Edu Lobo celebra marcas do seu legado musical

Edu Lobo celebra marcas do seu legado musical. No mês em que completou 80 anos (agosto/2023), Edu Lobo, um dos maiores nomes da música brasileira, relembra encontros e celebra legado imortal
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Depoimento concedido Revista E Sesc SP / Por Lígia Scalise / Porta Sesc SPl Sesc SP
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Compositor, multi-instrumentista, arranjador e cantor, Edu Lobo teve sua entrada na cena musical em 1962, por um golpe de sorte. Aos 19 anos, o então estudante de direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), foi convidado para uma festa em Petrópolis (RJ) chamada Vinho e Sala, um tipo de encontro frequente que juntava pessoas apaixonadas pela música brasileira. Enquanto o violão passava de mão em mão, Vinicius de Moraes (1913-1980) perguntou para Edu: “Por acaso você tem um sambinha sem letra?”. O novato respondeu que sim e tocou uma música para o poetinha. Vinicius, então, disse: “Você se incomoda se eu fizer a letra agora?”. E assim nasceu Só me fez bem, primeira parceria de Edu Lobo com Vinicius de Moraes, fato que mudou o destino do rapaz tímido e talentoso.
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Um dos maiores nomes da música brasileira, o carioca, filho do também músico Fernando Lobo (1915-1996), tornou-se mundialmente conhecido por suas composições e arranjos refinados de MPB, bossa nova e jazz. Enquanto menino e adolescente, passava as férias na casa dos tios, em Pernambuco. O contato com o frevo, maracatu, pregões de vendedores de frutas, ciranda, o Carnaval de rua e o acesso às festas populares, tornaram-se referências importantes para o repertório cultural que inspirou as canções que Edu comporia mais tarde. A princípio, ele se interessou pelo acordeon, mas, cansado de carregar o instrumento pesado, resolveu adotar o violão como companheiro.
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O ano de 2023 representou um marco na vida do artista, que celebra duas datas importantes: 80 anos de vida, no dia 29 deste mês, e 60 anos dedicados à música. Para comemorar sua obra, Edu Lobo subiu ao palco do teatro do Sesc Pinheiros, em junho (2023), onde emocionou o público com clássicos do seu repertório. Neste Depoimento, Edu compartilha conosco encontros, travessias e aprendizados.

Idade
Eu custo a acreditar que vou fazer 80 anos, sinceramente. Porque a minha cabeça é igual a de 40. Eu não estou diferente, sei lá, com dificuldade motora, então fica difícil acreditar. É uma idade grande, né? Comecei com 19, fazendo uma música com Vinicius de Moraes. Quando penso na minha carreira, tenho certeza de que foi o melhor trabalho que escolhi para minha vida. Veja bem, quando tudo começou, eu estava estudando direito, não queria ser advogado, de jeito nenhum, mas pensava em seguir carreira diplomática. Que sorte que eu não fui, porque não tem nada que eu deteste mais na minha vida do que ouvir ou fazer discurso.
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Sorte
Eu acredito em sorte, mas você precisa estar pronto para ela. Foi assim que conheci um diplomata de carreira, numa reunião de amigos e música. Estamos falando de Vinicius de Moraes. Ele pegou um lápis e papel e fez, praticamente, a letra inteira pro meu samba. Saí dessa reunião, peguei aquele papelzinho com a letra, dobrei e enfiei no meu sapato. Se alguma coisa acontecesse, a letra estaria protegida. Foi assim que a música e a parceria com Vinicius nasceu. Outra sorte foi gravar um disco com Tom Jobim (1927-1994) que estava zero programado [Edu & Tom – Tom & Edu (1981)].
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Tom
Na época [em que gravei o álbum com Tom Jobim], eu estava saindo de uma gravadora. Decidimos fazer um disco final, de despedida, com 12 artistas diferentes. Aloysio de Oliveira (1914-1995) era o produtor do disco, e eu falei: “Vamos começar com o Tom, porque ele gosta muito de Pra dizer adeus. Aí começamos a ensaiar, logo o Tom botou uns acordes novos, geniais, e fez uma introdução. Gravamos a música no estúdio e eu já me sentia perto do céu, de tão feliz. Assim que acabou a gravação, Tom perguntou: “Aloysio, e agora?”. Aloysio, então, respondeu: “Agora acabou, porque temos outros 11 músicos pra gravar com Edu”. Ao que Tom respondeu: “Mas, Aloysio, eu tomei banho, me perfumei, e já acabou o trabalho?”. Aí, Aloysio ficou sem graça. Eu nem sabia se o Tom conhecia, mas sugeri de gravarmos Canção do amanhecer. Assim que acabou, Tom repetiu: “Aloysio, tudo isso que eu fiz foi para gravar duas músicas com o Edu Lobo e voltar para casa?”. Então, Aloysio pegou o telefone e mudou os planos. Sugeri um disco com metade das músicas minhas e a outra metade com músicas do Tom. Nasceu Edu & Tom – Tom & Edu (1981). É muita sorte.

Parcerias
Começou com Vinicius, que está longe de ser um mau começo, né? [risos]. Olhar para a minha história, e para as parcerias que fiz, me dá esse sentimento de ter cumprido um plano pré-estabelecido. Nunca fiquei preocupado se a música ia tocar no rádio ou não. Eu faço a música que preciso fazer, e se ela for reconhecida, evidentemente, é uma alegria enorme. Minha última música bastante reconhecida é Beatriz. Eu chamo isso de quase milagre, porque ela não é uma música de tocar no rádio. É muito longa, muito lenta, muito lírica. Acho que ela ficou famosa pelo boca a boca. E hoje, quando eu começo a tocar Beatriz no show, as pessoas já a reconhecem pela introdução. Ela é resultado de uma parceria com Chico Buarque [gravada no álbum O Grande Circo Místico (1983)] e foi eternizada na interpretação de Milton Nascimento.
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EU NÃO ME SINTO UM MESTRE. ACHO QUE FAÇO O QUE EU POSSO, DO JEITO QUE QUERO, ISSO SIM É UM GRANDE ORGULHO. EU CONSTRUÍ A MINHA HISTÓRIA – Edu Lobo
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Teatro
Adoro trabalhar por encomenda. Em 1964, eu fui convidado por Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) para vir a São Paulo e fazer um musical. Lembro que entrei na casinha dele e ficamos os dois sentados e calados. Aí, falei: “Qual é o musical e o que você quer escrever?”. Ele falou que não tinha a menor ideia. Bom, eu pensei: vou pegar o violão e sair tocando tudo que eu tenho. Aí, toquei uma música que fiz com Vinicius de Moraes, chamada Zambi. Assim nasceu o meu primeiro projeto, Arena conta Zumbi [musical escrito por Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, que também fez a direção, e estreou no Teatro Arena, em maio de 1965]. O tempo era curtíssimo, pensei até em escrever um bilhete carinhoso dizendo que não seria capaz, mas fiz e valeu super a pena. Foi um aprendizado e um risco danado, porque eu tinha que fazer pelo menos uma canção por dia.

Prazos
Aprendi que trabalhar sob pressão é fundamental. Quando você tem todo o tempo do mundo, você tem todo o tempo do mundo para fazer nada. Pensando nos encontros musicais com Vinicius, lembro daquela pergunta mortal dele: “Tem música nova?”. Já era como se estivéssemos trabalhando por encomenda. Isso me ensinou muito para, depois, trabalhar por encomenda de verdade. Fiz quatro projetos grandes e encomendados com o Chico Buarque: O Grande Circo Místico (1983), O Corsário do Rei (1985), Dança da Meia Lua (1988) e Cambaio [estreou em 2001, no teatro do Sesc Vila Mariana]. E digo mais: a coisa valiosíssima de trabalhar por encomenda é que você assina um contrato e não pode furar. Aí, você tira de onde não tem para cumprir. Trabalhar por encomenda é uma grande maravilha na minha vida, provavelmente porque eu sou muito virginiano.

Edu lobo – foto: ©Nana Moraes.

Crítico
Não é que eu seja o cara mais organizado do mundo, mas gosto muito de organização. Eu preciso, sempre, estar num projeto muito ensaiado. Essa é a parte boa do meu signo. Já a parte ruim é a exigência. Uma vez, por exemplo, tive uma encomenda para a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), um projeto bem importante. Tive que fazer um frevo que depois eu descobri que é um tipo que chamam de “frevo ventania”, por ser rapidíssimo. Eu fiquei, provavelmente, dois meses no piano, depois passei a trabalhar no programa de computador. Eu não sou pianista, brinco que sou “pianeiro”, porque boto os dedos, mas não quer dizer que eu saiba tocar. Enfim, o que aconteceu é que eu ouvi repetidas vezes, mas estava achando aquele frevo uma vergonha. Vinte dias depois, precisei ser bem prático: o negócio estava bom, eu é que sou crítico demais.

Palco
A minha relação com os palcos mudou completamente ao longo dos anos. Antes, era um martírio, uma tortura, e eu sofria três dias antes do show. Hoje em dia é prazeroso, porque eu não estou preocupado se canto bem ou não. Eu canto o melhor que posso, e estou cantando as minhas músicas. Nesse show no Sesc Belenzinho, por exemplo, com exceção de um bis que a gente faz em homenagem ao [Heitor] Villa-Lobos (1887-1959), tudo é obra minha. E só aceitei essa exceção porque tenho uma relação forte com essa música, O Trenzinho do Caipira, já que fui a primeira pessoa a gravá-la. Tem gente que acha que ela é minha, e se estou com tempo, explico que não, se não, só agradeço. Mas, falando sobre palco, hoje eu tenho a satisfação de ouvir as minhas músicas com os meus músicos [em sua mais recente turnê, Edu Lobo é acompanhado por Cristovão Bastos, no piano, arranjos e direção musical, Renato Massa, na bateria, Alberto Continentino, no baixo acústico, e Mauro Senise, nos sopros]. O som que eles fazem me comove, me produz alegria e bem-estar. Depois de 60 anos, enfim, é muito bom estar no palco.
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Legado
Acho que a vida da gente acaba no dia que paramos de respirar: pronto, acabou ali. Mas, quando você deixa um trabalho, seja pintura, arquitetura, música, teatro, literatura, é um pedaço da sua alma que se mantém imortal. Então, sempre que alguém cantar alguma música minha, eu vou estar vivo nessa hora. Daqui a 80 anos, quero ser lembrado como um bom compositor. Tem quem me chame de mestre, e é claro que é bom ouvir isso, mas eu não me sinto um mestre. Acho que faço o que eu posso, do jeito que quero, isso sim é um grande orgulho. Eu construí a minha história. Claro que com a participação das pessoas que eu ouço o tempo inteiro. Tenho um filho compositor, que mora em Lisboa, e canso de dizer: “Não esqueça a música clássica. Você faz música popular, mas ouça os caras porque eles são importantíssimos”. Esse é meu conselho para todos: ouçam Debussy (1862-1918), Ravel (1875-1937). Depois, com o tempo, ouçam Bartók (1881-1945). São pessoas que nutrem a alma, que fazem você fazer coisas melhores. É assim que eu me alimento.
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> Leia a edição de agosto/23 da Revista E (SESCSP) na íntegra – clique aqui

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