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Capitalismo e desamor: Fromm explica (parte II) – Anna Carolina Pinto

Na nossa última coluna, a primeira parte de “Capitalismo e desamor: Fromm explica”, tracei aspectos relevantes na obra “A arte de amar” que apontam para as razões pelas quais o homem inserido no sistema capitalista possui tamanha dificuldade para se encontrar no amar, para amar e ser amado, de fato. Nessa segunda parte convido-os a refletir sobre a forma como amamos e entendemos o amor.
Acho interessante que o próprio Erich Fromm em “A arte de amar” adverte que leitura dessa obra seria decepcionante para aqueles que esperam fácil instrução sobre essa arte já que, ao contrário disso, seu livro pretende demonstrar que o amor não é um sentimento possível para toda e qualquer pessoa. Para ele é importante, nesse sentido, considerar o nível de maturidade alcançado pelo indivíduo que se coloca nessa árdua tarefa de amar, posto que sem o desenvolvimento pleno da personalidade não se consegue o que chama de orientação produtiva e, por conseguinte, as tentativas de amar são falhas.
Vibro quando Fromm afirma que “a satisfação no amor individual não pode ser atingida sem a capacidade de amar ao próximo, sem verdadeira humildade, coragem, fé e disciplina” e, prontamente, me remeto ao que Bauman (sim, mais uma vez ele!) fala sobre a necessidade amar o próximo, escrevi sobre ele na minha primeira coluna “Bauman e a dificuldade de amar”. Vejo pela forma líquida que os relacionamentos amorosos assumem hoje em dia que, de fato, nos falta coragem em muitos momentos para sair das nossas zonas de conforto e enfrentar essa tarefa que, embora difícil, pode ter seus óbices conhecidos e vencidos.

É curioso o modo como a maioria de nós se coloca diante dessa questão (quando não está fugindo dela, rs), o olhar lançado sobre o problema é de como ser amado e não sobre como amar. Queremos ser amáveis, receber amor, precisamos disso. Mas e a disponibilidade individual de cada um a amar, onde fica? Investimos em ser atraentes, ter bom papo e cremos na simplicidade do amar ao passo que abandonamos a ideia de que há muito que se aprender sobre o amor. É preferível crer que não achamos a pessoa certa ainda. Há ainda que se considerar a confusão entre estar apaixonado e de “permanecer em amor”, ressalta Fromm que explica que o primeiro tipo de amor é fadado a ser breve. Para Fromm:

As duas pessoas tornam-se bem conhecidas, sua intimidade perde cada vez mais o caráter miraculoso, e seu antagonismo, suas decepções, seu mútuo fastio acabam por matar tudo quanto restava da excitação inicial. Entretanto, no começo, elas de nada disso sabem; de fato, tomam a intensidade da paixão, a “loucura” que sentem uma pela outra, como prova da intensidade de seu amor, quando isso apenas
provaria o grau de sua anterior solidão.

E não é, definitivamente, desse amor que a tão pouco resiste que estamos falando aqui – embora seja a ideia predominante. No livro, o autor discorre sobre inúmeras formas de pseudo-amor (dignas, aliás, de uma coluna só pra elas), porém aqui o que mais nos interessa é compreender, afinal, o que Fromm entende como amor. Para ele:

O amor só é possível se duas pessoas se comunicam mutuamente a partir do centro de suas existências e, portanto, se cada uma se experimenta a partir do centro de sua própria existência. Só nesta “experiência central” existe realidade humana, só aí há vivacidade, só aí está a base do amor. Assim experimentado, o amor é um desafio constante; não é um lugar de repouso,mas é mover-se, crescer, trabalhar juntamente; haja harmonia ou conflito, alegria ou tristeza, isso é secundário em relação ao fato fundamental de que duas pessoas se experimentam mutuamente a partir da essência de sua existência, que são uma com a outra por serem uma consigo mesmas, em vez de fugir de si mesmas. Só há uma prova da presença do amor: a profundidade da relação e a vivacidade e o vigor em cada pessoa envolvida; este e o fruto pelo qual o amor é reconhecido.

Conheci “A arte de amar” em função de uma seleção de mestrado e foi nesse contexto, perdida entre textos de Habermas e Negri, que me vi bastante emocionada com essa definição. Não esperava que, me preparando para uma prova, entenderia o que é amar e qual a postura se espera de quem ama. Evidente que Fromm não detém a verdade absoluta em suas mãos e que existem tantos outros pontos de vista sobre o assunto, mas é esse, até aqui, que me faz mais sentido. Parei para pensar nos meus relacionamentos até ali e percebi que apesar da imensa vontade de amar, isso não bastava. Comecei a me questionar e me questiono até hoje, afinal, certos questionamentos me parecem não ter que ter resposta definitiva para não tirar de nós a possibilidade de, constantemente, evoluirmos. E nesse desassossego que é dar a cara a tapa para amar encontrei, por mais paradoxal que seja, mais paz do que tive em muito tempo querendo ser amável.

A ausência de amor, nesses termos mais exigentes postos por Erich Fromm, tem sua raiz, segundo esse autor, nas condições sociais que são determinantes nesse sentido, já que o princípio do capitalismo é incompatível com o do amor. Aliás, como não lembrar de Belchior cantando “e no escritório, em que eu trabalho e fico rico quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor”? Belchior é certeiro em Paralelas.
Encerro esse texto com mais um trecho valioso da obra de Fromm que é a grande explicação sobre o capitalismo e desamor que prometia lá no começo dessas duas colunas dedicadas ao seu pensamento:

Para que o homem seja capaz de amar, deve ele ser colocado em seu lugar supremo. A máquina econômica deve servi-lo, em vez de servir-se dele. Deve ele ficar capacitado a compartilhar da experiência, a compartilhar do trabalho, em vez de, no melhor dos casos, compartilhar dos lucros. A sociedade deve ser organizada de modo tal que a natureza social e amorosa do homem não se separe de sua existência social, mas se unifique com ela. Se é verdade, como venho tentando mostrar, que o amor é a única resposta sadia e satisfatória ao problema da existência humana, então qualquer sociedade que exclua, relativamente, o desenvolvimento do amor deve, no fim de contas, perecer vitimada por sua própria contradição com as necessidade básicas da natureza humana.

O amor é a única resposta sadia e satisfatória ao problema da existência humana. Só o amor salva, revoluciona, transforma e melhora.

*Anna Carolina Cunha Pinto, colunista da Revista Prosa, Verso e Arte, escreve sobre suas percepções do mundo associando-as com conteúdos de Filosofia e Sociologia. Formada em Direito pela Universidade Cândido Mendes, mestranda em Sociologia e Direito pela UFF e apaixonada por filosofia.

Leia outras colunas da autora:
Anna Carolina Cunha Pinto (colunista)

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