LIVROS

Carta aberta em apoio às vozes literárias palestinas

Escritores e editores de todo mundo assinaram uma carta aberta na qual denunciam o “silenciamento” de vozes palestinas na Feira do Livro de Frankfurt. Maior encontro do mercado editorial do mundo, a feira alemã cancelou, na semana passada, a cerimônia de premiação do romance “Detalhe menor”, da palestina Adania Shibli. Em comunicado, a Litprom (associação literária alemã que concederia o prêmio) acrescentou que a decisão foi tomada em conjunto com a autora. “Ninguém está no espírito de celebração no momento”, acrescenta a nota, referindo-se ao conflito na Faixa de Gaza.

Ao jornal britânico The Guardian, a agência literária que representa a autora disse que, diferentemente do que foi noticiado, Shibli não concordou com o cancelamento da cerimônia e esperava aproveitar essa oportunidade para “refletir sobre o papel da literatura nestes tempos cruéis e dolorosos”.
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A carta, publicada nesta segunda-feira (16), afirma que a Feira do Livro de Frankfurt tem “a responsabilidade de criar espaços para escritores palestinos compartilharem seus pensamentos, sentimentos e reflexões sobre literatura nestes tempos terríveis e cruéis, e não de silenciá-los”. Assinaram o documento mais de de 350 autores como os Nobéis de Literatura Annie Ernaux, Abdulrazak Gurnah e Olga Tokarczuk, o britânico Ian McEwan, a chilena Lina Meruane e a filósofa americana Judith Butler. Ana Paula Hisayama, diretora de direitos autorais e sócia da editora Todavia, que lançou “Detalhe menor” no Brasil, assinou a carta em nome da editora, no que foi acompanhada pela tradutora brasileira do romance, Safa Jubran. A escritora brasileira Tatiana Salem Levy também assinou o documento.

PEN Berlin já havia se pronunciado sobre as críticas direcionadas ao romance. “Nenhum livro se torna diferente, melhor, pior ou mais perigoso porque a situação das notícias muda”, disse Eva Menasse, porta-voz da PEN Berlim.
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“Ou um livro é digno de um prêmio, ou não é. A decisão do júri em relação a Shibli, que foi tomada semanas atrás, foi, em minha opinião, muito boa. Retirar o prêmio dela seria fundamentalmente errado, tanto do ponto de vista político quanto literário“, disse.

A Editora Todavia, que publica as obras da Autora no Brasil, se manifestou em suas redes:
A literatura estabelece pontes, não as destrói. Aproxima mundos, não os afasta. Por isso, a Todavia assinou a carta aberta repudiando o cancelamento da homenagem que Adania Shibli, autora de Detalhe menor, receberia nesta semana na Feira do Livro de Frankfurt. Acreditamos que é papel da maior feira de livros do mundo ouvir e amplificar as vozes de autoras e autores que, como Shibli, encorajam o diálogo e servem de estímulo para melhor compreender sociedades e suas culturas.

A íntegra da carta pode ser lida aqui.

O LIVRO
No verão de 1949 — um ano depois da Nakba, episódio catastrófico que expulsou mais de 700 mil palestinos de suas terras —, soldados israelenses atacam um grupo de beduínos no deserto do Neguev, dizimando a todos, exceto uma adolescente, que é capturada e violentada. Anos mais tarde, uma palestina busca desvendar alguns dos detalhes que cercam o caso. Com uma prosa inquietante, este livro ressoa de maneira fervorosa a experiência da expropriação.
FICHA TÉCNICA
Título: Detalhe menor – Uma meditação sobre a guerra, a violência, a memória e os sofrimentos do povo palestino
Autora: Adania Shibli
Tradução: Safa Jubran
Capa: Luciana Facchini
Editora: Todavia Livros
Gênero: Ficção estrangeira
ISBN: 978-65-5692-157-0
Páginas: 112
Formato: 13,5 × 20,8 × 1,0 cm
Ano: 2021
Preço: 59,90
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TRECHO DO LIVRO
“Quando terminei de pendurar as cortinas nas janelas, deitei-me na cama; foi quando, na colina do outro lado, um cão começou a latir sem parar. Já passava da meia-noite e eu não conseguia dormir, apesar de exausta, por ter passado o dia inteiro arrumando a casa e fazendo uma faxina pesada: espanei a mobília e esfreguei o chão, lavei outra vez os lençóis e as toalhas e a maioria dos utensílios da cozinha, embora, a princípio, a casa devesse estar limpa antes de eu começar minha limpeza, pois o proprietário me garantiu que tinha chamado uma senhora só para cuidar da faxina. Aluguei esta casa há alguns dias, assim que assumi meu novo emprego. Em termos gerais, a casa é boa, e os colegas, lá, são afáveis. No entanto, tudo isso não aliviou a ansiedade e o pânico que os latidos persistentes daquele cão despertaram em mim. De qualquer maneira, quando eu me levantar na manhã seguinte, a sensação será de satisfação pela limpeza da casa e, talvez, pelas cortinas já instaladas nas janelas. Posicionei minha mesa de vidro bem perto da janela maior, onde me sentarei todas as manhãs para tomar café antes de ir para o novo trabalho, e de onde observarei os vizinhos passando com seus três filhos e me cumprimentando. Isso dará a impressão de que eu tenho uma boa vida, com um quintal, longe das vistas, pois os limites impostos aqui entre as coisas são muitos, e é importante observá-los e se mover de acordo com eles, só assim o sujeito pode evitar dolorosas consequências, além de dar uma certa impressão de tranquilidade, apesar de tudo. Em todo caso, aqueles que realmente são capazes de se mover dentro dos limites, sem transgredi-los, são uma minoria, da qual com certeza eu não faço parte. Pois assim que vejo algum limite, me apresso para alcançá-lo, ou até ultrapassá-lo, nem que seja por um pequeno passo, sem ser notada. Nenhum desses dois comportamentos, no meu caso, é ato consciente, nem é um desejo manifesto de me rebelar contra os limites; é uma tolice, nada mais. Assim que transgrido qualquer limite, deslizo para um abismo de angústia. A questão, simplesmente, beira a imperícia. E desde que tive ciência da minha incapacidade consumada de me mover de acordo com os limites, resolvi, finalmente, permanecer dentro dos limites da minha casa, tanto quanto possível. Agora, uma vez que a casa tem muitas janelas, e, portanto, não custaria nada aos vizinhos e seus três filhos me verem transgredindo os limites, mesmo dentro da minha casa, instalei cortinas, muito embora soubesse que, algumas vezes, me esquecerei de fechá-las. No entanto, como estarei sempre sozinha em casa, ficarei sentada à minha mesa, e será apenas isso que o mundo exterior verá de mim, a ponto de, se eu deixar, por alguns dias, de fazê-lo, o filho do meio dos vizinhos me dizer que sente falta de me ver todo dia sentada à minha mesa “trabalhando”. Pois é, será o pretexto usado por mim para com os outros, essas longas manhãs sentada, quando estou “trabalhando”, e em que geralmente “trabalho” antes de ir ao novo trabalho, que para mim continuará novo até o final, pois não tenho ideia em que momento ele deixará de ser meu trabalho novo para ser apenas meu trabalho. Também vou ficar trabalhando lá até tarde da noite, até depois da capacidade do vigia da noite me acompanhar. E isso porque, de modo geral, vou chegar ao escritório e começar o trabalho mais tarde, pois o cão na colina do outro lado da rua me acorda no meio da noite e eu não consigo depois pegar no sono até o amanhecer. Assim, acordarei tarde e chegarei ao meu novo trabalho tarde. E quando nada disso acontecer, vou ficar em casa até as últimas horas da manhã, sentada na minha mesa, “trabalhando”; sim, mas em quê?”

Adania Shibli – foto © Hartwig Klappert

SOBRE A AUTORA
Adania Shibli nasceu na Palestina em 1974. Ela divide seu tempo entre Berlim e Jerusalém. Atualmente, a escritora palestina reside na Literaturhaus Zurich. Em 2021, ela teve a honra de ser professora visitante de Literatura Mundial na Universidade de Berna, no país suiço.
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Além disso, obteve seu Ph.D. na University of East London, especializando-se em Estudos de Mídia e Cultura. Sua dissertação, intitulada “Terror Visual: Um Estudo das Composições Visuais dos Ataques de 11 de Setembro e Grandes Ataques na ‘Guerra ao Terror’ pelas Redes de Televisão Britânicas e Francesas”, é um trabalho notável na área.
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A escritora concluiu uma bolsa de pós-doutorado na EUME no Instituto de Estudos Avançados de Berlim. Shibli tem experiência em ensino, tendo lecionado na Universidade de Nottingham e, desde 2013, atuando como professora em tempo parcial no Departamento de Filosofia e Estudos Culturais da Universidade Birzeit, na Palestina.

Além do livro “Detalhe Menor”, Shibli escreveu outras obras literárias de grande influência como “Fique de olho na parede: paisagens palestinas”, da Saqi Books, lançado em 2013, em Londres, e “Estamos todos igualmente longe do amor”.
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A autora foi agraciada com o Prêmio Jovem Escritor – Palestina da Fundação AM Qattan por suas obras “Touch” em 2001 e “Estamos todos igualmente longe do amor” em 2003. Ela foi escolhida como uma dos Beirute39, em um grupo de 39 escritores árabes com menos de 40 anos, selecionados por meio de um concurso organizado pela revista Banipal e pelo Hay Festival. “Detalhe Menor”, traduzido por Elisabeth Jaquette, foi indicado para o Prêmio Nacional do Livro de Literatura Traduzida de 2020.
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Motivados pelo cancelamento anunciado, mais de 350 autores, incluindo nomes notáveis como Colm Tóibín, Hisham Matar, Kamila Shamsie e William Dalrymple, expressaram suas críticas à Feira do Livro de Frankfurt. Eles articularam suas preocupações em uma carta aberta, argumentando que a Feira do Livro tem “a responsabilidade de criar espaços para escritores palestinos compartilharem seus pensamentos, sentimentos e reflexões sobre a literatura nestes tempos terríveis e cruéis, sem silenciá-los”.
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No Brasil, “Detalhe Menor” é a primeira obra da escritora palestina Adania Shibli a ser publicada no país, lançada pela editora Todavia Livros e traduzida por Safa Jubran.

 

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