PARTO
Eu hoje gerei a solidão
em forma de uma criança chamada tristeza…
Eu a pari com ternura
e ela me presenteou com a dor…
Carreguei-a nas entranhas
e sussurrei palavras singelas
que a fizesse adormecer
e acalentasse os seus sonhos…
E a criança quieta
foi crescendo e absorvendo
os tormentos da minha alma
e descosturando a teia da razão…
Pari na eternidade
a criança da dor
que escorre suas lágrimas
no batismo da redenção…
Ela cresceu nos pregos
entalados na garganta da cruz
e hoje reza aos céus
sua estadia nos infernos…
A criança gerada
na angústia da trilha
buscadora de si
e andarilha do outro…
Mendiga do perdão
amante da punição
concubina do coração
e prostituta da emoção…
A criança anda pelos labirintos
calcando suas entregas
pelos caminhos do calvário
que respiram seus espinhos…
E ela se infla de escárnio
e faz amor com a frieza
da aspereza da saudade
que a pisoteia nas tempestades…
Pobre criança faminta!
Sua busca não tem fim!
Gerada na pestilência do acalanto
e mergulhada na orgia da fragrância…
Hoje encontra-se só
No meio do vendaval…
Nascida da solidão
no parto da ternura…
– Carla Torrini, no livro “Livro os heterônimos da dor”. Rio de Janeiro: Editora Cultura em Letras Edições, 2016.
§
CASTELO TEM MURALHAS
O castelo tem muralhas
e armaduras e mortalhas…
Espadas e adagas
na defesa do inimigo…
Mas dentro dele tem segredo
que o liberta do medo
e já não era em tempo
de surgir as novas armas…
Indiferença e frieza
para combater a dor da mágoa
que vai perfurando a esperança
da construção da areia do sonho…
Dureza e firmeza
do zumbi adormecido da vida…
Sai ternura, sai singeleza
na escuridão do ser real…
A morte de todos os dias
é a vida que nasce no ontem
na vida que é sepultada
no vazio do que se perdeu…
O castelo se fortifica
com rajadas e tempestades
saída do canhão do sentimento
na batalha de sobreviver…
Que venha a frieza
com seu frio universal
aquecendo o ódio
que se derrama em sangue…
E a indiferença borbulha
como a adaga fatal
cessando todas as batidas
do coração viajante…
O castelo se fortificou
sem esperanças vãs,
com espadas,com adagas,
com tristeza e com a dor…
Olhos vítreos,
coração de chumbo…
Distância próxima
da ternura endurecida…
Nasce a nova fortificação!
Não mais cinzas, não mais sentimentos…
Alça vôo na desesperança
da dureza e da frieza…
– Carla Torrini
§
REALIDADE OU IMAGINAÇÃO?
O que foi isso?
Realidade, imaginação,
delírio ou maldição?
Um arfar, uma respiração
às minhas costas, omoplatas,
curvas percorridas na
intensidade do espaço
do agora, do instante…
Uma virtual inspiração
além das telas concretas
que quedaram, desmoronaram
fisicamente o globo de mim…
O que foi isso?
Realidade ou imaginação
na dor que sente e pressente
a crueldade da realidade…
A hecatombe de dentro
que explodiu tudo ao redor
e destruiu o que ficou,
menos a saudade que restou…
– Carla Torrini (inédito)
§
APARÊNCIAS
As aparências não enxergam a dor
e o sorriso disfarça a mágoa…
O egoísmo não alcança a síntese
sinuosa do sofrimento ao redor…
A realidade ultrapassa o limite
visceral e radical do ângulo
obtuso da verdade velada…
Prosseguir e caminhar
na estrada do passo a passo
da máscara poliédrica
bifocal, tridimensional
da angústia peçonhenta
da sabedoria do engodo
causado pela própria crença
de que jamais o estilhaço ocorreria…
Mas a pólvora queimou
e matou o jardim ao redor…
Restaram apenas cinzas
das bandeiras banidas do coração…
– Carla Torrini (inédito)
SÉCULOS
Séculos e séculos passaram-se
e agora, talvez, consiga escrever
a narrativa de uma história…
De uma história, não!
Uma história que não existiu,
não aconteceu, não caminhou…
Onde ela aconteceu?
Não sei, talvez o sonho…
Mentiras, enganos, falsidades…
Intensidades imaginárias,
monólogos solitários,
entregas unitárias…
Uma parede no meio
de concretos construídos
pelo medo e ignorância,
pela covardia e estupidez…
Nada compartilhado,
nada dividido…
Tudo mentira, tudo fingimento…
Ilusão estrelar das galáxias
anos luz de distância…
Fantasias mortas…
Cadáveres vivos!
– Carla Torrini (inédito)
§
Estilhaços da catarse
Caminho sem me reportar a lugar nenhum… Só o sonho, o desejo, o fascínio e a sedução levantam meus pés das areias e remetem meus olhos às estrelas… Caminho em direção ao castelo de cristal a procura do nada de mim mesma… Um nada que nem sei se existe porque não sei o que é sólido, o que é concreto, o que é real… Habito o castelo construído de sonhos e recheado de emoções… A paixão me fascina no orgasmo sedutor da glória de sentir… Se emocionar sempre até as mais íngremes consequências… Sempre adiante sem saber aonde, apenas o mergulho simbiótico da relação de mim… Um ser humano… No seu verbo presente e intransitivo… Agora, já, neste instante… Um ser humano não de ações, mas de emoções… Mais do que isso, de paixões até o dilaceramento do que vem de fora e que sangra o de dentro… Procuro intensamente e mergulho na lama mais pérfida do objeto ser… De braços abertos no corpo e na alma… Um ser humano marcado pela existência do próprio existir, do próprio tempo, com o remorso da não realização, da não vida… De olhos fechados, de braços abertos, numa entrega infinita e eterna que mergulha paulatinamente no abissos do que sou e na sedução que me seduz de ser o verbo agora do ser, sem as verdades absolutas que a realidade prega, mas a verdade da minha arte, da minha obra de arte, que é a minha própria existência…
– Carla Torrini
§
BREVE BIOGRAFIA
Carla Torrini, carioca, jornalista, livreira.Membro da Academia Mundial de Literatura e Cultura, cadeira 73, tendo como patrono Castro Alves. Publicou seu primeiro livro “Os Heterônimos da Dor” em março de 2016, pela Cultura em Letras Edições. Finalista do IX Festival de Poesia Falada do Rio de Janeiro – Prêmio Francisco Igreja, realizado pela APPERJ, 2016, finalista do Prêmio Café com Poemas, participação especial no livro “Maínga”, de Robson Valle, finalista do II Concurso de Poesia Casa de Espanha, categoria regional, 2016. Prêmio de Menção Honrosa no II Concurso Internacional de Poesia da Casa de Espanha, na categoria Regional, em 2016. Participação na Antologia de Poesia e Prosa do IV Prêmio Literário “Escritor Marcelo de Oliveira Souza”, editora Sucesso, 2016. Participação na Antologia Terça ConVerso, do grupo Poesia Simplesmente, 2016.
Obra
:: Livro os heterônimos da dor. Rio de Janeiro: Editora Cultura em Letras Edições, 2016.
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