS, Haroldo de.. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
AMIZADES LITERÁRIAS
Leia mais sobre Bertolt Brecht:
:: Bertolt Brecht – poemas e breve biografia (bilíngue alemão/português)
:: Bertolt Brecht – (poemas e textos)
© Obra em domínio público
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske e José Alexandre