[A ANDRÉA AZULAY]
Rio, 28, sexta-feira
Querida Andréa,
Você quer me explicar o que quer dizer um sonho que tive hoje de noite? Ontem fui dormir tão cansada, mas tão cansada, que fiquei com medo de cair na rua. Dormi de oito e meia da noite até quatro e meia da manhã. Acordei com um pesadelo terrível: sonhei que ia para fora do Brasil (vou mesmo em agosto) e quando voltava ficava sabendo que muita gente tinha escrito coisas e assinava embaixo o meu nome. Eu reclamava, dizia que não era eu, e ninguém acreditava, e riam de mim. Aí não aguentei e acordei. Eu estava tão nervosa e elétrica e cansada que quebrei um copo.
Mas depois eu fiz uma coisa de gente rica. Por exemplo, tenho uma minissauna em casa, com essência de eucalipto. Tomei a sauna e logo em seguida um banho bem quente com espuma revigorante. Depois tomei café bem quente. E agora estou bem.
Eu vou lhe dar de presente uma coisa. É assim: borboleta é pétala que voa.
Está bem?
Sua Clarice
– Clarice Lispector em “Correspondências”.[organização Teresa Montero]. 1ª ed., – Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
Sabia mais Clarice Lispector:
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“E era bom. ‘Não entender’ era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. Mas não-entender não tinha fronteiras e levava ao infinito, ao Deus. Não era um não-entender como um simples de espírito. O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma bênção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura de estupidez.”
– Clarice Lispector, em “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres”. Rocco, 2018.