A uma luz evanescente
Vemos mais agudamente
Que à da candeia que fica.
Algo há na fuga silente
Que aclara a vista da gente
E aos raios afia.
.
By a departing light
We see acuter, quite,
Than by a wick that stays.
There’s something in the flight
That clarifies the sight
And decks the rays.
– Emily Dickinson – “80 Poemas de Emily Dickinson”. [tradução Jorge de Sena]. Lisboa: Edições 70, 1978.
1
Uma palavra se abre
Como um sabre —
Pode ferir homens armados
Com sílabas de farpa
Depois se cala —
Mas onde ela caiu
Quem se salvou dirá
No dia de desfile
Que algum Irmão de armas
Parou de respirar.
.
Aonde vá o sol sem ar —
Por onde vague o dia —
Lá está esse assalto mudo —
Lá, a sua vitória!
Observa o atirador arguto!
O tiro mais perfeito!
O alvo do Tempo
O mais sublime
É um ser “ignoto!”
.
1
There is a word
Which bears a sword
Can pierce an armed man —
It hurls its barbed syllables
And is mute again —
But where it fell
The saved will tell
On patriotic day,
Some epauletted Brother
Gave his breath away.
.
Wherever runs the breathless sun —
Wherever roams the day —
There is its noiseless onset —
There is its victory!
Behold the keenest marksman!
The most accomplished shot!
Time’s sublimest target
Is a soul “forgot!”
(c. 1858)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
2
Sépala, pétala e um espinho —
Nesta manhã radiosa —
Gota de orvalho — Abelhas — Brisa —
Folhas em remoinho —
Sou uma rosa!
.
2
A sepal, petal,Annotate and a thorn
Upon a common summer’s morn —
A flask of Dew — A Bee or two —
A Breeze — a caper in the trees —
And I’m a Rose!
(c. 1858)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
3
Um perde — outro ganha —
Jogadores jogados —
Lançam de novo os dados!
.
3
We lose — because we win —
Gamblers — recollecting which
Toss their dice again!(c. 1858)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
4
Se recordar fosse esquecer,
Eu não me lembraria.
Se esquecer, recordar,
Eu logo esqueceria.
Se quem perde é feliz
E contente é quem chora,
Que alegres são os dedos
Que colhem isto, Agora!
.
4
If recollecting were forgetting,
Then I remember not.
And if forgetting, recollecting,
How near I had forgot.
And if to miss, were merry,
And to mourn, were gay,
How very blithe the fingers
That gathered this, Today!(c. 1858)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
5
O Sucesso é mais doce
A quem nunca sucede.
A compreensão do néctar
Requer severa sede.
Ninguém da Hoste ignara
Que hoje desfila em Glória
Pode entender a clara
Derrota da Vitória
Como esse — moribundo —
Em cujo ouvido o escasso
Eco oco do triunfo
Passa como um fracasso!
.
5
Success is counted sweetest
By those who ne’er succeed.
To comprehend a nectar
Requires sorest need.
Not one of all the purple Host
Who took the Flag today
Can tell the definition,
So clear, of Victory!
As he, defeated — dying —
On whose forbidden ear
The distant strains of triumph
Burst agonized and clear!
(c. 1859)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
6
Nossa porção de noite —
Nossa porção de aurora —
Nossa ausência de amor —
Nossa ausência de agrura —
Uma estrela, outra estrela
Que se extravia!
Uma névoa, outra névoa,
Depois – o Dia!
.
6
Our share of night to bear —
Our share of morning —
Our blank in bliss to fill
Our blank in scorning —
Here a star, and there a star,
Some lose their way!
Here a mist, and there a mist,
Afterwards — Day!
(c. 1859)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
7
Tanto júbilo! Tanto!
Se eu errar, que pobreza!
Pobres como eu, no entanto,
Tudo arriscaram num só Lance!
Ganharam! Sim! Temendo embora —
Deste lado a Vitória!
Vida é só Vida! E Morte, Morte!
Ar é Ar, e Alegria, Alegria!
E se eu falhar, enfim,
É doce ao menos conhecer o ruim!
Perder não é mais que Perder,
Não há mais fim que o Fim!
Mas se eu ganhar! Canhões no Mar!
Sinos nas Torres, pelo ar
Ressoem lentamente!
O Céu é muito diferente
Quando sonhado; terra firme —
Poderá extinguir-me!
.
7
’Tis so much joy! ’Tis so much joy!
If I should fail, what poverty!
And yet, as poor as I,
Have ventured all upon a throw!
Have gained! Yes! Hesitated so —
This side the Victory!
Life is but Life! And Death, but Death!
Bliss is, but Bliss, and Breath but Breath!
And if indeed I fail,
At least, to know the worst, is sweet!
Defeat means nothing but Defeat,
No Drearier, can befall!
And if I gain! Oh Gun at Sea!
Oh Bells, that in the Steeples be!
At first, repeat it slow!
For Heaven is a different thing,
Conjectured, and waked sudden in —
And might extinguish me!
(c. 1860)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
8
A salvo nos seus Quartos de Alabastro —
Distantes do Festim —
Dos Sóis e do Verão —
Dormem os meigos mestres da Ressurreição —
Tetos de Pedra — Paredes de Cetim!
Grandiosos vão os Anos ao Crescente —
Os Mundos os seus Arcos circunscrevem —
E os Firmamentos — fogem —
Diademas – decaem — dobram-se — os Doges —
Gotas sem som – em um Disco de Neve —
8
Safe in their Alabaster Chambers —
Untouched by Morning —
And untouched by Noon —
Lie the meek members of the Resurrection —
Rafter of Satin — and Roof of Stone!
Grand go the Years — in the Crescent — above them —
Worlds scoop their Arcs —
And Firmaments — row —
Diadems — drop — and Doges – surrender —
Soundless as dots — on a Disc of Snow —
(c. 1861)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
9
Tive uma jóia nos meus dedos —
E adormeci —
Quente era o dia, tédio os ventos —
“É minha”, eu disse —
Acordo — e os meus honestos dedos
(Foi-se a Gema) censuro —
Uma saudade de Ametista
É o que eu possuo —
.
9
I held a Jewel in my fingers —
And went to sleep —
The day was warm, and winds were prosy —
I said “‘Twill keep” —
I woke — and chid my honest fingers,
The Gem was gone —
And now, an Amethyst remembrance
Is all I own —
(c. 1861)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
10
Senti um Féretro em meu Cérebro,
E Carpideiras indo e vindo
A pisar — a pisar — até eu sonhar
Meus sentidos fugindo —
E quando tudo se sentou,
O Tambor de um Ofício —
Bateu — bateu — até eu sentir
Inerte o meu Juízo
E eu os ouvi — erguida a Tampa —
Rangerem por minha Alma com
Todo o Chumbo dos pés, de novo,
E o Espaço — dobrou,
Como se os Céus fossem um Sino
E o Ser apenas um Ouvido,
E eu e o Silêncio estranha Raça
Só, naufragada, aqui —
Partiu-se a Tábua em minha Mente
E eu fui cair de Chão em Chão —
E em cada Chão achei um Mundo
E Terminei sabendo — então —
.
10
I felt a Funeral, in my Brain,
And Mourners, to and fro
Kept treading — treading — till it seemed
That Sense was breaking through —
And when they all were seated,
A Service like a Drum —
Kept beating — beating — till I thought
My Mind was going numb —
And then I heard them lift a Box
And creak across my Soul
With those same Boots of Lead, again,
Then Space — began to toll,
As all the Heavens were a Bell,
And Being, but an Ear,
And I, and Silence, some strange Race
Wrecked, solitary, here —
And then a Plank in Reason, broke,
And I dropped down, and down —
And hit a World, at every plunge,
And Finished knowing — then —
(c. 1861)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
11
Não sou Ninguém! Quem é você?
Ninguém — Também?
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar!
Que triste — ser— Alguém!
Que pública — a Fama —
Dizer seu nome — como a Rã —
Para as almas da Lama!
.
11
I’m Nobody! Who are you?
Are you — Nobody — too?
Then there’s a pair of us!
Don’t tell! they’d advertise — you know!
How dreary — to be — Somebody!
How public — like a Frog —
To tell one’s name — the livelong June —
To an admiring Bog!(c. 1861)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
12
Lidamos com o Joio —
Para chegar à Joia! —
Jogamos fora o Joio —
Julgando-nos ingênuos —
Mas a Forma era a mesma —
E a nova Mão bateia
Com Táticas de Gema —
Praticando Areia —
.
12
We play at paste —
Till qualified, for Pearl —
Then, drop the Paste —
And deem ourself a fool —
The shapes — though — were similar —
And our new Hands
Learned Gem-Tactics —
Practicing Sands —
(c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
13
Muita Loucura faz Sentido —
A um Olho esclarecido —
Muito Sentido — é só loucura —
É a Maioria
Que decide, suprema —
Aceite — e você é são —
Objete — é perigoso —
E merece uma Algema
.
13
Much Madness is divinest Sense —
To a discerning Eye —
Much Sense — the starkest Madness —
’Tis the Majority
In this, as all, prevail —
Assent — and you are sane —
Demur — you’re straightway dangerous —
And handled with a Chain —
(c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
14
Morri pela beleza — e assim que no Jazigo
Meu Corpo foi fechado,
Um outro Morto foi depositado
Num Túmulo contíguo —
“Por que morreu?” murmurou sua voz.
“Pela Beleza” — retruquei —
“Pois eu — pela Verdade – É o mesmo. Nós
Somos Irmãos. É uma só lei” —
E assim Parentes pela Noite, sábios —
Conversamos a Sós —
Até que o Musgo encobriu nossos lábios —
E — nomes — logo após —
.
14
I died for Beauty — but was scarce
Adjusted in the Tomb
When One who died for Truth, was lain
In an adjoining room —
He questioned softly “Why I failed”?
“For Beauty”, I replied —
“And I — for Truth — Themself are One —
We Brethren, are”, He said —
And so, as Kinsmen, met a Night —
We talked between the Rooms —
Until the Moss had reached our lips —
And covered up — our names —(c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
15
Beleza — não tem causa — É —
Cace-a e ela cessa —
Não a cace e ela cresce —
Tente alcançar na Messe
As Ondas — quando o Vento
Passa os dedos por ela —
Deus do alto vela
Para negar o Intento —
.
15
Beauty — be not caused — It Is —
Chase it, and it ceases —
Chase it not, and it abides —
Overtake the Creases
In the Meadow — when the Wind
Runs his fingers thro’ it —
Deity will see to it
That You never do it —
(c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
16
Algumas Borboletas há
Nos Campos do Brasil —
Voam ao meio-dia só —
Depois — cessa o Alvará —
Alguns Aromas — vêm e vão
À tua Escolha, uma só vez —
Estrelas — que à Noite entrevês —
Estranhas — de Manhã —
.
16
Some such Butterfly be seen
On Brazilian Pampas —
Just at noon — no later — Sweet —
Then — the License closes —
Some such Spice — express and pass —
Subject to Your Plucking —
As the Stars — You knew last Night —
Foreigners — This Morning —
(c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
17
Eu temo a Fala escassa —
O Homem que fala Pouco —
Falastrão — é oco —
O Tagarela — passa —
Mas O que pesa — Enquanto a Turba —
Ao máximo se expande —
Esse Homem — me perturba —
Temo que seja Grande —
.
17
I fear a Man of frugal Speech —
I fear a Silent Man —
Haranguer — I can overtake
Or Babbler — entertain —
But He who weigheth — While the Rest —
Expend their furthest pound —
Of this Man — I am wary —
I fear that He is Grand — (c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
18
Prazer — vira pintura —
Se visto pela Dor —
Melhor — porque impossível
Ao fruidor —
A Montanha — à distância —
É Âmbar — um véu —
Perto — dispersa-se — a ânsia —
E Isto é — o Céu —
.
18
Delight — becomes pictorial —
When viewed through Pain —
More fair — because impossible
Than any gain —
The Mountain — at a given distance —
In Amber — lies —
Approached — the Amber flits — a little —
And That’s — the Skies —
(c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
19
Banir a Mim — de Mim —
Fosse eu Capaz —
Fortim inacessível
Ao Eu Audaz —
Mas se meu Eu — Me assalta —
Como ter paz
Salvo se a Consciência
Submissa jaz?
E se ambos somos Rei
Que outro Fim
Salvo abdicar-
Me de Mim?
.
19
Me from Myself — to banish —
Had I Art —
Impregnable my Fortress
Unto All Heart —
But since Myself — assault Me —
How have I peace
Except by subjugating
Consciousness?
And since We’re mutual Monarch
How this be
Except by Abdication —
Me — of Me?(c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
20
A Dor — tem Algo de Vazio —
Não sabe mais a Era
Em que veio — ou se havia
Um tempo em que não era —
Seu futuro é só Ela —
Seu Infinito faz supor
O seu Passado — que desvela
Novos Passos — de Dor.
.
20
Pain — has an Element of Blank —
It cannot recollect
When it began — or if there were
A time when it was not —
It has no Future — but itself —
Its Infinite contain
Its Past — enlightened to perceive
New Periods — of Pain.(c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
21
Habito a Possibilidade —
Casa melhor que a Prosa —
De Janelas mais pródiga —
Superior — em Portas —
Cômodos como Cedros —
Impermeáveis ao Olho —
E por Eterno Teto
Os Dosséis do Céu —
De Visitantes — o mais justo —
Por Ofício — Isto —
Só as asas destas parcas Mãos
Para o meu Paraíso —
.
21
I dwell in Possibility —
A fairer House than Prose —
More numerous of Windows —
Superior — for Doors —
Of Chambers as the Cedars —
Impregnable of Eye —
And for an Everlasting Roof
The Gambrels of the Sky —
Of Visitors — the fairest —
For Occupation — This —
The spreading wide my narrow Hands
To gather Paradise —(c. 1862)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
22
Como se o Mar rompesse
Mostrando um outro Mar ―
E fosse ― um outro ― nesse
Mar ainda pré-formar ―
Mares do Mar ― que invade
As Praias singulares
De outros futuros Mares ―
Nestes ― a Eternidade ―
.
22
As if the Sea should part
And show a further Sea ―
And that ― a further ― and the There
But a presumption be ―
Of Periods of Seas ―
Unvisited of Shores ―
Themselves the Verge of Seas to be ―
Eternity ― is Those ―(c. 1863)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
23
Publicar — é o Leilão
Da nossa Mente —
Pobreza — uma razão
De algo tão deprimente
Mas Nós — antes, em Greve,
Da Mansarda ir, sem cor,
Branca — Ao Branco Criador —
Que investir — Nossa Neve —
A Ele nosso Pensamento
Pertence — a Ele Que encomenda
Sua ilustração Corpórea — a Venda
Do Real Alento —
Mercar, sim — o que emana
Do Celeste Endereço —
Sem reduzir a Alma Humana
À Desgraça do Preço —
.
23
Publication — is the Auction
Of the Mind of Man —
Poverty — be justifying
For so foul a thing
Possibly — but We — would rather
From Our Garret go
White — Unto the White Creator —
Than invest — Our Snow —
Thought belong to Him who gave it —
Then — to Him Who bear
It’s Corporeal illustration — Sell
The Royal Air —
In the Parcel — Be the Merchant
Of the Heavenly Grace —
But reduce no Human Spirit
To Disgrace of Price —(c. 1863)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
24
Não podia beber se
Você antes não bebesse,
Por mais que a antecedesse
O Pensar da Sede.
.
24
I could not drink it, Sweet,
Till You had tasted first,
Though cooler than the Water was
The Thoughtfulness of Thirst.(c. 1864)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
25
Corta o Ar do Ar —
Divide a Luz, se puderes —
Eles se acharão
Cubos numa Gota
Ou Grãos num Vaso
Vão
Névoas não anulam
Odores volvem
Força a Flama
E com um Louro impulso
Ante a tua impotência
Voa a Chama.
25
Banish Air from Air —
Divide Light if you dare —
They’ll meet
While Cubes in a Drop
Or Pellets of Shape
Fit
Films cannot annul
Odors return whole
Force Flame
And with a Blonde push
Over your impotence
Flits Steam.(c. 1864)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
26
Esses testaram o Horizonte —
E desapareceram
Pássaros antes de cumprir
A Latitude.
Nossa Retrospectiva Deles
Prazer pousado,
Nossa Antecipação
— Dúvida — Dado —
.
26
These tested Our Horizon —
Then disappeared
As Birds before achieving
A Latitude.
Our Retrospection of Them
A fixed Delight,
But our Anticipation
A Dice — a Doubt —
(c. 1864)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
27
Mansão malsã de Quem?
Tabernáculo ou Tumba —
Domo de um Verme —
Grota de um Gnomo —
Ou Elfo em Catacumba?
.
27
Drab Habitation of Whom?
Tabernacle or Tomb —
Or Dome of Worm —
Or Porch of Gnome —
Or some Elf’s Catacomb?
(c. 1864)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
28
Me oculto em minha flor,
Que fana no teu Vaso,
Sem suspeitar, sentes por mim —
Quase tristeza acaso.
.
28
I hide myself within my flower,
That, fading from your Vase,
You, unsuspecting, feel for me —
Almost a loneliness.
(c. 1864)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
29
A Dor — expande o Tempo —
Eras se enrolam dentro da
Circunferência
De um só Cérebro —
A Dor contrai — o Tempo —
Num mero Tiro
Milhões de Eternidades
Cabem num Suspiro —
.
29
Pain — expands the Time —
Ages coil within
The minute Circumference
Of a single Brain —
Pain contracts — the Time —
Occupied with Shot
Gamuts of Eternities
Are as they were not —
(c. 1864)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
30
A Morte é um Diálogo entre
A Alma e o Pó.
Diz a Morte “Some” — A Alma “Só
Me cabe ser Crente” —
A Morte — sob a Terra — clama —
Vai-se a Alma
Deixando o seu — prova cabal —
Manto de Lama.
.
30
Death is a Dialogue between
The Spirit and the Dust.
“Dissolve” says Death —The Spirit “Sir
I have another Trust” —
Death doubts it — Argues from the Ground —
The Spirit turns away
Just laying off for evidence
An Overcoat of Clay.
(c. 1864)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
31
O Abrir e o Fechar
Do Ser é igual e
Desigual, se o for,
À Flor no Caule.
Que de mesma Semente
Vão, em igual Botão,
Paralelos, perfeitos
No que já não são.
.
31
The Opening and the Close
Of Being, are alike
Or differ, if they do,
As Bloom upon a Stalk.
That from an equal Seed
Unto an equal Bud
Go parallel, perfected
In that they have decayed.
(c. 1865)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
32
Morrer por ti era pouco.
Qualquer grego o fizera.
Viver é mais difícil —
É esta a minha oferta —
Morrer é nada, nem
Mais. Porém viver importa
Morte múltipla — sem
O Alívio de estar morta.
.
32
Too scanty ’twas to die for you,
The merest Greek could that.
The living, Sweet, is costlier —
I offer even that —
The Dying, is a trifle, past,
But living, this include
The dying multifold — without
The Respite to be dead.
(c. 1865)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
33
A Geometria é a maior Magia
Para a imaginação do mago —
Cujos prodígios, meros atos,
A humanidade prestigia.
.
33
Best Witchcraft is Geometry
To the magician’s mind —
His ordinary acts are feats
To thinking of mankind.
(c. 1870)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
34
A Voz que para mim é um Mar
É para outros chã —
A Face que nasce a Manhã
Fana sob outro Olhar —
Que diferença há em Substância
Se o que me é Soma
A outras Finanças só alcance a
Pobreza Extrema!
.
34
The Voice that stands for Floods to me
Is sterile borne to some —
The Face that makes the Morning mean
Glows impotent on them —
What difference in Substance lies
That what is Sum to me
By other Financiers be deemed
Exclusive Poverty!
(c. 1871)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
35
Ruas sem som serviam
Circunscrições de Pausa —
Nem Sim — nem Não — se ouviram
Sem Universo — ou Causa —
Relógios davam Dia —
Noite — Sinos distantes —
Mas Eras não havia
E nem Depois nem Antes.
.
35
Great Streets of silence led away
To Neighborhoods of Pause —
Here was no Notice — no Dissent —
No Universe — no Laws —
By Clocks, ’twas Morning, and for Night
The Bells at Distance called —
But Epoch had no basis here
For Period exhaled.
(c. 1870)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
36
Se o meu Riacho é fluente
Há de secar —
Se o meu Riacho é silente
Ele é o Mar —
Que cresce. Em meu espanto
Tento escapar
Para um (dizem que existe) Canto
Onde “não há Mar” —
.
36
Because my Brook is fluent
I know ‘tis dry —
Because my Brook is silent
It is the Sea —
And startled at its rising
I try to flee
To where the Strong assure me
Is “no more Sea” —
(c. 1871)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
37
A palavra morre
Quando ocorre,
Se dizia.
Eu digo que ela
Se revela
Nesse dia.
.
37
A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just
Begins to live
That day.
(c. 1872?)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
38
O Enigma decifrado
Despreza-se com pressa —
A Surpresa de Ontem
Já não nos interessa —
.
38
The Riddle we can guess
We speedily despise —
Not anything is stale so long
As Yesterday’s surprise —
(c. 1870)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
39
Tanto orgulho em morrer
Que nos humilha. Tanta
Indiferença em ter
Tudo o que nos encanta —
Tão feliz, ao revés,
De ir aonde ninguém quis —
Que a Angústia se desdiz
Em Inveja, a teus pés —
.
39
So proud she was to die
It made us all ashamed
That what we cherished, so unknown
To her desire seemed —
So satisfied to go
Where none of us should be
Immediately — that Anguish stooped
Almost to Jealousy —
(c. 1873)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
40
Nesta Vida tão breve
De que nos dão só um gole
Quanto — quão pouco — está
Sob o nosso controle
.
40
In this short Life
that only lasts an hour
How much — how little —
is within our power(c. 1873)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
41
Ontem é História,
Mas está tão longe —
Ontem é Poesia —
É Filosofia —
Ontem é mistério —
Mas onde está Hoje?
Mal especulamos
O tempo nos foge
.
41
Yesterday is History,
‘Tis so far away —
Yesterday is Poetry —
‘Tis Philosophy —
Yesterday is mystery —
Where it is Today
While we shrewdly speculate
Flutter both away
(c. 1873)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
42
O Cogumelo — à Noite —
É o Gnomo da Floresta — e
De Dia, Trufo-Travesti,
Estaca, um Toco.
Como se lentamente
Em toda a sua Saga
Mais lento que a Serpente
Mais breve que uma Praga —
Malabar vegetal —
Gente do Álibi — tal
Uma Bolha antecede
E, Bolha, se despede —
Como se visse a Grama
Interromper sua trama —
Um sub-reptício enxerto
Do verão circunspecto.
Se a Natureza a um Traidor
Quisesse descompor —
Se Apóstata tivesse —
O Cogumelo — é esse!
.
42
The Mushroom is the Elf of Plants —
At Evening, it is not —
At Morning, in a Truffled Hut
It stop upon a Spot
As if it tarried always
And yet it’s whole Career
Is shorter than a Snake’s Delay
And fleeter than a Tare —
’Tis Vegetation’s Juggler —
The Germ of Alibi —
Doth like a Bubble antedate
And like a Bubble, hie —
I feel as if the Grass was pleased
To have it intermit —
This surreptitious scion
Of Summer’s circumspect.
Had Nature any supple Face
Or could she one contemn —
Had Nature an Apostate —
That Mushroom — it is Him!
(c. 1874)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
43
Se o lábio hábil a sílaba
Soubesse sopesar,
Poderia, surpreso,
Ruir sob seu peso.
.
43
Could mortal lip divine
The undeveloped Freight
Of a delivered syllable
‘Twould crumble with the weight.
(c. 1877)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
44
Um Vão na Pedra Tumular
Faz do feroz Lugar
Um Lar —
.
44
A Dimple in the Tomb
Makes that ferocious Room
A Home —
(c. 1880)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
§
45
A Fama é uma abelha.
Tem um estribilho —
Um ferrão em brasa —
Ah! também tem asa.
.
45
Fame is a bee.
It has a song —
It has a sting —
Ah, too, it has a wing.
(?)
– Emily Dickinson – ‘Não sou ninguém’. Poemas. [traduções Augusto de Campos]. Campinas: Unicamp, 2009.
****
TRADUÇÃO AÍLA DE OLIVEIRA
606
“Dizem, ‘com o tempo se esquece’,
Mas isto não é verdade,
Que a dor real endurece,
Como os músculos, com a idade.
O tempo é o teste da dor,
Mas não é o seu remédio –
Prove-o e, se provado for,
É que não houve moléstia.
.
606
They say that “Time assuages” –
Time never did assuage –
An actual suffering strengthens
As Sinews do, with age –
Time is a Test of Trouble –
But not a Remedy –
If such it prove, it prove too
There was no Malady –
– Emily Dickinson, em “Emily Dickinson: Uma centena de poemas”. [tradução, introdução e notas Aíla de Oliveira Gomes]. São Paulo: T. A. Queiroz; EdUSP, 1984.
§
701
“Um pensamento me veio hoje à mente
Que já antes me ocorreu.
Não o concluí; foi tempo atrás; que ano
Não lembro corretamente;
Nem para onde foi, nem porque veio
A mim por segunda vez;
Nem, em definitivo, o que ele era
Tenho a arte de dizer.
Mas – em algum canto – em minha alma – eu sei
Que já encontrei Coisa assim –
Foi só um relembrar – foi tão somente –
E já não mais veio a mim.
.
701
A Thought went up my mind today –
That I have had before –
But did not finish – some way back –
I could not fix the Year –
Nor where it went – nor why it came
The second time to me –
Nor definitely, what it was –
Have I the Art to say –
But somewhere – in my Soul – I know –
I’ve met the thing before –
It just reminded me – ‘twas all –
And came my way no more –
– Emily Dickinson, em “Emily Dickinson: Uma centena de poemas”. [tradução, introdução e notas Aíla de Oliveira Gomes]. São Paulo: T. A. Queiroz; EdUSP, 1984.
§
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