A entrada dos portadores do vírus na terceira idade indica que este grupo é mais vulnerável a outras doenças não associadas à Aids, como problemas cardiovasculares

A entrada dos portadores do vírus na terceira idade indica que este grupo é mais vulnerável a outras doenças não associadas à Aids, como problemas cardiovasculares.

A luta contra o vírus HIV entrou em uma nova era: o envelhecimento das pessoas soropositivas. A comunidade médica conseguiu diminuir a mortalidade e tornar crônica a situação dos pacientes soropositivos reduzindo ao mínimo sua carga viral para evitar que desenvolvam Aids e infecções oportunistas ligadas a essa doença. Os tratamentos antirretrovirais conseguiram controlar o vírus e aumentar a esperança de vida da população com HIV. No entanto, esse grande avanço, impensável há 30 anos, revelou novos desafios para a comunidade científica: a entrada do HIV na terceira idade revelou que este grupo é mais vulnerável a outras doenças não associadas à Aids, como problemas cardiovasculares, insuficiência hepática ou renal e tumores, entre outras.

Os infectologistas que atendem pessoas com HIV foram mudando junto com as necessidades do paciente. “O infectologista do HIV é peculiar. Mudamos nossa forma de atender o paciente, de infectologistas para infectologistas focados na atenção primária e agora caminhamos para abordagem mais de geriatras”, explica o doutor Hernando Knobel, chefe clínico de medicina interna e doenças infecciosas do hospital do Mar de Barcelona. O centro acaba de ganhar uma bolsa Gilead para validar um teste que calcula o risco cardiovascular em pessoas com HIV. “Existe a hipótese de que o HIV gere mais risco cardiovascular, mas temos de ver em que medida, porque também influem fatores genéticos, hábitos de vida…”, afirma o pesquisador.

Segundo os dados de uma meta-análise de 2012 coletados pela Fundación Gaspar Casal em um relatório, as pessoas soropositivas têm 60% mais risco de sofrer um infarto agudo do miocárdio, angina estável ou instável ou íctus do que indivíduos não infectados. “O evento cardiovascular é multifatorial. O fato de se ter HIV não te vacina de outros fatores de risco, como o fumo [a prevalência de consumo de tabaco também é maior na população com HIV], a hipertensão, o sedentarismo. Se a pessoa controla tudo isso, certamente o aumento do risco de HIV será menor”, pondera Knobel (Buenos Aires, 1955). Sob a coordenação do doutor Jaume Marrugat, médico do serviço, o hospital quer “ajustar a influência do HIV” dentro desse teste, que já foi validado na população sem HIV.

Knobel afirma que a prioridade dos clínicos continua sendo controlar a carga viral do paciente. “Felizmente, a maioria das pessoas aceita bem o tratamento e não tem Aids. De fato, se seguem a recomendação médica e cumprem o tratamento, a esperança de vida é praticamente igual à da população sem HIV”, diz. A Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs o objetivo 90-90-90, que significa detectar 90% dos afetados, tratar 90% das pessoas diagnosticadas e reduzir ao mínimo a

“Vemos maior comorbidade associada ao envelhecimento. Não está claro se esses pacientes envelhecem mais rápido ou com mais potência, há muita controvérsia. Mas nos preocupa muito a infecção associada à hepatite C, as hepatopatias crônicas, os problemas cardiovasculares e neurocognitivos e também o surgimento do câncer, e por isso será necessária mais prevenção e diagnóstico precoce”, afirma. A Fundação Gaspar Casal coletou dados de vários estudos que testemunham que mais de 40% das pessoas com HIV têm a função renal alterada e 73% apresentam um risco moderado ou alto de progressão à doença renal crônica. O excesso de câncer na população com HIV, diz o estudo, é “considerável”, devido à imunossupressão, a frequente coinfecção com vírus oncogênicos e comportamentos de risco como fumar”. Os mais comuns são os linfomas não Hodgkin, sarcoma de Kaposi e câncer de pulmão.

O médico afirma que para enfrentar essa nova realidade das comorbidades do paciente com HIV será necessário muito conhecimento, por exemplo, na administração do tratamento. “É preciso ter cuidado porque pode haver problemas se o médico de cabeceira acrescenta um tratamento a um paciente e não leva em conta possíveis interações com antirretrovirais”, argumenta.

Além disso, acrescenta, está ocorrendo uma reviravolta na atenção aos pacientes. “A fragilidade, que é o envelhecimento biológico, não cronológico, chega antes para pacientes com HIV”, avisa o médico. Os especialistas entendem a fragilidade como resultado da acumulação de déficits em diferentes sistemas fisiológicos, que torna o paciente mais vulnerável a fatores adversos, como quedas, alucinações ou incapacitação, entre outros. “O manejo da fragilidade e essa situação sempre em mudança do HIV é o novo desafio: é preciso melhorar o atendimento e adaptar-se à realidade de cada paciente. Temos de mudar nossa forma de atendê-los, porque estamos muito acostumados a tratá-los e é preciso tentar prevenir”, afirma o pesquisador.

“PREOCUPAÇÃO” COM OS TUMORES EM PESSOAS COM HIV
Um estudo do hospital de Alava apresentado ontem, dia 30 de novembro, no congresso de Gesida (o grupo de estudos da Aids da Sociedade Espanhola de Doenças Infecciosas e Microbiologia Clínica) comprovou que as pessoas com HIV sofrem duas vezes mais de tumores do que de doenças cardiovasculares. “Os tumores, por sua frequência, sua tendência crescente e seu potencial mortal, nos preocupam mais agora. O câncer de pulmão é o que mais aumentou, inclusive em não fumantes, onde a incidência é maior do que a esperada”, afirma o doutor Esteban Martínez, vice-presidente da Gesida.

O estudo demonstra também que a mortalidade é maior em função de tumores do que de acidentes cardiovasculares. No acompanhamento aos pacientes durante 15 anos, faleceram 40% dos pacientes com tumores, enquanto que dos pacientes com problemas cardiovasculares morreram 23%. “Os pacientes com HIV não morrem pelo HIV nem desenvolvem a Aids, mas, paradoxalmente, essa mudança favorável os faz contrair outras doenças”, reflete o médico.

Fonte: El País Brasil

 

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