São mais de cinco décadas de uma trajetória ancorada na devoção à musicalidade nordestina e brasileira transpirada em sucessos, trilhas sonoras e parcerias inesgotáveis. Esse tempo calibrado na resistência de um dos grupos mais longevos do país forja o álbum comemorativo dos 50 anos de vida da Banda de Pau e Corda, “Entre a Flor e a Cruz”, com lançamento pelo selo Biscoito Fino. O disco faz jus à tenacidade musical: está repleto de inspiração e coroado pela participação de artistas renomados.
.
O trabalho, produzido mais uma vez por José Milton – que acompanha o grupo desde o primeiro álbum, em 1973 -, agora em parceria com Alexandre Baros (também baterista do grupo), tem arranjos de Zé Freire e de Waltinho, além de participações de Lenine, Padre Fábio de Melo, Fagner, Juliana Linhares e Marcos Valle.
O álbum-celebração se rende aos 50 anos do grupo. A faixa que abre o disco é justamente a canção “Vivência”, de autoria de Waltinho e Roberto Andrade – fundadores da Banda junto com o irmão e vocalista Sérgio Andrade, remanescente da formação original. A canção foi o primeiro sucesso do grupo e deu nome ao disco lançado em 1973 – do qual também foi a faixa de abertura. O arranjo original é preservado, tendo apenas a diferença da bateria, que agora substitui a percussão da época. Logo em seguida, é a vez da canção “Moer Cana”, ciranda de autoria do paraibano Chico César, que, na versão da Banda de Pau e Corda, conta com a participação especial do cantor Lenine. O encontro entre Pernambuco e Paraíba é celebrado como uma reverência recíproca entre gerações que se influenciaram mutuamente e marcaram a forma de fazer a música popular brasileira a partir do filtro nordestino.
.
A terceira canção batiza o título do disco. “Entre a Flor e a Cruz” é uma composição do pernambucano PC Silva em parceria com Gean Ramos Pankararu, dois dos principais compositores pernambucanos desta geração. Ambos vêm recebendo projeção nacional e possuem em comum a origem sertaneja que influencia sua poética, sem deixar com que sirva como obstáculo para que dialoguem com temas e públicos universais. A prova é a própria canção, que expressa na letra uma história de amor vivida com a intensidade dos grandes poetas. “E eu que media meu dias nos teus, reguei teus sonhos bem mais que os meus. Ressurgiu meu olhar, o meu brilho. Meu poema ganhou mais estribilho”, diz o refrão interpretado por Sérgio Andrade com doçura, suavidade e harmonia.
Mais uma vez revisitando seus sucessos, a quarta faixa é uma regravação da canção “Areia”, de autoria de Sérgio Andrade e de Waltinho, que também assina o arranjo original. Dessa vez, no entanto, a interpretação da música é dividida com o cearense Raimundo Fagner, num dueto emocionante – como revela Sérgio Andrade. “Apesar de sermos da mesma geração, sempre fui um grande fã de Fagner por sua interpretação única e pela forma como ele consegue se comunicar com seu público de uma forma tão intensa”, revela o cantor. A canção “Areia” foi um grande sucesso nas rádios dos anos 1970 e figurou por várias semanas como primeiro lugar nas paradas de sucesso após o seu lançamento, no LP “Assim… Amém” em 1976.
.
Também de autoria de Sérgio Andrade, a quinta faixa é a inédita “Rosa Roubada”, cujo enlace da letra de Sérgio e do arranjo de Zé Freire cria um diálogo profundo entre o lirismo das canções românticas e a intensidade dos reencontros e despedidas da vida. Um canto de saudade a perguntar “quem vem lá de outro lugar pra essa terra”? Essa é, talvez, a canção que melhor retrata o respeito com que a Banda de Pau e Corda trata a própria história, apresentando novas canções, mas com toda a reverência necessária à escola poética tão bem construída ao longo de décadas por iniciativa e liderança de Roberto Andrade, irmão de Sérgio falecido em 2017 e grande responsável pelas primeiras letras de sucesso do grupo. É uma espécie de reverência à trajetória da Banda.
Revelando as influências de seu início de carreira, a Banda fecha o que seria o “Lado A” do disco com uma versão marcante do clássico “Lamento Sertanejo”, parceria entre Dominguinhos e Gilberto Gil. A versão já era tocada pela Banda nos palcos desde o início dos anos 1990 – com arranjo de Waltinho – e ganhou seu primeiro registro como uma forma de homenagear os compositores da canção, influências declaradas de todos os integrantes atuais do grupo – mas também o seu grupo-irmão, o Quinteto Violado, dialogando com o arranjo original que o conjunto criou para “Forró de Dominguinhos”, como a música era chamada antes de ganhar a letra de Gil.
.
Abrindo o “Lado B”, a Banda de Pau e Corda decidiu encarar um desafio: regravar um dos clássicos mais revisitados da música popular brasileira. “Carcará”, composição do maranhense João do Vale em parceria com José Cândido, tem versões icônicas de Maria Bethânia, Zé Ramalho e também do próprio João do Vale em dueto com Chico Buarque. Para este desafio, a Banda convidou a potiguar Juliana Linhares, grande destaque da música brasileira contemporânea, para dividir os vocais com Sérgio Andrade em um arranjo inspirado de Zé Freire. “Juliana Linhares tem uma das vozes mais bonitas dessa nova geração e certamente a interpretação mais potente. Era tudo o que a canção pedia e nós, que já éramos muito fãs do seu trabalho, ficamos super felizes com essa parceria”, afirma Andrade.
A sétima faixa do disco traz o principal sucesso da Banda de Pau e Corda. A canção “Flor d’Água” (Waltinho/Roberto Andrade) com arranjo original de Waltinho e um diálogo com o momento atual do grupo a partir do arranjo de sanfona escrito por Zé Freire e executado por Vinicius de Farias, sanfoneiro da nova geração da música pernambucana. A canção foi lançada em 1974 no álbum “Redenção” e fez um estrondoso sucesso como trilha sonora da novela da Globo “Maria, Maria”, em 1978. Até os dias atuais, é a canção mais conhecida da Pau e Corda e sempre tocada em todos os shows.
.
Outro sucesso regravado pela Banda foi a canção “Esperança”, lançada em 1974 também no álbum “Redenção”, é mais uma parceria entre Waltinho e Sérgio Andrade. Como o nome sugere, é uma canção que traz uma mensagem de esperança para os dias de luta. Retrata um momento muito duro da história nordestina, que vivia nos anos 1970 um dos seus piores momentos de seca, situação agravada pela ditadura militar que castigava o país. Recentemente, durante a pandemia, a canção passou a ser a música mais ouvida da Banda de Pau e Corda nas plataformas digitais, sucesso atribuído à sua mensagem de força e luta em momentos pesarosos, como o período de isolamento da COVID-19. Para essa nova versão, a Banda de Pau e Corda convidou o Padre Fábio de Melo para dividir os vocais com Sérgio, num dueto marcante possibilitado pelo produtor José Milton, responsável por fazer a ponte entre os artistas.
.
Apesar de ser mais conhecida por suas canções e arranjos vocais, os primeiros discos da Banda traziam faixas instrumentais marcantes, como “Só de Brincadeira” (Waltinho) e “Encontro” (José Matias). Pensando nisso e aproveitando o sucesso que a música já faz nos shows atuais – quando é tocada numa performance solo de pífano – a Banda escolheu gravar “Insônia”, composição de Yko Brasil, flautista que integra a formação atual do grupo. “Além de nos acompanhar em nossas viagens, quando Yko costuma aproveitar a estrada pra tocar pífano na van junto com Zé, ‘Insônia’ é uma música que a gente gosta muito e também faz muito sucesso nos nossos shows, então achamos que ela representava bem o momento da Banda e decidimos incluir no repertório”, destaca Sérgio.
Mais um clássico de sua própria história, a Banda revisita a canção “Lampião” (Waltinho/Roberto Andrade), com arranjo original de Waltinho. “A nossa ideia era poder mostrar que é possível celebrar 50 anos de estrada sempre se reinventando, mas sem esquecer e nem reescrever o passado. Por isso decidimos regravar algumas canções buscando seguir ao máximo os arranjos originais que as tornaram tão famosas”, destaca Sérgio Andrade. “A simples inclusão de novas tecnologias de gravação, a maturidade da minha voz e mesmo a interpretações dos novos instrumentistas já é suficiente para dar ares de novidade para uma canção como “Lampião”, que foi lançada ainda em 1973”, complementa.
.
Fechando o álbum com chave de ouro, o grupo revisita o frevo “Pelas Ruas do Recife” (Marcos Valle/Novelli/Paulo Sérgio Valle), gravado pela primeira vez em 1979 no disco que recebeu o mesmo nome e consagrou a Banda como uma das principais representantes do gênero carnavalesco. Para a versão atual, gravada com arranjo original de Zezinho Franco, a Banda convidou o carioca Marcos Valle, compositor do frevo, para dividir os vocais em uma interpretação que trouxe ainda mais elegância para um frevo que mistura sotaques e representa como poucos a forma de brincar carnaval da Banda de Pau e Corda.
DISCO ‘ENTRE A FLOR E A CRUZ’ • Banda de Pau e Corda • Selo Biscoito Fino • 2023
Canções / compositores
1. Vivência (Roberto Andrade e Waltinho)
2. Moer Cana (Chico César) | Participação especial: Lenine
3. Entre a flor e a cruz (Gean Ramos Pankararue PC Silva)
4. Areia (Sergio Andrade e Waltinho) | Participação especial: Fagner
5. Rosa roubada (Sergio Andrade)
6. Lamento sertanejo “Forró de Dominguinhos” (Dominguinhos e Gilberto Gil)
7. Carcará (José Cândido e João do Valle) | Participação especial: Juliana Linhares
8. Flor d’agua (Roberto Andrade e Waltinho)
9. Esperança (Sergio Andrade e Waltinho) | Participação especial: Pe. Fábio de Melo
10. Insônia (Yko Brasil)
11. Lampião (Roberto Andrade e Waltinho)
12. Pelas ruas do Recife (Marcos Valle, Novelli e Paulo Sérgio Vale) | Participação especial: Marcos Valle
– ficha técnica –
Banda de Pau e Corda – Sérgio Andrade (voz – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12; triângulo – fx. 6, 10, 11; caxixi – fx. 11) | Júlio Rangel (viola – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12; voz – fx. 1; vocal – fx. 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12) | Sérgio Eduardo (contrabaixo – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12) | Zé Freire (violão – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12; voz – fx. 1, 12; vocal – fx. 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11) | Yko Brasil (flauta transversal – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 12; pífano – fx. 10 – pifanos – fx. 11) | Alexandre Baros (voz – fx. 1; vocal – fx. 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12; bateria – fx. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12; clave de osso – fx. 1; mineiro – fx. 2; ganzá – fx. 6, 9; triângulo – fx. 9; caracaxá e efeitos – fx. 11; pandeiro – fx. 12) || Convidado: Vinicius de Farias (sanfona – fx. 8) || Participação especial: Lenine (voz – fx. 2) | Fagner (voz – fx. 4) | Juliana Linhares (voz – fx. 7) | Pe. Fábio de Melo (voz – fx. 9) | Marcos Valle (voz – fx. 12) | Arranjos: Zé Freire e de Waltinho | Produção: José Milton e Alexandre Baros | Produção executiva: Rafael Moura / Ampliar Produções | Repertório: Sérgio Andrade, Rafael Moura e José Milton | Técnicos de gravação: Junior Evangelista e Marco Melo no Estúdio Carranca (Recife/PE) | Assistente de gravação: Marcio e Neto | Roadie: Ed. Silva | Voz de Lenine gravada por Bruno Giorgi no Estúdio O Quarto (Rio de Janeiro/RJ) | Vozes de Raimundo Fagner, Juliana Linhares e Pe. Fabio de Melo gravadas por Willian Luna na Companhia dos Técnicos (Rio de Janeiro/RJ) | Assistentes de gravação: Rafael Rui Castro e Enzo | Voz Marcos Valle gravada por Patrícia Alvi no Estúdio Conecta (Rio de Janeiro/RJ) | Edição digital Marcos Valle por Daniel Alcoforado (Rio de Janeiro/RJ) | Mixagem: Junior Evangelista (Recife/PE) | Masterização: Arthur Luna (Rio de Janeiro/RJ) | Designer: Pedro Alb Xavier | Ilustração: Ayodê França | Fotos: Sidarta | Produtora: Ampliar Produções | Assessoria de imprensa: Luiza Maia / Cognos Comunicações | Selo: Biscoito Fino | Formato: CD / Digital | Ano: 2023 | Lançamento: 22 de setembro | #* Ouça o álbum: clique aqui.
.
Série: Discografia da Música Brasileira / MPB / Álbum.
* Publicado por ©Elfi Kürten Fenske