O que eu quero contar é tão delicado é tão delicado quanto a própria vida. E eu queria poder usar delicadeza que também tenho em mim, ao lado da grossura de camponesa que é o que me salva.
Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em aprender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes.
Continuo aliás atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais. Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. Ou será que eu adivinhava mas turvava minha possibilidade de lucidez para poder, sem me escandalizar comigo mesmo, continuar em inocência a me enfeitar para os meninos?
Enfeitar-me aos onze anos de idade consistia em lavar o rosto tantas vezes até que a pele esticada brilhasse. Eu me sentia pronta, então. Seria minha ignorância um modo sonso e inconsciente de me manter ingênua para poder continuar, sem culpa, a pensar nos meninos? Acredito que sim. Porque eu sempre soube coisas que nem eu mesma sei que sei.
As minhas colegas de ginásio sabiam de tudo e inclusive contavam anedotas a respeito. Eu não entendia mas fingia compreender para que elas não me desprezassem e à minha ignorância.
Enquanto isso, sem saber da realidade, continuava por puro instinto a flertar com os meninos que me agradavam, a pensar neles. Meu instinto precedera a minha inteligência.
Até que um dia, já passados os treze anos, como se só então eu me sentisse madura para receber alguma realidade que me chocasse, contei a uma amiga íntima o meu segredo: que eu era ignorante e fingira de sabida. Ela mal acreditou, tão bem eu havia fingido. Mas terminou sentindo minha sinceridade e ela própria encarregou-se ali mesmo na esquina de me esclarecer o mistério da vida. Só que também ela era uma menina e não soube falar de um modo que não ferisse a minha sensibilidade de então. Fiquei paralisada olhando para ela, misturando perplexidade, terror, indignação, inocência mortalmente ferida. Mentalmente eu gaguejava: mas por quê? Mas por quê? O choque foi tão grande – e por uns meses traumatizante – que ali mesmo na esquina jurei alto que nunca iria me casar.
Embora meses depois esquecesse o juramento e continuasse com meus pequenos namoros.
Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.
Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. Esse adulto saberia como lidar com uma alma infantil sem martirizá-la com a surpresa, sem obrigá-la a ter toda sozinha que se refazer para de novo aceitar a vida e os seus mistérios.
Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continua intacto. Embora eu saiba que de uma planta brotar um flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.
– Clarice Lispector, do livro “A descoberta do mundo” (Crônicas). Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1984. (crônica “A descoberta do mundo”, publicada em 6 de julho de 1968 no Jornal do Brasil)
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