“Itabira é apenas uma fotografia na parede”, escreveu Carlos Drummond de Andrade em “Confidência do Itabirano”, segundo poema do livro Sentimento do Mundo, lançado em 1940. Agora, o poeta é quem estampa um retrato na cidade onde nasceu. O grafiteiro e muralista Eduardo Kobra finalizou um painel de 32 metros em homenagem a Drummond, na lateral de um prédio no Centro do município de Itabira/MG.
Com as cores e formas que marcam seu trabalho, Kobra retratou Drummond no rasgo de uma página em que está escrito o poema sobre Itabira. O rasgo tem o formato do mapa do município.
O projeto fez parte da primeira edição da Mostra de Arte Pública (Mapa) em Itabira, realizada entre os dias 9 e 15 de outubro. A ideia, segundo a prefeitura da cidade, era criar uma grande galeria ao ar livre. Além do mural, a artista Raquel Bolinho fez uma escultura permanente de 3,5 metros que representa o poeta ainda criança. A peça será instalada na praça de uma das principais escolas de Itabira.
“Minha obra recém-inaugurada na cidade mineira de Itabira é um tributo ao mais ilustre cidadão dessa cidade, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), um dos maiores nomes da literatura brasileira de todos os tempos. Ao fundo, pus seu poema ‘Confidência do Itabirano’ como se fosse um manuscrito em seu bloco de notas. O retrato de Drummond aparece em um rasgo na página — feito com a forma do mapa de Itabira. Viva Drummond, viva a poesia e viva Itabira!”, celebra Kobra, em postagem em português e inglês no perfil que tem no Instagram.
O artista Eduardo Kobra
Originário da periferia de São Paulo, Kobra é um artista conhecido mundialmente, com mais de 3 mil obras espalhadas pelos 5 continentes. Ele é reconhecido pelo seu estilo que mescla o uso de cores vibrantes e referências fotográficas, com o olhar voltado para questões sociais, traço comum da arte do grafite. Em Itabira, a figura de Drummond estará no hall de personalidades já retratadas pelo artista, como Salvador Dalí, Martin Luther King, Clarice Lispector. Nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, ele alcançou o recorde de maior mural grafitado do mundo, com a obra ‘Etnias’, com 2,5 mil metros quadrados.
Em 2017, superou a própria marca com uma obra em homenagem ao chocolate, em um paredão de 5,7 mil metros quadrados, às margens da Rodovia Castello Branco, na Região Metropolitana de São Paulo.
Confidência do itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem
……..[horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…
.
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
– Carlos Drummond de Andrade, na ‘Antologia poética’. Companhia das Letras, 2012.
Carlos Drummond de Andrade
Nascido na cidade de Itabira, em 1902, Drummond se mudou com a família, em 1916, para Belo Horizonte. Esse movimento se revelaria fundamental na trajetória do futuro poeta. Cinco anos depois, ele conheceu José Osvaldo de Araújo, diretor do “Diário de Minas”, onde publicou seus primeiros escritos. Em seguida, ganhou um concurso de contos da revista “Novela Mineira”. A partir daí, sua ligação com a imprensa jamais se romperia.
Drummond escreveu alguns dos mais conhecidos poemas da literatura do país. Sua expressão “E agora, José?” para um deles virou praticamente um bordão brasileiro para situações aparentemente sem solução. Mas era um otimista em relação ao ser humano: “Eu tenho esperança no homem. Espero que ele, racionalizando, sentindo melhor a responsabilidade de viver e respeitar a vida alheia — os seres, as plantas, a vida alheia —, com um pouquinho de boa vontade e paciência, consiga caminhar no sentido da paz”, escreveu.
Na década de 1960, colaborou no O Globo, como colunista, publicando seus textos na coluna Porta de Livraria, editada por Antônio Olinto.
A passagem de Drummond por alguns dos mais importantes jornais do país, estabelecendo uma relação com a imprensa tão intensa quanto sua produção literária, marcada pelo lançamento de essenciais livros de crônicas e poesias.
Morreu numa segunda-feira, 17 de agosto de 1987, doze dias após sua filha querida, Maria Julieta, ter falecido vítima de um câncer de mama. A morte dela foi um visível baque para o poeta, que mergulhou em profunda depressão. Ele teve um primeiro sinal de enfarte na sexta-feira de manhã, mas escondeu o ataque de que fora vítima, provavelmente para apressar a própria morte. À noite, com novas dores, foi atendido por um cardiologista, que recomendou sua internação numa clínica apropriada. O poeta deixou de respirar exatamente às 20h45 do dia 17.
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