O álbum Choro Negro: Cristovão Bastos e Mauro Senise tocam Paulinho da Viola. Disponível em formato físico e digital pela gravadora Biscoito Fino. Disco indicado ao Grammy Latino 2023, na categoria “Melhor Álbum Instrumental”
O samba chorado de Paulinho da Viola
A homenagem a Paulinho da Viola celebra também os 80 anos do mestre
O álbum lançado em 14 de outubro (2022) em formato físico e digital pela gravadora Biscoito Fino.
– por Roberto Muggiati
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A este nosso ruidoso momento, o álbum Choro Negro: Cristovão Bastos e Mauro Senise tocam Paulinho da Viola vem contrapor o som quase silente do grande mestre da Portela. Já alertava Rimbaud, “par délicatesse j’ai perdu ma vie”, num contexto social que ele chamou de “le temps des assassins.” Pois é armado de suavidade e delicadeza, afrontando a brutalidade dos homens e das ruas, que Paulinho da Viola tece na calada da noite sonhos que tocam fundo na alma e nos dedos de Cristovão e Mauro. Um antídoto para os venenosos dias de hoje, um maná para nossos anseios mais profundos.
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Ana Luisa Marinho fala da gênese deste álbum: “Há muito tempo Cristovão e Mauro queriam formar um duo. Cristovão vem fazendo arranjos e participando dos CDs do Mauro, que por sua vez já atuou em alguns discos do Cristovão. Os dois são muito amigos e este projeto é o resultado dessa amizade e admiração mútua. O catalisador foi Paulinho da Viola. Mauro sempre admirou suas melodias, tão modernas e elegantes. Cristovão é parceiro e compadre do Paulinho, que completa 80 anos em novembro. Portanto, esta homenagem faz todo sentido”.
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O álbum abre com “Um choro pro Waldir”, tributo de Paulinho ao mestre do cavaquinho e autor de “Brasileirinho”. Parceiro de Paulinho nessa canção, Cristovão Bastos faz uma introdução singela, alternando à perfeição os intervalos com som e silêncio, em notas cristalinas de piano, tão revigorantes nesta época de sintetizadores e teclados eletrônicos. Há também algo mais no seu toque, que Edu Lobo soube pinçar admiravelmente: “O Cristovão, além da riqueza harmônica, tem a qualidade muito especial de ter um toque carioca, por mais que ele conheça tudo do jazz e muito da música clássica. É formidável esse sotaque do Rio, o que cria uma intimidade ainda maior com os seus ouvintes. ”
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Para este choro lento, Mauro escolheu o sopro ideal da flauta.
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“Nada de novo” é de uma poesia cortante com sua letra cinematográfica: “Papéis sem conta/ Sobre a minha mesa/ O vento espalha as cinzas que deixei/ Em forma de poemas antigos/ Relidos/ Perdido enfim confesso/ Até chorei/ Nada mais importa/ Você passou/ Meu samba sem razão / Se acabou/ Um sonho foi desfeito/ Alguma coisa diz/ Preciso abandonar/ Os versos que já fiz/ Nada de novo/ Capaz de despertar/ Minha alegria.”
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Volto a insistir no Axioma de Lester Young. Segundo o saxofonista tenor pai do estilo cool, todo instrumentista precisa ter sempre na cabeça a letra da canção. Vi Mauro outro dia, num depoimento à TV, contar como amadureceu na arte do improviso com a ajuda de Wagner Tiso. Aprendeu que improvisar não era sair por aí a mil tocando escalas e frases feitas. Era muito mais: tratava-se de “contar uma história”. A criação de uma nova melodia, dentro da grade harmônica do tema escolhido, exige que ela tenha também algo a ver com a “história” original.
A qualidade vocal dos solos do piano de Cristovão e do sax soprano de Mauro surge ainda mais acentuada em “Coração leviano”: “Trama em segredo teus planos/ Parte sem dizer adeus/ Nem lembra dos meus desenganos/ Fere quem tudo perdeu/ Ah coração leviano não sabe o que fez do meu.”
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Nesta faixa o duo é acrescido do baixo de Jeff Lescowich e da percussão de Jurim Moreira, ambos tão sutis que dão continuidade à atmosfera minimalista do álbum. O quarteto prossegue em “Para um amor no Recife”, outra promenade pelo romantismo nostálgico de Paulinho. Mauro acentua o clima alternando-se na flauta em sol e no sax alto.
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“Vinhos finos… cristais”, parceria de Paulinho com Capinam, suscitou este arroubo de Edu Lobo: “É uma bela canção de Paulinho que poderia ser o título do CD, porque é isso que ele é mesmo – canções que remetem aos grandes compositores como Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola, Zé Kéti e Nelson do Cavaquinho (e tantos outros). Mas que carregam a assinatura fina, cristalina e extremamente pessoal do nosso Paulinho.”
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Com seu riff envolvente, “Sarau para Radamés” – homenagem a Gnatalli, o Mestre de todos – atesta a rica cornucópia rítmica do instrumental brasileiro, da jazzfieira ao jasmineiro, da sambossa ao sambop, do pife ao xote, do forró ao xaxado. O próprio Paulinho rotulou esse tema como “samba chorado”. Jeff Lescowich faz um belo solo de baixo e Jurim Moreira conduz a navegação com o seu pandeiro. Outro debate se impõe aqui: a falsa dicotomia entre erudito e popular, que Mário de Andrade derrubou na sua frase irreverente: “Popular é o ruim gostoso…”
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Assim como “Sarau”, Paulinho gravou “Choro negro” como tema instrumental. A faixa-título, traz Mauro no sax soprano, que também intervém em “Tudo se transformou”, com o quarteto de volta. “E a razão desta tristeza é saber que o nosso amor passou. ” Reparem na releitura semioculta obsessiva da segunda parte de “Chega de Saudade” (presente na gravação original de Paulinho) e uma citação fugaz a “Este seu olhar” que Cristovão faz ao longo de seus solos. E observem também o andamento de sambolero, comentário irônico à sofrência da letra.
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As múltiplas passagens em uníssono entre piano e sopro atestam a força dessa simbiose musical entre Cristovão e Mauro. Com este álbum, Senise acrescenta mais um grande compositor da MPB à sua série de Songbooks, que já inclui Edu Lobo (Casa Forte), Dolores Duran e Sueli Costa (Lua cheia), Noel Rosa (com Gilson Peranzzetta), Gilberto Gil (Amor até o fim) e Johnny Alf (Ilusão à toa). E Cristovão Bastos não só reforça seu compadrio literal e figurado com Paulinho da Viola, mas o brinda ainda com a décima e última faixa do disco, “Outonal”. Alusão à idade a que chega Paulinho, o que não o desmerece, ao contrário: o torna eterno no coração brasileiro. Coração que, nesta encruzilhada crítica e nestes tempos chorados, pulsa mais forte em nossa arte e principalmente em nossa música.
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EDU LOBO: Fui convidado por dois queridos amigos, Mauro e Cristovão pra escrever umas linhas sobre o CD que eles acabam de gravar em homenagem ao Paulinho da Viola. Então, vamos supor que essas palavras façam parte de uma conversa, nunca de uma crítica. O resultado de um encontro amigável em que se pode contar tudo o que se sente sem reservas. Vinhos Finos…Cristais é uma das faixas do trabalho. E uma bela canção de Paulinho que poderia ser o título do CD, porque é isso que ele é mesmo – canções que remetem aos grandes compositores como Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola, Zé Kéti e Nelson do Cavaquinho (e tantos outros). Mas que carregam a assinatura fina, cristalina e extremamente pessoal do nosso Paulinho, que revê com respeito e admiração canções de grandes compositores. E como eu já disse, imprimindo a sua marca poderosa e moderna. É um registro pra ser ouvido com certeza, pra sempre. Agora é a hora de falar dos meus dois amigos: trabalhamos juntos há muitos anos, em discos, trilhas para o teatro e para o cinema, apresentações em muitos lugares, aqui e em outros países, então me sinto confortável pra dizer que nos conhecemos muitíssimo bem e é por esta razão que é sempre tão fácil dividir os estúdios e os palcos com eles. E é esse sentimento que move o estímulo e a confiança em correr riscos em alguns momentos, tão fundamentais em qualquer ato de criação. Porque em qualquer tipo de arte, seja o teatro, a literatura, o cinema, a pintura e a arquitetura, sem coragem no peito, não se constrói absolutamente nada. O Cristovão, além da riqueza harmônica, tem a qualidade muito especial de ter um toque carioca, por mais que ele conheça tudo do jazz e muito da música clássica. É formidável esse sotaque do Rio, o que cria uma intimidade ainda maior com os seus ouvintes. Quanto ao Mauro, aluno especial do grande Paulo Moura, é saxofonista e flautista de primeira linha e cuida muito bem das melodias e contracantos das canções do Paulinho, com elegância e classe. Pra encerrar esta minha conversa, abraços ao Jurim Moreira, que foi o percussionista, e ao Jeff Lescowich, que tomou conta do contrabaixo, duas grandes e importantes participações. Se o CD vai ser um campeão de vendas, eu não sei dizer, mas certamente vai fazer um bem enorme aos corações de muita gente que eu conheço.
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— O disco celebra os 80 anos de Paulinho da Viola, mestre da nossa música! —
♪Músicas / compositores:
1. Um choro pro Waldir (Paulinho da Viola e Cristovão Bastos)
2. Nada de novo (Paulinho da Viola)
3. Coração leviano (Paulinho da Viola)
4. Para um amor no Recife (Paulinho da Viola)
5. Vinhos finos…cristais (Paulinho da Viola)
6. Sarau para Radamés (Paulinho da Viola)
7. Choro negro (Paulinho da Viola e Fernando Costa)
8. Tudo se transformou (Paulinho da Viola)
9. Não me digas não (Paulinho da Viola e Cristovão Bastos)
10. Outonal (Cristovão Bastos) / Dedicada a Paulinho da Viola
– ficha técnica –
Cristovão Bastos (arranjos e piano – todas as fxs.) | Mauro Senise (flauta – fx. 1, 6, 9; sax alto – fx. 2, 4, 5, 10; sax soprano – fx. 3, 7, 8; flauta em sol – fx. 4) || Participação especial: Jeff Lescowich (contrabaixo – fx. 3, 4, 6, 8, 9) | Jurim Moreira (bateria e pandeiro – fx. 3, 4, 6, 8, 9) || – Choro Negro – Concepção do projeto: Cristovão Bastos, Mauro Senise e Ana Luisa Marinho | Direção musical: Cristovão Bastos e Mauro Senise | Produção executiva: Ana Luisa Marinho | Gravação e mixagem: Lucas Ariel | Assistente de gravação: Pedro Mesquita e Renato Faya | Masterização: Luiz Tornaghi / Estúdio Bat Mastersom || Capa + encarte – Projeto gráfico: Felipe Taborda | Design: Augusto Erthal | Ilustrações: Fidel Sclavo | Fotos: Nana Moraes | Texto apresentação: Edu Lobo || Imprensa + mídias online – Assessoria de imprensa: Nanda Dias & Nani Santoro | Mídia online (Cristovão): Elfi Kürten Fenske | Mídia online (Mauro): Leonardo Castilho/ Agência Métrica || – Biscoito Fino – Direção geral: Kati Almeida Braga | Direção artística: Olivia Hime | Direção executiva: Jorge Lopes | Gerência de A&R: Rafael Freire | Gerência de marketing: Marcela Maia || Selo: Biscoito Fino | Formato: CD digital / CD físico | Ano: 2022 | Lançamento: 14 de outubro | *Disco indicado ao Grammy Latino 2023, na categoria “Melhor Álbum Instrumental” | 🎥DVD – assista o registro das gravações do CD, nos canais oficiais de Cristovão e Mauro|| 🎵Ouça o álbum completo na sua plataforma digital favorita || 🌀♫Compre o disco físico no site da Biscoito Fino
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Leia também:
:: Encontro histórico, o piano de Cristovão Bastos e o violão 7 cordas de aço de Rogério Caetano.
:: João Lyra e Cristovão Bastos lançam álbum “Varandão”, dedicado ao choro.
:: Ilusão à toa – Mauro Senise toca Johnny Alf.
:: ‘Todo Sentimento’, álbum de Mauro Senise e Romero Lubambo.
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*Imagem (capa da matéria): Cristovão Bastos e Mauro Senise – foto ©Nana Moraes / CD ‘Choro negro’.
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Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Música instrumental / Choro / Jazz.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske
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