O tempo despiu o seu manto
O tempo despiu o seu manto
De chuva e de vente gelado:
Vestiu-se de ouro em brocado,
Fiado do sol claro e santo.
E diz todo bicho, em seu canto
E jargão, sem asas e alado:
O tempo despiu o seu manto.
O córrego, o regato e a fonte,
Em sua libré aristocrata,
De gotas de jóias de prata,
Festejam as roupas do encanto:
O tempo despiu o seu manto.
.
Le temps a laissié son manteau
Le temps a laissié son manteau
De vent, de froidure et de pluye,
Et s’est vestu de brouderie,
De soleil luyant, cler et beau.
Il n’y a beste, ne oyseau,
Qu’en son jargon ne chante ou crie
Le temps a laissié son manteau
De vent, de froidure et de pluye.
Riviere, fontaine et ruisseau
Portent, en livree jolie,
Gouttes d’argent, d’orfaverie ;
Chascun s’abille de nouveau
Le temps a laissié son manteau.
– Charles d’Orleans. [tradução Décio Pignatari]. Poesia Pois É Poesia 1950-2000. Décio Pignatari. Cotia, SP: Ateliê Editorial; Campinas, SP: Editora Unicamp, 2004.
§
Canção LXXIII
Jovens, novéis namorados,
Chegada a nova estação,
Pelas ruas, sem razão,
Vão saltando em cavalgada.
E fogo, do chão calçado,
Arrancam, qual do carvão.
Jovens, novéis namorados,
Chegada a nova estação.
Não sei se é bem empregado
Tanto trabalho, se não.
Mas qual seus cavalos vão
Os donos esporeados.
Jovens, novéis namorados.
.
Chanson LXXIII
Jeunes amoureux nouveaux,
En la nouvelle saison,
Par les rues, sans raison
Chevauchent faisant les sauts.
Et font saillir des carreaux
Le feu, comme de charbon:
Jeunes amoureux nouveaux
En la nouvelle saison.
Je ne sais si leurs travaux
Ils emploient bien ou non;
Mais piqués de l’éperon
Sont autant que leurs chevaux,
Jeunes amoureux nouveaux.
– Charles d’Orléans, [tradução Ivone Castilho Benedetti]. in: ‘Charles d’Orléans, duas canções e uma trajetória’ de Ivone C. Benedetti. Revista (USP) – Cadernos de Literatura em Tradução, n. 6, 2005. p. 129-140.
§
Canção LXXIV
Cuida das setas da janela,
Amante que nas ruas vais,
Porque são elas mais mortais
Que setas de arco, que quadrelos.
Não olhes esta parte, aquela,
Baixar os olhos convém mais.
Cuida das setas da janela,
Amante que nas ruas vais.
Se médico por ti não zela,
E se ferido acaso cais,
Entrega a alma a Deus, ao pai,
A morte é certa: ao padre apela.
Cuida das setas da janela.
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Chanson LXXIV
Gardez le trait de la fenestre,
Amans, qui par ruez passez,
Car plus tot en serez blessez
Que de trait d’arc ou d’alabestre
N’alez a destre ne a senestre
Regardant, mais le yeulx bessez;
Gardez le trait de la fenestre,
Amans, qui par ruez passez,
Se n’avez medecin, bon maistre,
Si tost que vous serez navrez
A Dieu soyez recommendez;
Mort vous tiens, demandez le prestre:
Gardez le trait de la fenestre.
– Charles d’Orléans, [tradução Ivone Castilho Benedetti]. in: ‘Charles d’Orléans, duas canções e uma trajetória’ de Ivone C. Benedetti. Revista (USP) – Cadernos de Literatura em Tradução, n. 6, 2005. p. 129-140.
§
BREVE BIOGRAFIA
Charles d’Orléans, poeta francês do século XV. (24 de novembro de 1394 — 5 de janeiro de 1465), tornou-se duque d’Orleães em 1407. É hoje lembrado como um bem-sucedido poeta, tendo produzido mais de 500 poemas – a maioria deles durante seus 25 anos como prisioneiro de guerra.
Referências
BENEDETTI, Ivone Castilho. Charles d’Orléans, duas canções e uma trajetória’. Revista (USP) – Cadernos de Literatura em Tradução, n. 6, 2005. p. 129-140. Disponível no link. (acessado em 19.7.2016).
BENEDETTO, Luana C.. Alegoria medieval: onde se situa a poesia de Charles d’orléans?. in: Conexão Letras – Instituto de Letras UFRGS, v. 1, n. 1, 2005. Disponível no link. (acessado em 19.7.2016).
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