‘Como eu posso te ajudar a ser feliz?’ – Ana Claudia Quintana Arantes

Cuidadores e profissionais de saúde podem e devem apoiar o paciente em sua jornada em busca da felicidade

Como eu posso te ajudar a ser feliz? Esta deveria ser a primeira pergunta de uma consulta médica. Eu já tentei colocar o primeiro encontro com um paciente neste patamar, mas os resultados não foram tão bons quanto eu esperava. Talvez pelo fato de eu entrar quase sempre pela porta que todo mundo quer manter fechada – a da doença, do sofrimento e da morte –, eu não sou compreendida na minha inquietude mais visceral: como eu, como médica, como profissional de saúde, posso apoiar meu paciente na jornada dele em busca da felicidade?

O que é felicidade?

Percebo claramente que a noção de felicidade é aquela que te permite se conectar verdadeiramente e amorosamente com você, com o outro, com o universo e até com Deus. A felicidade é a nossa melhor versão do “sagrado” humano que nos habita. Não poderia resumir felicidade em apenas um sentimento alegre.

Muitas vezes, a felicidade se dá em um momento que você se dá conta que você é maior que os seus desafios, isto é, que você está pronto para esse desafio. Daí minha inquietude diante de uma pessoa que se coloca disposta a receber meus cuidados – no que eu posso ajudar para que a conexão dela com ela mesma seja alcançada? No que eu posso ajudar, utilizando meu conhecimento, para que esta pessoa seja feliz? Como não deu certo começar com a pergunta completa, eu a resumi: Olá! No que eu posso te ajudar?

Presença e conexão

Aí, sim. Funcionou. Funciona! Na maioria das vezes, temos algo errado acontecendo conosco quando procuramos um médico. E a nossa expectativa é que a medicina saiba como consertar o que não funciona. Não importa se é um profissional de saúde, um cuidador profissional ou cuidador familiar. Para ajudar de verdade alguém que precisa ser cuidado, é necessário saber estar presente.

Ana Claudia Quintana Arantes, Geriatra

O estado de presença contribui para a conexão, a conexão é experimentada e aí temos espaço para a felicidade chegar. A conexão acontece quando permanecemos em “estado meditativo” na maior parte do tempo, onde você está presente com seu sentimento, pensamento, voz e corpo e atitudes, tudo no mesmo lugar, como num alinhamento planetário. Aí eu escuto, escuto. Sorrio, escuto. E depois eu toco, examino, sinto, percebo. E então eu falo. E sou ouvida com o meu maior propósito presente nas entrelinhas.

Vou fazer tudo o que sei para ajudar a controlar sua pressão, seu colesterol, seu diabetes, sua dor, seu câncer. Posso te ajudar a entender a vida, a morte, seu medo, a doença e o sofrimento. Mas o que eu quero de verdade é que os profissionais de saúde, os cuidadores todos deste mundo entendam: o nosso maior objetivo é abrir espaço no tempo daqueles que cuidamos para que a felicidade possa vir fazer morada na vida deles.

Eu trabalho cuidando de pessoas que vivem o momento presente pelo estado da dor. Pela dor física, pela dor emocional, pela dor existencial, pela dor espiritual. Elas estão presentes nas vidas delas, mas em um momento muito difícil. Mas ainda assim, a felicidade se permite chegar em quem está disposto a recebe-la. Em qualquer tempo, em qualquer lugar, em qualquer realidade.

Então, se você cuida de alguém, experimenta no próximo encontro pensar algo assim na hora da despedida: “Até que eu te veja de novo, desejo que você seja muito feliz.”

* Ana Claudia Quintana Arantes, Geriatra do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo

** Originalmente o Artigo de autoria da Dra Ana Claudia Quintana Arantes, publicado no dia 24 de novembro de 2017, no blog Letra de Médico, da Revista Veja. Fonte: HumanaVida

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