Em ratos, a cafeína evita o acúmulo de proteínas no cérebro que desencadeia o Alzheimer e outras complicações neurodegenerativas. A descoberta poderá ajudar na criação de medicamentos com efeito preventivo
A demência é uma complicação capaz de prejudicar consideravelmente a qualidade de vida de idosos. No planeta, cerca de 46 milhões de pessoas são acometidas por ela. Um universo de pacientes que motiva cientistas a encontrar soluções para o problema. Em testes com ratos, um grupo dos Estados Unidos identificou a cafeína como substância promissora. A investigação, apresentada nesta semana na revista Scientific Reports, ainda é inicial, mas surge como uma esperança para a criação de medicamentos que possam proteger o cérebro de danos cognitivos.
Em trabalhos anteriores, a equipe descobriu que a enzima NMNAT2 tem duas ações benéficas ao cérebro: protege os neurônios do estresse e realiza um fenômeno chamado chaperone, que é o combate ao acúmulo de proteínas tau, complicação ligada ao Alzheimer e a outras demências. “Ela é um fator-chave de manutenção neuronal. Um robusto sistema de manutenção é necessário para manter os neurônios saudáveis e protegê-los do estresse ao longo de nossa vida. Nosso estudo publicado no ano passado foi o primeiro a revelar a função chaperone na enzima”, detalha ao Correio Hui-Chen Lu, líder da pesquisa e professora do Departamento de Ciências Psicológicas e Cérebro da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.
Em análises paralelas, os cientistas avaliaram o cérebro de 500 idosos submetidos a testes cognitivos frequentes até morrerem. Os investigadores detectaram níveis mais elevados de NMNAT2 naqueles com maior resistência ao declínio cognitivo. “Vimos também que as pessoas com uma quantidade menor da enzima foram mais propensas a sofrer de demência, sugerindo que a NMNAT2 ajuda a preservar neurônios relacionados com a aprendizagem e a memória”, detalha a autora do estudo.
Hui-Chen Lu e a equipe saíram em busca de alguma substância que pudesse ajudar a aumentar a quantidade da enzima no cérebro. Testaram 1.280 compostos em ratos. Como resultado, a cafeína e outros 23 compostos mostraram o potencial almejado pelos pesquisadores, com a primeira sobressaindo. O rolipram também se mostrou promissor, mas esse antidepressivo parou de ser produzido na década de 90 devido aos efeitos colaterais.
Para confirmar o efeito da substância presente no café, os investigadores a administraram em camundongos modificados geneticamente para produzir níveis mais baixos de NMNAT2. “Os ratinhos que receberam a cafeína começaram a produzir os mesmos níveis da enzima que os ratinhos sem o problema”, resume a autora. “Esse trabalho poderia ajudar a avançar esforços para desenvolver medicamentos que aumentem os níveis dessa enzima no cérebro, criando um químico capaz de bloquear os efeitos debilitantes de diversas doenças neurodegenerativas.”
Fase inicial
Para Amauri Araújo Godinho, neurologista e neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), o trabalho norte-americano é interessante, mesmo em uma etapa bastante inicial. “Esse mecanismo de acúmulo das células tau é conhecido, e uma substância que evite isso seria algo bastante valioso. Mas os resultados ainda são muito experimentais”, pondera. “Outro ponto que temos que ressaltar é que não podemos especificar que o mesmo efeito benéfico ocorra em todas as doenças. O Parkinson, por exemplo, não tem sintomas de demência. No caso da doença de Huntington, os problemas também são outros”, ressalta.
O médico, que não participou do estudo, também destaca que a escolha da cafeína foi uma estratégia inteligente. “Sabemos que drogas clássicas, como os benzodiazepínicos — o Rivotril e o Lexotan, por exemplo —, prejudicam a formação da memória e que esse efeito é contrário em estimulantes, como a cafeína, a cocaína e a ritalina. Por isso, esse resultado era esperado, é um raciocínio bastante lógico”, ressalta. Godinho também aposta que o trabalho possa ajudar na criação de medicamentos. “Talvez não só a cafeína, mas também esse antidepressivo que se mostrou muito promissor, sirva como base para que os cientistas copiem seu efeito”, opina.
Os autores darão continuidade à pesquisa. Outro ponto importante a ser explorado, segundo eles, é entender por que a enzima NMNAT2 sofre diminuição no corpo humano. “Aumentar nosso conhecimento sobre os caminhos no cérebro que parecem naturalmente causar o declínio dessa molécula é tão necessário e tão importante quanto a identificação de compostos que poderiam desempenhar um papel no tratamento desses transtornos mentais debilitantes”, justifica a autora.
Fonte: Correio Braziliense
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