A bela teta
Teta perfeita, branca como um ovo,
Teta de cetim feita, cetim novo,
Teta da qual a rosa tem vergonha,
Teta melhor que tudo o que se sonha,
Teta dura, nem teta, mas enfim
.
Comparável a bola de marfim,
E no centro da qual somente esteja
Um rubi de morango ou de cereja
Que ninguém vê nem toca por enquanto,
Mas que aposto ser tal como eu o canto:
.
Teta de bico pois tão encarnado
Que parece por agora sossegado,
Quer ela vá correndo ou vá andando,
Quer ela vá partindo ou vá saltando:
Teta do lado esquerdo, tão matreira,
Sempre longe da sua companheira,
Teta que és testemunha e viva imagem
De compostura tal da personagem
Que só de ver-te assim como te vejo
Nasce dentro das mãos este desejo
De toda te palpar e possuir:
Mas é preciso eu próprio me impedir
De mais me aproximar, pois não duvido
Depois desse desejo outro surgido…
Ó teta nem modesta nem vistosa,
Teta madura, teta apetitosa,
Teta que noite e dia ouço gritar:
“Depressa me casai, quero casar!”
.
Com justiça, feliz se vai dizer
Aquele que de leite te há-de encher,
Fazendo de uma teta de donzela
Teta de dona inteiramente bela.
.
.
Blason du beau tétin
Tetin refaict, plus blanc qu’un oeuf,
Tetin de satin blanc tout neuf,
Tetin qui fait honte à la rose,
Tetin plus beau que nulle chose ;
Tetin dur, non pas Tetin, voyre,
Mais petite boule d’Ivoire,
Au milieu duquel est assise
Une fraize ou une cerise,
Que nul ne voit, ne touche aussi,
Mais je gaige qu’il est ainsi.
Tetin donc au petit bout rouge
Tetin qui jamais ne se bouge,
Soit pour venir, soit pour aller,
Soit pour courir, soit pour baller.
Tetin gauche, tetin mignon,
Tousjours loing de son compaignon,
Tetin qui porte temoignaige
Du demourant du personnage.
Quand on te voit il vient à mainctz
Une envie dedans les mains
De te taster, de te tenir ;
Mais il se faut bien contenir
D’en approcher, bon gré ma vie,
Car il viendroit une aultre envie.
O tetin ni grand ni petit,
Tetin meur, tetin d’appetit,
Tetin qui nuict et jour criez
Mariez moy tost, mariez!
Tetin qui t’enfles, et repoulses
Ton gorgerin de deux bons poulses,
A bon droict heureux on dira
Celluy qui de laict t’emplira,
Faisant d’un tetin de pucelle
Tetin de femme entiere et belle.
– “De Clément Marot a Louise Labé”/David Mourão-Ferreira (tradução). in: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 168/169, Jul. 2004, p. 55-61.
§
Adeus às damas da corte
Adeus à corte, adeus às damas,
Adeus meninas e senhoras,
Adeus vos digo por uns tempos,
Adeus suaves passatempos,
Adeus ao baile, adeus à dança,
Adeus compasso, adeus festança,
Violas, bombos e guitarra,
Pois que partimos para a guerra.
Adeus olhares graciosos,
Vozes dos corações ciosos;
Adeus pensamentos perfeitos,
Despeitados ou satisfeitos;
Adeus harmonias fiéis
DE canções, odes e rondéis;
Adeus tristonho apartamento,
Adeus saudades e tormento,
Adeus ao mordomo e à letra,
Adeus à corte, à etiqueta,
Adeus amizade leal,
Tanto quanto foras real,
Guardada em fé digna de lei
Por coração digno de rei.
Adeus amiga destes dias,
Primeira em beleza e valias;
Peço-lhe que devolva aqui
O coração que lhe ofereci,
Assim, na guerra onde estarei,
O meu senhor eu servirei.
Quando de vós se recordar,
A honra o fará desviar
Para as armas e os altos feitos:
Se dele surtissem efeitos
Dignos de aprovação inteira,
Seríeis única herdeira,
Lembrai pois vosso coração,
Que pousarei na vossa mão
Se então voltar querendo Deus.
.
Assim termino o meu adeus.
.
.
Adieu aux Dames de la Cour
Adieu la cour, adieu les dames,
Adieu les filles et les femmes,
Adieu vous dis pour quelques temps,
Adieu vos plaisants passetemps;
Adieu le bal, adieu la danse,
Adieu mesure, adieu cadence,
Tambourin, haubois et violons,
Puisqu’à la guerre nous allons.
Adieu les regards gracieux,
Messagers des coeurs soucieux ;
Adieu les profondes pensées,
Satisfaites ou offensées ;
Adieu les harmonieux sons
De rondeaux, dizains et chansons ;
Adieu piteux département,
Adieu regrets, adieu tourment,
Adieu la lettre, adieu le page,
Adieu la cour et l’équipage,
Adieu l’amitié si loyale,
Qu’on la pourrait dire royale,
Etant gardée en ferme foi
Par ferme coeur digne de roi.
Adieu ma mie la dernière,
En vertus et beauté première ;
Je vous prie me rendre à présent
Le coeur dont je vous fis présent,
Pour, en la guerre où il faut être,
En faire service à mon maître.
Or quand de vous se souviendra,
L’aiguillon d’honneur l’époindra
Aux armes et vertueux faits :
Et s’il en sortait quelque effet
Digne d’une louange entière,
Vous en seriez seule héritière.
De votre coeur donc se souvienne,
Car si dieu veut que je revienne,
Je le rendrai en ce beau lieu.
.
Or je fais fin à mon adieu.
– Clément Marot [tradução Filipe Jarro].
§
BREVE BIOGRAFIA
Clément Marot (1496-1544) – poeta renascentista francês, cujo pai, Jean Marot, foi um dos chamados grandes retóricos(1) que tentaram abandonar as regras das formas fixas, que já não eram capazes de servir ao novo estilo de composição. Clément Marot procurou utilizar uma linguagem mais direta e coloquial, optando por pequenas estrofes e trabalhando a alternância entre rimas graves (acento tônico sobre a penúltima sílaba) e agudas (acento tônico sobre a última sílaba), características que acabaram por se incorporar à poesia francesa desse período.
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(1) Poetas que sob a influência dos humanistas italianos tentaram reviver as idéias clássicas na poesia.
Outros cantos
:: Les épigrammes – Clément Marot (1496-1544) – Œuvre – Ressources
:: Les épigrammes – Clément Marot
:: Les grands poèmes classiques – Clément Marot
:: Clément Marot (1496-1544) | Musée virtuel du Protestantisme