Carlos Julião – aquarelas do século XVIII do Rio de Janeiro (RJ) e Serro do Frio (MG) – Brasil
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Os desenhos detalhados sobre costumes, festas populares e padrões de vestuário precedem e, possivelmente, influenciam artistas viajantes no século XIX. Contribuem, ainda, para a constituição do gênero do costumbrismo popularizado pela literatura de viagem dos séculos XVIII e XIX e encontram paralelo com a prática do desenho de figurinos militares. Escapam, porém, a esses tipos de fronteiras para estabelecer consonância nos estudos de história natural e na produção artística.
Fonte: Iconografia/Biblioteca Nacional do Brasil | Biblioteca digital Luso-Brasileira
BIOGRAFIA DE CARLOS JULIÃO
Carlo Juliani (Turim, Itália, 1740 – Rio de Janeiro?, 1811). Pintor, desenhista, engenheiro, militar. Em 1763, torna-se alferes das Forças Armadas Portuguesas. Pouco se sabe sobre sua formação anterior a essa data. O exército mantinha aulas de desenho para incrementar as habilidades de seus oficiais em trabalhos cartográficos, como o registro das possessões ultramarinas. É possível que Julião as tenha frequentado. Em documentação de 1800 do Arquivo Militar português, há o relato de suas viagens, entre 1763 e 1781, à China, Índia e ao Brasil. Deles, restam desenhos que compõem um álbum pertencente à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. É designado pelo Secretário de Estado para um estudo topográfico no qual deve produzir a planta de todo o distrito de Macao, China. Na Índia, permanece por seis anos. Viaja, ainda, em expedição a Mazagão, Marrocos, onde teria salvado habitantes de um presídio em chamas.
O álbum que registra suas três viagens principais recebe o título de: Noticia Sumária do Gentilismo da Ásia com Dez Riscos Iluminados/ Ditos de Figurinhos de Brancos e Negros dos Usos do Rio de Janeiro e Serro do Frio/ Ditos de Vasos e Tecidos Peruvianos. Integram o álbum dez aquarelas sobre a Ásia, acrescidas de relatos sobre a cultura hindu; 33 desenhos de vasos e tecidos peruanos que teria observado em Peniche, Portugal e 43 aquarelas que registram grupos sociais e cenas de costumes no Brasil. Essas aquarelas compõem um dos maiores registros visuais sobre o Brasil naquele período. Além dessas imagens, produz no Brasil duas peças cartográficas pertencentes ao Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, Lisboa, e um Dicionário de Árvores e Arbustos, datado de 1801. Apenas um de seus desenhos cartográficos, o Dicionário de Árvores e alguns documentos são assinados, sempre com a versão aportuguesada de seu nome.
O álbum é encontrado nos Estados Unidos e lá adquirido pela Biblioteca Nacional em 1947. O artista e historiador José Wasth Rodrigues (1891-1957) realiza, em 1949, as identificações dos temas, que passaram a servir como títulos. O álbum é produzido no decorrer das últimas décadas do século XVIII, depois de 1776, como se infere na Alegoria que representa o sargento-mor Rafael Pinto Bandeira (1740-1795) à frente da vitória dos portugueses sobre os espanhóis, na tomada do Forte de Santa Tecla, Rio Grande do Sul, em 1776.
É aposentado no posto de brigadeiro em 1811 por decreto assinado no Rio de Janeiro, em 1813, após sua morte. Devido à alta patente de Julião e aos serviços prestados à coroa, é possível que tenha embarcado para o Brasil com a corte portuguesa em 1808, por ocasião da invasão napoleônica, e tenha falecido no Rio de Janeiro, em 18 de novembro de 1811.
Análise da trajetória
O trabalho de Carlos Julião nas colônias portuguesas, no contexto da cultura barroca de fins do século XVIII, pode ser compreendido em relação às ideias iluministas, que promoviam a crença na ciência e em seu poder de conhecimento sobre a natureza, as diferentes culturas e formas de organização social.
Dentre os serviços prestados à Coroa como oficial do exército, seus desenhos ultrapassam o objetivo de registro de possessões, e revelam interesse pela vida social das colônias.
A peça cartográfica Panorama de Salvador1, obra assinada, datada de 1779, apresenta plantas e a vista da cidade, baseadas em desenhos de 1754 do engenheiro militar brasileiro José Antonio Caldas (1725-1782). O modo de composição de Julião caracteriza-se pela inclusão de diferentes olhares sobre a paisagem física, animada pela inserção dos tipos humanos que a habitam. Dividida em quatro segmentos horizontais, a porção superior apresenta uma vista panorâmica da cidade de Salvador sobre o mar, revelando o desenvolvimento urbano. O segundo segmento é formado por plantas de oito fortes da cidade, acompanhadas por legendas explicativas. Abaixo, estão figuras humanas que representam grupos sociais com seus atributos típicos. Habitantes da região, as figuras são identificadas por títulos indicativos de suas atividades ou posição social. O último segmento contém notas explicativas. As figuras são compostas por duas senhoras brancas, um homem negro, vendedor de leite, com jarro na cabeça, uma mulher negra com um tabuleiro de frutas e um grupo central formado por dois negros que carregam uma senhora branca numa liteira, guiados por um homem branco. No outro panorama atribuído a Julião, é mais acentuada a presença dos tipos sociais, organizados sobre a horizontalidade das vistas panorâmicas que, na parte superior da imagem, apresentam quatro cidades de possessões portuguesas na América, Ásia e África.
O álbum de aquarelas divide-se em três secções indicadas pelo título: Noticia Sumária do Gentilismo da Ásia com Dez Riscos Iluminados/ Ditos de Figurinhos de Brancos e Negros dos Usos do Rio de Janeiro e Serro do Frio/ Ditos de Vasos e Tecidos Peruvianos. Ele registra aspectos da cultura brasileira, hindu e peruana, acompanhados de texto em português sobre a religião hindu, e uma nota manuscrita relativa à coleção de vasos peruanos.
Nos panoramas e em muitas imagens dos Ditos de Figurinhos, os tipos humanos inserem-se numa paisagem de elementos mínimos, que proporciona a relação entre as figuras e permite uma visão sobre cada uma delas, como uma catalogação científica. Apesar de o título afirmar se tratarem de figuras do Rio de Janeiro e Serro do Frio, Minas Gerais, Julião também utiliza elementos encontrados na população branca e negra da Bahia, como as joias conhecidas como balangandãs e os torsos que enfeitam a cabeça das baianas.O álbum e o panorama não assinados podem ser atribuídos a Julião devido às características comuns entre as figuras, além dos documentos que indicam sua passagem pelos lugares representados. Registram a diversidade étnica e as dinâmicas sociais geradas, explicitadas pelos trajes e atributos de cada grupo. Suas composições se diversificam quando exploram pequenas narrativas ou quando descrevem o processo de extração de diamantes em Serro do Frio. Na imagem da lavagem do cascalho, diante de cada escravo que revolve as pedras há um feitor sentado com chicote ao lado. Junto ao primeiro feitor está a caixa onde são colocados os diamantes2.
Os desenhos detalhados sobre costumes, festas populares e padrões de vestuário precedem e, possivelmente, influenciam artistas viajantes no século XIX. Contribuem, ainda, para a constituição do gênero do costumbrismo3 popularizado pela literatura de viagem dos séculos XVIII e XIX e encontram paralelo com a prática do desenho de figurinos militares. Escapam, porém, a esses tipos de fronteiras para estabelecer consonância nos estudos de história natural e na produção artística.
Notas
1 Julião insere na imagem a seguinte legenda: “Elevasam. Fasada, que mostra em prospeto pela marinha a Cidade do Salvador, Bahia de todos os Santos na América Meridional aos 13 gráos de Latitude e 345 gráos e 36 minutos de Longitude, com as Plantas e Prospetos embaixo, em ponto maior de toda a Fortificação q. defende aditta Cidade. Este prospeto foi tirado por Carlos Julião Cap. m de Mineiros do Re.to de Artha. Da Corte na ocasião que foi na Nao N.Sa. Madre de Ds. Em Majo 1779”.
2 Tal imagem foi reproduzida por Ferdinand Denis e Hippolyte Taunay na edição de 1822 de Le Brésil.
3 Movimento artístico que representa usos e costumes específicos da sociedade que retrata.
Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural
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