LITERATURA

César Vallejo – poemas

Os anéis fatigados
Há ânsias de voltar, de amar, de não ausentar-se,
e há ânsias de morrer, combatido por duas
águas unidas que jamais hão-de istmar-se.
Há ânsias de um beijo enorme que amortalhe a Vida,
que acaba na áfrica de uma agonia ardente,
suicida!
Há ânsias de… não ter ânsias, Senhor,
a ti aponto-te com o dedo deicida:
há ânsias de não ter tido coração.
A primavera volta, volta e partirá. E Deus,
curvado em tempo, repete-se, e passa, passa
carregando a espinha dorsal do Universo.
Quando as têmporas tocam seu lúgubre tambor,
quando me dói o sonho gravado num punhal,
há ânsias de ficar plantado neste verso!
.

Los anillos fatigados
Hay ganas de volver, de amar, de no ausentarse,
y hay ganas de morir, combatido por dos
aguas encontradas que jamás han de istmarse.
Hay ganas de un gran beso que amortaje a la Vida,
que acaba en el âfrica de una agonía ardiente,
suicida!
Hay ganas de… no tener ganas, Señor;
a ti yo te señalo con el dedo deicida:
hay ganas de no haber tenido corazón.
La primavera vuelve, vuelve y se irá. Y Dios,
curvado en tiempo, se repite, y pasa, pasa
a cuestas con la espina dorsal del Universo.
Cuando las sienes tocan su lúgubre tambor,
cuando me duele el sueno grabado en un puñal,
¡hay ganas de quedarse plantado en este verso!
– César Vallejo, no livro “Antologia Poética de César Vallejo”. [seleção, tradução prólogo e notas José Bento]. Lisboa: editora Relógio D’Água, 1992.

§

Poema para ser lido e cantado
Sei que há uma pessoa
que, dia e noite, me busca em sua mão,
encontrando-me, a cada minuto, em seu calçado.
Ignora que a noite está enterrada
atrás da cozinha com esporas?

Sei que há uma pessoa composta de minhas partes,
que eu completo sempre que o meu vulto
cavalga sua exacta pedrazinha.
Ignora que ao seu cofre
não voltará nenhuma moeda que saiu com seu retrato?

Sei o dia,
mas o sol escapou-me;
sei o acto universal que fez na cama
com alheia coragem e essa água morna, cuja
superficial frequência é uma mina.
Tão pequena é, acaso, essa pessoa
que até seus próprios pés assim a pisam?

Um gato é a fronteira entre eu e ela,
mesmo ao lado de sua malga de água.
Vejo-a pelas esquinas, abre e fecha
sua veste, antes palmeira interrogante…
que poderá fazer senão mudar de pranto?
Mas ela busca-me, busca-me. É uma história!
.

Poema para ser leído y cantado
Sé que hay una persona
que me busca en su mano, día y noche,
encontrándome, a cada minuto, en su calzado.
¿Ignora que la noche está enterrada
con espuelas detrás de la cocina?

Sé que hay una persona compuesta de mis partes,
a la que integro cuando va mi talle
cabalgando en su exacta piedrecilla.
¿Ignora que a su cofre
no volverá moneda que salió con su retrato?

Sé el día,
pero el sol se me ha escapado;
sé el acto universal que hizo en su cama
con ajeno valor y esa agua tibia, cuya
superficial frecuencia es una mina.
¿Tan pequeña es, acaso, esa persona,
que hasta sus propios pies así la pisan?

Un gato es el lindero entre ella y yo,
al lado mismo de su tasa de agua.
La veo en las esquinas, se abre y cierra
su veste, antes palmera interrogante…
¿Qué podrá hacer sino cambiar de llanto?
Pero me busca y busca. ¡Es una historia!
– César Vallejo, no livro “Antologia Poética de César Vallejo”. [seleção, tradução prólogo e notas José Bento]. Lisboa: editora Relógio D’Água, 1992.

§

Pedra negra pedra branca
Morrerei em Paris com aguaceiros
num dia de que já tenho a lembrança.
Morrerei em Paris – daqui não saio –
numa quinta-feira, como hoje, de outono.

Quinta-feira será, pois hoje, quinta-feira,
em que estes versos proso, dei os úmeros
à pouca sorte, e nunca como hoje
voltei,com todo o meu caminho, a ver-me só.

Morreu César Vallejo, espancavam-no
todos sem que lhes fizesse nada;
davam-lhe forte com um pau e forte

com uma corda também; são testemunhos
as quintas-feiras e os ossos úmeros,
a solidão, os caminhos, a chuva…
.

Piedra negra sobre una piedra blanca
Me moriré en París con aguacero,
un día del cual tengo ya el recuerdo.
Me moriré en Paris — y no me corro —
Tal vez un jueves, como es hoy, de otoño.

Jueves será, porque hoy, jueves, que proso
estos versos, tos húmeros me he puesto
a la mala y, jamás como hoy, me he vuelto,
con todo mi comino, a verme solo.

César Vallejo ha muerto, le pegaban
todos sin que él les haga nada;
le daban duro con un palo y duro

también con una soga; son testigos
los días jueves y los huesos húmeros,
la soledad, la lluvia, los caminos…
– César Vallejo, no livro “Antologia Poética de César Vallejo”. [seleção, tradução prólogo e notas José Bento]. Lisboa: editora Relógio D’Água, 1992.

§

Um homem passa com um pão ao ombro
Um homem passa com um pão ao ombro
– Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?

Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
– Com que desplante falar da Psicanálise?

Outro entrou em meu peito com um pau na mão
– Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?

Um coxo passa dando o braço a um menino
– Vou, depois, ler André Breton?

Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
– Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?

Outro busca no lodo ossos e cascas
– Como escrever, depois, sobre o infinito?

Um pereiro cai de um telhado, morre, já não almoça
– Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?

Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
– Falar, depois, da quarta dimensão?

Um banqueiro falsifica o seu balanço
– Com que cara chorar no teatro?

Um pária dorme com um pé às costas
– Falar, depois, a ninguém de Picasso?

Alguém vai num enterro a soluçar
– Como em seguida ingressar na Academia?

Alguém limpa uma espingarda na cozinha
– Com que desplante falar do mais além?

Alguém passa a contar pelos dedos
– Como falar do não-eu sem dar um grito?
.

Un hombre pasa con un pan al hombro…
Un hombre pasa con un pan al hombro.
¿Voy a escribir, después, sobre mi doble?

Otro se sienta, ráscase, extrae un piojo de su axila, mátalo.
¿Con qué valor hablar del psicoanálisis?

Otro ha entrado en mi pecho con un palo en la mano.
¿Hablar luego de Sócrates al médico?

Un cojo pasa dando el brazo a un niño. ¿
Voy, después, a leer a André Bretón?

Otro tiembla de frío, tose, escupe sangre.
¿Cabrá aludir jamás al Yo profundo?

Otro busca en el fango huesos, cáscaras.
¿Cómo escribir después del infinito?

Un albañil cae de un techo, muere y ya no almuerza.
¿Innovar, luego, el tropo, la metáfora?

Un comerciante roba un gramo en el peso a un cliente.
¿Hablar, después, de cuarta dimensión?

Un banquero falsea su balance.
¿Con qué cara llorar en el teatro?

Un paria duerme con el pie a la espalda.
¿Hablar, después, a nadie de Picasso?

Alguien va en un entierro sollozando.
¿Cómo luego entrar a la Academia?

Alguien limpia un fusil en su cocina.
¿Con qué valor hablar del más allá?

Alguien pasa contando con sus dedos.
¿Cómo hablar del no-yo sin dar un grito?
– César Vallejo, no livro “Antologia Poética de César Vallejo”. [seleção, tradução prólogo e notas José Bento]. Lisboa: editora Relógio D’Água, 1992.

 

§

“Trilce”

XXVIII

Somente agora almocei, e não tive
mãe, nem súplica, nem serve-te, nem água,
nem pai que, no facundo ofertório
das chancas, pergunte para sua tardança
de imagem pelos broches maiores de som.
Como eu iria almoçar. Como me serviria
de tais pratos distantes essas coisas
quando se houvesse quebrado o próprio lar,
quando não surge nem mãe aos lábios.
Como eu iria almoçar nonada.
À mesa de um bom amigo almocei
com seu pais recém chegado do mundo,
com suas velhas tias que falam
em torto recinto de porcelana,
cochichando por todos seus viúvos alvéolos;
e com cobertos francos de alegres tiroliros,
porque estão em sua casa. Assim, que graça!
E me doeram as facas
desta mesa em todo o paladar.
O jantar destas mesas assim, em que se prova
amor alheio em vez do próprio amor,
torna terra o bocado que não brinda a
……………………………….. MÃE,
torna golpe a dura deglutição; o doce,
fel; azeite fúnebre, o café.
Quando já se quebrou o próprio lar,
e o serve-te não sai da
tumba,
a cozinha às escuras, a miséria de amor.
.

XXVIII
He almorzado solo ahora, y no he tenido
madre, ni súplica, ni sírvete, ni agua,
ni padre que, en el facundo ofertorio
de los choclos, pregunte para su tardanza
de imagen, por los broches mayores del sonido.
Cómo iba yo a almorzar. Cómo me iba a servir
de tales platos distantes esas cosas,
cuando habráse quebrado el propio hogar,
cuando no asoma ni madre a los labios.
Cómo iba yo a almorzar nonada.
A la mesa de un buen amigo he almorzado
con su padre recién llegado del mundo,
con sus canas tías que hablan
en tordillo retinte de porcelana,
bisbiseando por todos sus viudos alvéolos;
y con cubiertos francos de alegres tiroriros,
porque estánse en su casa. Así, ¡qué gracia!
Y me han dolido los cuchillos
de esta mesa en todo el paladar.
El yantar de estas mesas así, en que se prueba
amor ajeno en vez del propio amor,
torna tierra el brocado que no brinda la
………………………………….. MADRE,
hace golpe la dura deglución; el dulce,
hiel; aceite funéreo, el café.
Cuando ya se ha quebrado el propio hogar,
y el sírvete materno no sale de la
tumba,
la cocina a oscuras, la miseria de amor.
– César Vallejo, em “Antologia peruana essencial”. [organização e tradução Floriano Martins]. in: Poesia sempre, nº 28, Ano 15, 2008.

§

Trilce

XIII
Penso em teu sexo.
Simplificado o coração, penso em teu sexo,
ante a ilharga madura do dia.
Palpo o broto de febre, está em sezão.
E morre um sentimento antigo
degenerado em senso.
Penso em teu sexo, sulco mais prolífico
e harmonioso do que o ventre da Sombra,
embora a Morte conceba e paira
de Deus mesmo.
Oh Consciência,
penso no bruto livre, sim,
que goza aonde quer, aonde pode.
Oh, escândalo de mel destes crepúsculos.
Oh estrondo mudo.
Odumodnortse!
.

XIII

Pienso en tu sexo.
Simplificado el corazón, pienso en tu sexo,
ante el hijar maduro dei dia.
Palpo el botón de dicha, está en sazón.
Y muere un sentimiento antiguo
degenerado en seso,
Pienso en tu sexo, surco más prolífico
y armonioso que el vientre de Ia Sombra,
aunque la Muerte concibe y pare
de Dios mismo.
Oh Conciencia,
pienso, si, en el bruto libre
que goza donde quiere, donde puede.
Oh, escândalo de miel de los crepúsculos.
Oh estruendo mudo.
¡Odumodneutse!
– César Vallejo, “A dedo”. [tradução Amálio Pinheiro].. Edição bilingue. São Paulo: Arte Pau-Brasil, 1988.
– César Vallejo, “Trilce”, (1922).

***

César Vallejo

BREVE BIOGRAFIA DE CÉSAR VALLEJO
César Abraham Vallejo nasceu em 16 de Março de 1892, em Santiago de Chuco, Perú, região andina localizada ao norte do Perú, no seio de uma família com origens espanholas e indígenas. Desde pequeno conheceu a miséria, mas teve o afeto familiar que longe do qual tinha um incurável sentimento de orfandade. Estudou na Universidade de Trujillo, cidade onde descobriu a boemia influenciado por jornalistas, escritores e políticos rebeldes. Em Trujillo, Vallejo publicou seus primeiros poemas antes de chegar a Lima no final de 1917. Nesta cidade lança seu primeiro livro: Los Heraldos Negros (impresso em 1918, lançado em 1919), um dos mais representativos exemplos de posmodernismo. Em 1920 faz uma visita a sua cidade natal e acaba se envolvendo em confusões que o levaram a cadeia aonde permaneceu por cerca de três meses; esta experiência teve uma profunda influência em sua vida e em sua obra, refletindo diretamente em vários poemas de seu segundo livro, Trilce (1922). Considerada como uma obra fundamental pela renovação da linguagem poética hispanoamericana, pois em Trilce, Vallejo se afasta dos modelos tradicionais que até então havia seguido, adotando uma linha mais modernista e realizando um angustiante e desconcertante mergulho nos abismos da condição humana, que nunca antes haviam sido explorados.

No ano seguinte parte para Paris, aonde permanecerá (fazendo algumas viagens a União Soviética, Espanha e outros países europeus) até o fim de seus dias. Em París, viveu em extrema pobreza e grande sofrimento físico e moral. Participa com amigos como Huidobro, Gerardo Diego, Juan Larrea e Juan Gris de atividades de cunho vanguardista renunciando a sua própria obra Trilce e em 1927 aparece firmemente comprometido com o marxismo em sua atividade intelectual e política. Escreve artigos para periódicos e revistas, peças teatrais, relatos e ensaios de intenção propagandistas, como Russia em 1931. Inscrito no Partido Comunista da Espanha (1931) e designado para ser correspondente acompanha os acontecimentos da Guerra Civil e escreve o seu poema mais político: España, aparta de mi este cáliz, que aparece em 1939 impresso por soldados do exército republicano. Toda a obra poética escrita em París, e que Vallejo publicou parcamente em diversas revistas, apareceria postumamente nesta cidade com o título: Poemas humanos (1939). Nesta produção é visível seu esforço em superar o vazio e o niilismo de Trilce e em incorporar elementos históricos e da realidade concreta (peruana, européia, universal) com os que pretendem manifestar uma apaixonada fé na luta dos homens pela justiça e solidariedade social.
Fonte bio: Cultura Pará/art

César Vallejo, por Pablo Picasso – 1938

“e se vi, que me escutem pois, em bloco,
se toquei esta mecânica, que vejam
lentamente,
aos poucos, vorazmente, minhas trevas.
(De Panteão – César Vallejo)

Obra de César Vallejo em português
:: Poesia completa. César Vallejo. [tradução Thiago de Mello]. Rio de Janeiro: Philobiblion, Instituto Municipal de Arte e Cultura, 1985; Belo Horizonte: Itatiaia, 2005.
:: A dedo. César Vallejo. [tradução Amálio Pinheiro]. Edição bilíngue. São Paulo: Arte Pau-Brasil, 1988.
:: Antologia Poética de César Vallejo. [seleção, tradução prólogo e notas José Bento]. Lisboa: editora Relógio D’Água, 1992.
:: Contra o segredo profissional. César Vallejo. [tradução Antônio Moura]. Bauru SP: Lumme, 2006.
Antologia (participação)
:: Antologia Poética Ibero-Americana. [tradução de Anderson Braga Horta; Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera]. Cuiabá: Asociación de Agregados Culturales Iberoamericanos, 2006.
:: Poetas da América de canto castelhano. [seleção, tradução e notas de Thiago de Mello]. São Paulo: Global Editora, 2011.

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