quinta-feira, dezembro 19, 2024

Dezenove livros escritos por mulheres que os homens deveriam ler

❝ Cada coisa é uma palavra. E quando não se a tem, inventa-se-a.
— Clarice Lispector,  em “A hora da estrela”. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

 Dezenove livros escritos por mulheres que os homens deveriam ler
– por Elena Horrillo e Carlos Primo – El País Brasil

É literatura excelente, que também fala de assuntos sob uma perspectiva capaz de revelar um mundo talvez desconhecido para o público masculino

“As mulheres escrevem de maneira diferente aos homens. Temos muita conversa doméstica e pessoal. As mulheres se sentem confortáveis falando do pessoal, ao contrário dos homens. As mulheres sempre compraram livros escritos por homens, e se deram conta de que não eram livros sobre elas. Mas continuaram a fazê-lo com grande interesse, porque era como ler sobre um país estrangeiro. Os homens nunca devolveram a gentileza.” São palavras da pacifista e escritora nova-iorquina Grace Paley (1922-2007).

Para devolver a gentileza, talvez devêssemos começar por estes 19 títulos.

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‘O Segundo Sexo’ (1949), de Simone de Beauvoir

‘O Segundo Sexo’ (1949), de Simone de Beauvoir
Por que um homem deve lê-lo. Porque é uma leitura fundamental para qualquer homem que se interesse por entender como, ao longo da história, as identidades das mulheres foram sendo construídas – normalmente em relação a um homem: filha, esposa, mãe, esquecendo-se de si mesmas. Ou seja, como a metade da população foi definida – e se autodefiniu – em função da outra metade. Se você quiser entender de uma vez por todas o que é isso de “não se nasce mulher: torna-se”, esse livro explica perfeitamente. Obra fundacional do feminismo, discute o benefício que a igualdade real traria tanto para as mulheres como para os homens. É um ‘best-seller’ desde sua publicação, em 1949, e continua sendo de uma raivosa atualidade, apesar de ter sido escrito mais de seis décadas atrás.

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‘O Conto da Aia’ (1985), de Margaret Atwood

‘O Conto da Aia’ (1985), de Margaret Atwood
Por que um homem deve lê-lo. Porque reflete uma sociedade patriarcal levada ao extremo. As mulheres são as principais prejudicadas, mas o homem também sofre as consequências (ainda que em menor medida). A adaptação televisiva foi um sucesso no Emmy, e esse é o livro de onde tudo saiu. ‘O Conto da Aia’ é principalmente um relato que incomoda porque nada do que leva a essa situação soa tão absolutamente improvável: a crise econômica, ecológica, o terrorismo, a perda de liberdades, o machismo… Como a própria Atwood escreveu: “Em determinadas circunstâncias pode acontecer qualquer coisa em qualquer lugar”.

“Ainda não aprenderam com o tempo sobre as coisas da vida.”
– Margaret Atwood, no livro ‘O conto da aia’ [tradução de Ana Deiró]. Rio de Janeiro: editora Rocco, 2ª ed., 2017.

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‘Jane Eyre’ (1847), de Charlotte Brontë

‘Jane Eyre’ (1847), de Charlotte Brontë
Por que um homem deve lê-lo. Porque despe de convencionalismos e lugares-comuns uma figura, a da mulher órfã, solteira e trabalhadora, que os escritores do século XIX retrataram quase sempre com paternalismo. Se ‘Jane Eyre’ fosse escrito por um homem, sua protagonista seria uma mulher desvalida e vítima de todos. Mas Charlote Brontë conta a história de uma mulher que luta para ser independente e que resiste a ser apenas “mulher de”, e o que aparece é o oposto luminoso de ‘Madame Bovary’. Existe um fundo romântico, é verdade, mas não é o que importa: o essencial é que Jane Eyre fala diretamente ao leitor, conta-lhe sua vida e o faz partícipe dela. Relata de forma direta e apaixonada como era a vida provinciana da Inglaterra vitoriana, fugindo do vitimismo e da autocompaixão. Um romance apaixonante.

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‘Persépolis’ (2000), de Marjane Satrapi

‘Persépolis’ (2000), de Marjane Satrapi
Por que um homem deve lê-lo. Imagine uma garota de 10 anos, criada dentro de uma família progressista, que assiste à vitória da Revolução Islâmica no Irã e conta em primeira pessoa, com um humor brilhante e irônico, as mudanças que essa nova ordem causa: a obrigatoriedade de se usar o véu, a restrição às liberdades e os guardiões da revolução. Convém lê-lo porque não se trata da história que outros contam sobre essas mulheres cobertas que vemos na televisão, como algo distante, silencioso e alheio, e sim de uma garota que utiliza sua própria voz para narrar. Porque a protagonista é a própria Satrapi que, mesmo querendo ser profeta quando criança, terminou perdendo a fé e contando sua história através de expressivas ilustrações em preto e branco. ‘Persépolis’ é uma mistura quase perfeita: uma lição de história, de igualdade e de liberdade.

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‘La Voz Dormida’ (2002), de Dulce Chacón

‘La Voz Dormida’ (2002), de Dulce Chacón
Por que um homem deve lê-lo. Apesar de tudo o que existe escrito sobre a Guerra Civil espanhola e o franquismo, Chacón desenterra um lado desse prisma que raras vezes veio à luz: o de um grupo de mulheres encarceradas – uma delas, Hortensia, grávida de oito meses – na prisão de Las Ventas (Madri) no pós-guerra civil. Mulheres reais cuja voz foi silenciada, não só por ser a dos perdedores, mas também por serem mulheres. Nas oito palavras com as quais o livro começa – “A mulher que iria morrer se chamava Hortensia” – está a essência do texto. Duro e sem rodeios (ainda que a própria Chacón tenha reconhecido que precisou amaciar alguns dos depoimentos reais que reúne no livro), mas também com um traço de doçura, de lealdade e de comunidade. Se você está há meses escutando a palavra “sororidade” sem entender muito bem o que é, deveria ler ‘La Voz Dormida’ (“a voz adormecida”, inédito no Brasil).

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‘Manual da Faxineira’ (2015), de Lucia Berlin

‘Manual da Faxineira’ (2015), de Lucia Berlin
Por que um homem deve lê-lo. Já se disse que Lucia Berlin se parece com Carver e Bukowski, de modo que é conveniente lê-la e reconhecê-la para que não tenhamos que compará-la, como sempre, a um autor masculino. Para que não seja mais “o Carver feminino”, mas simplesmente Lucia Berlin. Esse ‘Manual da Faxineira’ é uma antologia de contos publicados 11 anos depois da morte de sua autora, que curiosamente faleceu no dia de seu aniversário de 68 anos. Impregnados de ironia, humor negro e sarcasmo, Berlin (Alasca, 1936 – Los Angeles, 2004) perfila, com um importante viés autobiográfico, pequenas histórias de personagens – mulheres – maltratadas pela vida, mas não rendidas, e sem esse heroísmo imaculado que tantas vezes vemos na ficção.

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‘Ms. Marvel’ (2014), vários autores

‘Ms. Marvel’ (2014), vários autores
Por que um homem deve lê-lo. Porque demonstra que as garotas também podem salvar o mundo. Façamos um exercício. Vamos fechar os olhos e pensar em um super-heroína. Ok, mas… tirando a Mulher Maravilha, popularizada por Patty Jenkins e Gal Gadot? É bem provável que, caso lembremos de mais alguma, tenhamos dificuldade em chegar a mais de três. Do jeito que é fácil pensar em Batman, Super-Homem e Homem-Aranha (todos homens), não? Para preencher esse vazio e para que você descubra que as garotas também podem salvar o mundo recomendamos ‘Ms. Marvel’, que, além disso, é uma super-heroína muçulmana, de família paquistanesa conservadora, que descobre seus poderes e decide utilizá-los para fazer o bem porque admira a Ms. Marvel original, outra personagem dos anos setenta. Essa HQ, como costuma acontecer com os personagens da Marvel, mostra uma garota normal, que vai ao colégio e que já tem problemas normais e suficientes além de seus poderes. Nada de milionários, filhos de deuses e traumas épicos de uma infância dramática. E o melhor é que, mesmo que você nunca tenha lido uma HQ na vida, não se perderá em nenhuma trama.

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‘Sejamos Todos Feministas’ (2014), de Chimamanda Ngozi Adichie

‘Sejamos Todos Feministas’ (2014), de Chimamanda Ngozi Adichie
Por que um homem deve lê-lo. Porque ajuda, e muito, a saber o que é realmente o feminismo. Para evitar clichês, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie se define, no início desta palestra transformada em livro, como uma “feminista africana feliz que não odeia os homens e que gosta de usar batom e salto alto para si mesma, e não para os homens”. Uma vez estabelecidas essas bases, ela continua esmiuçando as formas pelas quais o machismo se normaliza, como desde a nossa infância, a partir dos fundamentos da nossa educação, nos inocularam (inoculamos) essa visão que “prescreve como temos que ser, em vez de reconhecer como somos”. Com uma linguagem clara e ousada, este breve texto, que custa menos de 20 reais, se transformou em uma referência mundial. Na Suécia, costuma ser dado de presente a estudantes de 16 anos. Beyoncé incluiu duas frases do livro em sua canção ‘Flawless’.

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‘Livre’ (2012), de Cheryl Strayed

‘Livre’ (2012), de Cheryl Strayed
Por que um homem deve lê-lo. Porque sua leitura vem a calhar para acabar com os estereótipos: se você espera encontrar uma mulher que solta gritinhos se encontrar uma cobra, está enganado. Voltamos às comparações. Há quem considere este ‘Livre – A Jornada de Uma Mulher em Busca do Recomeço’ de Cheryl Strayed, como a versão feminina de ‘Na Natureza Selvagem’, de Jon Krakauer. Mas são muito diferentes. Para começar, Strayed escreve sua própria história e o que a leva a iniciar seu caminho pela Trilha do Maciço do Pacífico (o Pacific Crest Trail, nos EUA): a morte da sua mãe, seu divórcio e um errante caminho entre a promiscuidade e as drogas. Um dia, sozinha e sem experiência alguma, ela começa a percorrer os 4.000 quilômetros dessa jornada. E o relato que resulta disso é apaixonante.

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‘I Know Why the Caged Bird Sings’ (1969), de Maya Angelou

‘I Know Why the Caged Bird Sings’ (1969), de Maya Angelou
Por que um homem deve lê-lo. Porque é um exemplo brutal de superação por parte de uma mulher. Para quem não conhece, Maya Angelou (EUA, 1928-2014) foi poeta, cantora, bailarina e atriz; mas antes disso foi prostituta, cozinheira e gerente de casas noturnas de duvidosa reputação. E um pouco antes foi uma menina negra, estuprada pelo namorado da sua mãe, e que passou 10 anos sem falar depois de que o estuprador foi assassinado, supostamente por membros da sua família. Se só por isso você não ficar com vontade de ler ‘I Know Why the Caged Bird Sings’ (“sei por que o pássaro engaiolado canta”, inédito no Brasil), damos mais razões. Neste primeiro volume da sua autobiografia, Angelou narra como uma menina descobre o mundo que terá de enfrentar, em plena época da segregação racial nos Estados Unidos, sendo mulher, negra e pobre, uma tripla discriminação. E faz isso sem vitimismo, pieguice ou falso dramatismo, e sim com uma prosa inteligente e brilhantemente real. Se ficar com gosto de quero mais, há outros seis volumes que completam a biografia. O último deles é o que a atriz Emma Watson escondeu no metrô de Londres para fomentar sua leitura.

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‘I Beati Anni del Castigo’ (1989), de Fleur Jaeggy

‘I Beati Anni del Castigo’ (1989), de Fleur Jaeggy
Por que um homem deve lê-lo. Porque, de forma insólita, reflete a reclusão social feminina, narrando a convivência entre mulheres num ambiente onde os homens estão ausentes. O primeiro romance dessa autora suíça de língua italiana (inédito no Brasil) é um dos livros mais estranhos e magnéticos que andam pululando por aí. Baseado em suas reminiscências de infância, está ambientado num opressivo internato feminino suíço onde nada parece acontecer – toda a tensão flui sob a superfície. Assim como outras obras-primas (por exemplo, ‘Entre Visillos’, de Carmen Martín Gaite), ‘I Beati Anni del Castigo (“os abençoados anos do castigo”) reflete de forma admirável o isolamento social (“Nós nos recolhemos aos nossos quartos, a vida a vimos passar através das janelas”).

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‘A Hora da Estrela’ (1977), de Clarice Lispector

‘A Hora da Estrela’ (1977), de Clarice Lispector
Por que um homem deve lê-lo. Porque a prestigiosa filósofa Hélène Cixous considerava essa autora brasileira de origem ucraniana como um exemplo perfeito de “escrita feminina”, uma polêmica categoria estilística. Em todo caso, e filosofia à parte, ‘A Hora da Estrela’ é o texto mais acessível de Lispector e a melhor introdução possível à obra. Sua protagonista, Macabea, é uma migrante perdida no Rio de Janeiro, cuja vida transcorre a meio gás, sem que ela pareça perceber. Conta coisas corriqueiras, mas parecem epopeias. E muito importante: a escrita de Clarice Lispector não se parece com nenhuma outra.

❝ Não tenho medo nem das chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas. Pois eu também sou o escuro da noite.
— Clarice Lispector, no livro “A hora da estrela”. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

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‘Diante da Dor dos Outros’ (2003), de Susan Sontag

‘Diante da Dor dos Outros’ (2003), de Susan Sontag
Por que um homem deve lê-lo. Porque é um ensaio crucial sobre um elemento tipicamente masculino, a violência visual, que se tornou uma presença diária em nossas vidas. A ensaísta Susan Sontag tinha uma habilidade assombrosa para se aproximar de um tema, dissecá-lo com cuidado e chegar a conclusões radicalmente brilhantes. Este livro, que trata da violência das reportagens de guerra, das fotos de catástrofes e inclusive do cinema ‘gore’, é um desses raríssimos textos dos quais o leitor sai vendo o mundo de outra maneira e sentindo que aprendeu algo de útil. Os livros de Sontag ensinam a pensar, e estão a anos-luz da autoajuda.

 

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‘Só Garotos’ (2010), de Patti Smith

‘Só Garotos’ (2010), de Patti Smith
Por que um homem deve lê-lo. Porque se há um terreno machista esse é o do rock. E nele Patti Smith avançou entre muitos obstáculos até conseguir o respeito de todos. Neste livro a artista retrata, a partir do seu privilegiado ponto de vista e sob o pretexto de relatar sua relação com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, como era a vida na Nova York do final dos anos sessenta e começo dos setenta. Ali vivia uma Patti Smith ainda relativamente desconhecida, que dividia um quarto do hotel Chelsea com Mapplethorpe – que a retratou para a célebre capa do seu álbum ‘Horses’. Um casal que, sem dinheiro para pagar dois ingressos numa exposição, decidia quem iria entrar para depois contar ao outro, e que ouviu dois turistas, em dúvida sobre se eles eram ou não celebridades, comentarem: “São só garotos”.

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‘Rumo ao Farol’ (1927), de Virginia Woolf

‘Rumo ao Farol’ (1927), de Virginia Woolf
Por que um homem deve lê-lo. Porque é uma análise perfeita das relações familiares e de um matriarcado simbólico através de uma personagem, a senhora Ramsay, que foge a todos os clichês sobre a maternidade. Nesta novela, Woolf narra as férias de uma família numa casa de campo e vai dando voz a diversos personagens. Todos planejam fazer uma excursão a um farol próximo, mas o tempo passa e a ideia vai sendo adiada. Lido com atenção (pois, como se sabe, a escrita de Woolf às vezes é afetada e complexa), é um magnífico tratado sobre a frustração dos sonhos.

“Então, sob a cor havia forma. Podia ver isso com clareza, imperiosamente, quando olhava; quando pegava no pincel é que tudo mudava. Era nesse vôo momentâneo entre a paisagem e sua tela que os demônios a possuíam, levando-a à beira das lágrimas.”
– Virginia Woolf, no livro ‘Rumo ao Farol’. [tradução Tomaz Tadeu]. Coleções Mimo. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2013.

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‘Os paços de Ulloa’ (1886), de Emilia Pardo Bazán

‘Os paços de Ulloa’ (1886), de Emilia Pardo Bazán
Por que um homem deve lê-lo. Porque, diferentemente do que acontece em outros grandes romances do século XIX, aqui não há um homem escrevendo sobre mulheres, e sim uma mulher que retrata um mundo de homens. Este romance (lançado em Portugal, mas não no Brasil), considerado escandaloso em seu tempo, desmitifica a Galícia rural do século XIX e critica duramente a sua sociedade clientelista, classista e dominada pela Igreja. O resultado é um romance selvagem, violento e sem contemplações, um novelão rural magnificamente escrito que continua prendendo o leitor desde a primeira página.

“La dictadura es como una aria y nunca llega a ser ópera”
– Emilia Pardo Bazán

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‘Biographie de la Faim’ (2004), de Amélie Nothomb

‘Biographie de la Faim’ (2004), de Amélie Nothomb
Por que um homem deve lê-lo. Porque o tema do qual trata, os transtornos alimentares, é o grande ausente na literatura escrita por homens. Se você reparar, há inúmeros romances masculinos que tratam outras doenças (do alcoolismo ao câncer, passando pela depressão e a AIDS), mas pouquíssimos abordam doenças que, estatisticamente, atingem mais a população feminina. Em ‘Biographie de la Faim’ (A biografia da fome, inédito no Brasil), o assunto vem acompanhado de um texto literário magnífico, um romance autobiográfico que, de certo modo, é como uma síntese de todos os livros que a belga Amélie Nothomb publicou ao longo de sua vida. Em todos eles, salpicou elementos da sua biografia entre os relatos, mas aqui ela coloca os pingos nos is e conta sua adolescência com uma clareza perturbadora e com um tom, o seu, capaz de introduzir humor, ironia e surrealismo até nos ambientes mais asfixiantes.

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‘Celia en la Revolución’ (1943), de Elena Fortún

‘Celia en la Revolución’ (1943), de Elena Fortún
Por que um homem deve lê-lo. Porque a Guerra Civil espanhola já foi contada de mil maneiras, mas pouquíssimas vezes na voz de uma mulher, neste caso uma garota que está virando mocinha. E o resultado é de arrepiar. O título pode soar como romance infantil, e ele de fato tem um pouco disso: Celia foi a personagem mais célebre de Fortún, um clássico entre as crianças espanholas de antes e depois da Guerra, objeto de reedições ao longo dos anos e inclusive de uma série televisiva roteirizada por Carmen Martín Gaite. Esta história, entretanto, não é para crianças. Nela, Celia já é uma adolescente que vive a guerra em Madri, enfrentando a violência e a injustiça com a mesma atitude inquisitiva de sempre. Um romance comovente e um testemunho essencial sobre o impacto da guerra na vida cotidiana, infelizmente inédito no Brasil.

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‘Bom Dia, Tristeza’ (1954), de Françoise Sagan

‘Bom Dia, Tristeza’ (1954), de Françoise Sagan
Por que um homem deve lê-lo. Porque foi o primeiro romance a revelar em primeira pessoa o despertar sexual de uma adolescente, sem conotações masculinas, dramatismo nem clichês de romance erótico. Escrita por Sagan durante férias escolares passadas em Paris, narra a história de uma adolescente que descobre, de repente e à força, o sexo, a liberdade, o ciúme e sua consequência, a tristeza. Foi uma autêntica revolução na época, o nascimento de uma estrela literária. Na França dos anos cinquenta, obcecada pela moralidade e a ordem, não havia nada tão revolucionário como a história de uma garota que vai para a cama com um flerte de verão, sem dar demasiada importância ao fato. Anos depois, conserva intacta sua espantosa simplicidade e continua sendo lido num piscar de olhos.

Fonte: El País Brasil

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“Mas não era isso que as incomodava, diziam as crianças. Não era o seu rosto; não eram as suas maneiras. Era ele – o seu ponto de vista. Quando elas falavam sobre algo interessante, pessoas, música, história, qualquer coisa, simplesmente comentavam que fazia uma noite bonita, por que não iam sentar lá fora, então o que elas se queixavam a respeito de Charles Tansley era que, enquanto não tivesse virado a coisa toda de ponta-cabeça, fazendo com que, de alguma forma, refletisse ele próprio e as rebaixasse, enquanto não deixasse todas elas, de alguma maneira, com seu jeito amargo de espremer o sumo e a polpa de tudo, todas elas com os nervos à flor da pele, ele não ficava satisfeito.”
– Virginia Woolf, no livro ‘Rumo ao Farol’. [tradução Tomaz Tadeu]. Coleções Mimo. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2013.


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