Salgado Maranhão (José Salgado Santos) nasceu no povoado Canabrava das Moças, município de Caxias, no estado do Maranhão; filho da camponesa Raimunda Salgado dos Santos e do comerciante Moacyr dos Santos Costa. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1973 (tendo antes vivido em Teresina e nesta cidade iniciado sua vida literária), onde estudou Comunicação Social, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), e Letras na Santa Úrsula (sem concluir). É poeta, jornalista, compositor (letrista) e consultor cultural. Seus primeiros poemas forem editados na antologia Ebulição da escrivatura (1978). Posteriormente, publicou os seguintes livros de poesia: Aboio – ou saga do nordestino em busca da terra prometida (1984); Punhos da serpente (1989); Palávrora (1995); O beijo da fera (1996); Mural de ventos (José Olympio, 1998); Sol sanguíneo (2002); Solo de gaveta (2005); A pelagem da tigra (2009); A cor da palavra (2010), O mapa da tribo (2013); Ópera de nãos (2015); Avessos avulsos (2016); Ópera de nãos (2016), A sagração dos lobos (2017); A casca mítica (2020) e Pedra de encantaria (2021); além dos infanto-juvenis: ‘Paisagens & Relevos’; ‘Rios e Lendas’ e ‘Aldeias e Rebanhos’ (2019). Ganhou vários Prêmios, entre os quais, o Jabuti, em 1999, com o livro Mural de ventos, e o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras, em 2011, com o livro A cor da palavra. Seus poemas estão traduzidos em inglês, italiano, francês, alemão, sueco, hebraico e esperanto. Como compositor, tem gravações e parcerias com grandes nomes da MPB, como Alcione, Elba Ramalho, Dominguinhos, Paulinho da Viola, Ivan Lins, Zizi Possi, Ney Matogrosso, Elton Medeiros, Rita Ribeiro, Zé Renato, Selma Reis, Rosa Maria, Xangai, Vital Farias, Zé Américo Bastos, Moacyr Luz, Amélia Rabelo, Carlos Pitta, Gereba, Mirabô Dantas, Wagner Guimarães e Naeno. * Saiba mais sobre Salgado Maranhão, aqui.
Eis a entrevista:
Daniela Aragão: Como começou a palavra em sua vida?
Salgado Maranhão: A palavra me libertou. Nasci e vivi no interior do Maranhão, no município de Caxias do Maranhão até os quinze anos. Vivi como todo camponês que tem braços, mãos, pernas para o trabalho, mas não tem voz. Eu não existia como uma voz e nem sequer tinha registro de nascimento até os dezesseis anos. Eu já havia trabalhado oito anos na agricultura e não existia.
Quando vim para Teresina, comecei uma vida urbana e tive contato com o choque cultural. Quando me alfabetizei eu estava soterrado de conteúdos. Daí descobri a palavra e que eu podia falar e que ela é um instrumento poderoso, tanto para a expressão, como para manipular e reagir a qualquer tipo de opressão.
A poesia, que é um gênero que normalmente todos os povos que se libertam lançam mão, pode unir três mundos: Céu, terra e humanidade. A poesia fala do sentimento, do que envolve a razão. Ela coliga três sentimentos: razão, emoção e intuição. Então pude me expressar através desse discurso, que foi o que mais me interessou. Não é um discurso narrativo linear, a poesia admite interferências, efeitos de estranhamento. A descoberta da poesia foi para mim a descoberta da palavra e de seu poder. Não a palavra fria do dicionário, mas a palavra viva da experiência, da existência, do confronto com a vida. A poesia que mobiliza essa palavra precisa de confronto.
Daniela Aragão: A descoberta da palavra veio acompanhada por um processo ávido de leituras?
Salgado Maranhão: Totalmente. Descobri a leitura e ela se tornou meu lazer. Flaubert, Camões, Goethe, Kafka, Hemingway. Vivendo nessa cidade de Teresina, quente como você está vivendo, sem o conforto do ventilador e ar-condicionado, que na época não haviam. Era uma cidade de casinhas muito pobres, com tetos muito baixos em que o sol incidia nas redes. Não existia praticamente opção de lazer. Tinham uns forrós, os jovens iam para festas de iêiêiê, bailes e conjuntos. Os pobres iam para o forró, eu nem tinha isso. Como viemos para Teresina com o propósito de trabalhar e estudar, encurtamos o caminho e descobri a leitura como uma possibilidade de ao mesmo tempo me enriquecer e divertir.
Daniela Aragão: O mergulho pela alta literatura se deu num procedimento autodidata?
Salgado Maranhão: Sou absolutamente autodidata. Fiz sempre absolutamente o que quis e pagando o preço pelo que desejei fazer. Nunca precisei de fraudar, deixar para trás, deixar de ser generoso com as pessoas, pois eu tinha um espaço a conquistar. Tudo o que conquistei foi sendo generoso, solidário, companheiro, sem ultrapassar o outro, sem furar fila. Descobri sozinho, ninguém me mandou ler poesia, nada. Às vezes assusto as pessoas, pois quase sempre, muito tempo antes, já sei o que vou fazer e por qual motivo. Sou muito decidido no que pretendo fazer e penso que grande parte das pessoas são como folha n’água.
Daniela Aragão: Você sentiu que a palavra seria o seu ofício?
Salgado Maranhão: Descobri de imediato. Minha mãe, que foi a mulher que nos educou, não se preocupava com sobrevivência. Ela era uma camponesa que amava latim e que só se importava com o saber e as coisas bonitas. Ela só queria saber de poesia, desse universo. Levava os cantadores repentistas lá do Maranhão para nossa casa cantar. Ela não tinha educação formal nenhuma, mas adorava poesia popular. Ela dizia “Meu filho o que importa é o saber, pois o saber morre com seu dono”. Essa mulher que não estudou me instigou a estudar. Minha mãe exerceu grande influência na formação de meu caráter, puxei-a nessa firmeza de objetivo e na certeza das coisas. Puxei meu pai no humor. Minha mãe gostava de combater e meu pai era um homem absolutamente cordial e carinhoso.
Jorge Luiz Borges diz algo muito interessante sobre esse lance da valentia: “uma coisa homem nenhum se arrepende, esta coisa é ter sido valente”.
Daniela Aragão: Nesse pouco tempo que estou no nordeste observo o quanto as mulheres são fortes, guerreiras, corajosas. O que a seu ver contribui para construir esse feminino?
Salgado Maranhão: A vida é inóspita. Conheci mulheres muito fortes. Minha mãe, minha avó e minhas tias eram mulheres muito fortes. Vim de um matriarcado. Quando nasci minha mãe já tinha quarenta e três anos. Ela se casou por volta dos vinte e poucos anos, teve uma filha. Quando essa menina tinha dois anos, o marido a agrediu pela primeira vez. Ninguém poderia fazer isso com mamãe. Digo para minhas amigas, por que uma segunda vez? Este homem sequer teve a chance de falar com minha mãe novamente, pois ela jamais admitiu. Isso é caráter. Essa mulher viveu vinte anos sem homem, retornou para a casa dos pais e ficou cuidando de minha irmã. Era uma mulher com um poder de ação e liderança incríveis, nunca a vi diante de medo e dúvida. Quando ela tinha um pouco mais de quarenta anos fez uma promessa de que queria ter um filho homem. Nasci no mesmo dia que minha irmã, vinte anos depois.
Daniela Aragão: Imagino a alegria que se deu com sua chegada.
Salgado Maranhão: Meu pai tinha já três filhas moças que regulavam a idade com minha irmã por parte de mãe. Quando nasci todos ficaram doidos comigo. Fiquei ao lado do poder econômico e político de minha família trabalhando como um camponês qualquer, isso foi a melhor coisa que me aconteceu na vida, pois me deu força de propulsão e um contato real com a vida.
Papai queria que eu estudasse, fosse para Brasília. Tem uma ala no congresso com o nome de meu tio, que foi um poderoso senador do Maranhão. Até quando fui para o Rio de Janeiro meu pai queria que eu me mudasse para Brasília.
Minha mãe me deu todo o entendimento que tenho sobre a vida, logicamente burilado pelas leituras e por minhas vivências.
Daniela Aragão: Você vai para o Rio de Janeiro muito jovem.
Salgado Maranhão: Com dezoito para dezenove anos comecei a escrever para jornal O Dia, fazia uma coluna e matérias. Quatro anos após ter vindo do interior, cumpri todas as séries que me faltavam para completar o estudo formal. A leitura me facilitou muito, me colocava lá no topo. Rapidamente tive o domínio da língua e do texto. Foi um vulcão em minha vida.
A partir daí comecei a me entrosar com estudantes, intelectuais e poetas da cidade. Conheci Torquato Neto numa de suas vindas a Teresina para visitar seu pai, fizemos amizade e isso foi muito importante para mim. A partir de minha amizade com Torquato, pude dimensionar o meu projeto de ir para o Rio de Janeiro aconselhado por ele. Fui para o Rio em 1973, conheci Torquato em 72, justamente no ano de sua morte. Ele já era o Torquato que estava nas paradas. As informações que me chegaram através dele foram muito importantes e Torquato é importante até hoje. Ele já era antenado com o que aconteceria muito tempo depois, sendo assim não poderia ser entendido naquela hora. Num papo de bar com o cineasta Marcos Fernando conversamos sobre a importância de Torquato, a conversa rendeu tanto que ele acabou resolvendo fazer um filme sobre ele no qual me tornei um consultor.
Daniela Aragão: E a ideia do filme se tornará realidade?
Salgado Maranhão: Com certeza, sairá no primeiro semestre de 2016 um filme sobre Torquato intitulado O anjo torto, no qual dou depoimento e sou um dos consultores. Há depoimentos de Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Augusto de Campos. Uma legião de pessoas que conviveram com Torquato.
Daniela Aragão: Você chega no Rio de Janeiro na época em que floresciam os “poetas marginais”, Ana Cristina César, Chacal, Cacaso… No entanto você não faz parte da reunião dos 26 poetas, organizada por Heloísa Buarque.
Salgado Maranhão: Não faço parte, pois cheguei um pouco depois. Não entrei na seguinte organizada por Heloísa, pois eu já não era mais um poeta iniciante. Sempre fui um poeta com um caminho próprio.
Daniela Aragão: Exatamente, você traz em sua poesia uma marca muito própria e um caráter universal que ultrapassa enquadramentos que às vezes chegam a ser cerceadores. Os poetas que fizeram parte da antologia organizada por Heloísa seguiram futuramente caminhos próprios e distintos.
Salgado Maranhão: Alguns ali ficaram como Chico Alvim, que tem uma poesia consistente, Chacal, Ana Cristina César, que morreu, mas possui uma voz. Capinam acabou se enveredando mais para a música. Estamos aqui num evento voltado para as reflexões sobre africanidade e seus desdobramentos. Mesmo que minha poesia tenha uma interface com a questão da raça negra, ela não está restrita a isso, minha poesia é da vida, da existência.
Daniela Aragão: Sua poesia é atemporal e sem demarcação social. Você é um poeta absolutamente autodidata, o que te motivou o interesse para fazer o curso de comunicação?
Salgado Maranhão: Eu já escrevia para o jornal e era o curso que se fazia na moda. Pela PUC eu encontrava todo mundo na época. Passando um tempo passei a achar uma chatice, pois no curso eu não lia as coisas que me interessavam. É importante para um poeta ser sobretudo um autodidata. A escola sistematiza e cada poeta tem sua voz. O poeta deve ter necessariamente a sua própria gramática. Entre os poetas que hoje são professores alguns são muito bons, mas às vezes lhes falta a ousadia, como se eles buscassem fazer o certo. A poesia não tem certo, a poesia é o seguinte: se o errado for genial torna-se poesia.
Salgado Maranhão – poeta, compositor e jornalista.Daniela Aragão: Esse “buscar fazer o certo” é como se alguns poetas estivessem sempre aguardando a legitimação da própria academia?
Salgado Maranhão: Eles se preocupam estritamente com a fórmula, com o que deve ou não ser feito. Se eu quiser voar de cabeça para baixo eu vôo. Nicolas Behr tem uma frase muito bacana que diz assim: “Nem tudo o que é torto é errado. Veja as pernas do Garrincha e as armas do cerrado”. Se o errado que você faz for absolutamente genial, não está errado. No entanto quando você esta imbuído da academia, preso em conceitos “ah porque Deleuze falou isso, Maurice Blanchot falou aquilo”, isso é ser professor.
Daniela Aragão: Suponho que por isso você não desejou enveredar pela academia.
Salgado Maranhão: Exatamente. Escolhi trabalhar em outra coisa para não contaminar minha cabeça. Isso não quer dizer que eu não tenha estudado pracaramba para conhecer as formas fixas. Estudei e quando quero esqueço-as, quando desejo transgredir transgrido, pois posso também desconstruir. Um poeta deve conhecer profundamente as formas do verso. Às vezes até o não verso ele deve saber. A unidade rítmica, o sentido e o som que cada verso tem. Quem sabe e conhece sua trajetória pode desconstruir e possivelmente até fazer um verso diferente.
Daniela Aragão: Há os seus poetas digamos de cabeceira, diálogo constante?
Salgado Maranhão: Eu dialogo o tempo todo com vários poetas. Fernando Pessoa é um deles, mas não leio muito mais. Tenho lido Sophia de Mello Breyner. Gosto de Drummond, Cabral, Manuel Bandeira é uma delícia. Leio muitos poetas para obter o prazer da leitura, mas eles não me instigam mais a escrita hoje. Eles já estão dentro de mim. A vida, a existência, isso me instiga muito. Toda hora estou em estado de poesia, olhando as coisas, percebendo, recriando a realidade, a vida. Colhendo palavras do cotidiano, o que as pessoas falam na rua, os letreiros.
Daniela Aragão: Você está atento o tempo inteiro, tudo é elemento de poesia para você. E a música? Você possui várias letras gravadas por artistas como Zizi Possi, Ivan Lins, Ney Matogrosso, entre outros.
Salgado Maranhão: Presto muita atenção na música, mas é outra coisa. Torquato teve influência nesse meu envolvimento com a música, pois ele escrevia letras maravilhosas e me instigou a querer escrever letras também. Na década de setenta e oitenta a poesia cantada era muito forte. Há letristas fantásticos, Ronaldo Bastos, Paulo César Pinheiro, Hermínio Bello de Carvalho, Aldir Blanc, Fernando Brant. Sou filho desse caldeirão, música popular, poesia de cordel.
Daniela Aragão: Escrever poema e letra de música implica processos diferentes?
Salgado Maranhão: Sem sombra de dúvida. Às vezes coincidem, mas em geral a letra necessita do ancoradouro da música. A letra de música é mais arrematada no percurso começo, meio e fim. Caetano Veloso constrói letras elaboradas, mas no geral a letra é mais linear. Por esse motivo, em função da evolução da poesia do papel, a letra de música não se garante muito na pauta em branco. Isso não significa que não tenha poesia. Como dizia Murilo Mendes “A poesia como o vento sopra quando quer”. Há letras de música que são melhores que certos poemas. Nem tudo que está em livro é poesia, embora haja pretensão disso. A letra da canção no Brasil é boa já faz horas, desde Orestes Barbosa, Noel Rosa, Mário Lago. Passando pelos poetas do morro como Zé Kéti, Candeia, Nelson Cavaquinho. São poetas de extrema qualidade poética. No entanto eles não tinham o objetivo de ser poetas em livro.
Daniela Aragão: É comum a mídia querer chamar compositores de poetas. Caetano Veloso disse que nunca foi poeta, mas compositor, assim como Cazuza. Há estados de poesia, de beleza nas produções dos letristas e compositores.
Salgado Maranhão: “Eu vi a cara da morte e ela estava viva”, isso é muito forte. Aquela que fala do peito do meu traidor, tem muita poesia. Conheci o Cazuza na época em que ele morava num apartamento na pracinha do Jóquei. Ele ouvia muito Cartola, Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso. Vi discos de cantoras antigas na casa dele. Era outra percepção, por isso as letras de Cazuza eram diferenciadas.
Daniela Aragão: Esse conhecimento amplo de nossa tradição musical Cazuza herdou de um legado que trouxe sobretudo da convivência com os pais dentro de casa e com os grandes artistas que por lá passaram. Voltando a questão da poesia, uma curiosidade sobre o seu processo de escrita. Você tem disciplina para escrever visto que é um poeta que está sempre em trânsito viajando pelo Brasil e o exterior dando conferências, participando de encontros poéticos?
Salgado Maranhão: Tenho disciplina sim, sou um clássico. O pássaro passa o tempo voando, mas não significa que ele não possa cantar, ele canta voando. Eu sou um pássaro que canta voando. Gosto de andar, conhecer lugares, isso me instiga. Uma vez fui a Paris, eu estava em função de uma separação e conheci uma francesa pela qual me apaixonei. Tudo o que estava soterrado saiu e está no livro que irei lançar agora nos Estados Unidos. O título é A pelagem da tigra. Tudo me interessa pois: Sou um gato/ e caio firme sobre as quatro patas/ há sempre um muro alto em minha frente/ um atropelo/ um batente/ um teto inatingível/ aos poucos vou virando vulto/ o que pisa/ mas não deixa rastro.
Essa capacidade de dar cambalhotas e viver nas mais distintas situações e transformar as adversidades em poesia, minha poesia é feita disso. Feita de um frisson, de um contato permanente com a realidade. Um encontro da vida com suas ilusões e desilusões. Não vou deixar de viver, só os medíocres tem medo das coisas porque só pensam em consequência. Não podem criar, como se suas mentes fossem estéreis. Como eles não transformam a dor em arte, em nada, então é uma dor estéril.
Daniela Aragão: Certo dia você comentou que chega a deixar anos um poema na gaveta até comprovar se aquele escrito seu sobrevive ao tempo e tem força poética.
Salgado Maranhão: A poesia precisa de um pouco de chá de gaveta para que possa amadurecer. Necessita de um pouco de distanciamento. Fiz um poema para minha mãe que morava numa casa lá do outro lado ( refere-se a rua em frente a que nos encontramos). Minha mãe, uma mulher tão extraordinária, que me ensinou tantas coisas bonitas. Fiquei pensando que se ela fosse uma mulher da elite teria um logradouro, mas como era uma mulher do povo, uma heroína silenciosa, não teve nada para ela. Então escrevi um poema dedicado a ela: De ti não há sequer/ Um álbum de família/ retratos da infância nos campos de arroz e gergelim./ Talvez reste em pensamento/ pedaços de tua voz/ no vento/ como impressões digitais/ num rio. Minha mãe partiu antes que eu concluísse o poema. No dia de sua morte ela estava sendo velada nesta casa a qual estamos agora, eu queria chegar perto, mas não conseguia.
Fiz este poema: No dia em que o azul/ roubou teus olhos/ e o silencio rival rasgou teu nome/ cotovias cantaram no teu rastro/ No dia em que a manhã/ cerrou teus olhos/ Senti só a flor da árvore desolada/ Agora o mar bate em minhas costas. Traduziram este poema para o inglês e ele circulou por várias universidades no exterior. Minha mão faleceu no dia 14/9/1985, mas só terminei seus poema uns 15 anos depois. Está no meu livro A Cor da Palavra, com o título de Máter.
Daniela Aragão: Sua poesia já foi traduzida para outros idiomas e circula nos Estados Unidos.
Salgado Maranhão: Tenho dois livros traduzidos nos Estados Unidos, O sol sanguíneo, foi traduzido Blood of the Sun e A pelagem da tigra, que em inglês levou o título Tiger Fur. Provavelmente eu seja hoje o poeta contemporâneo de maior referência nos Estados Unidos. Convivo com o tradutor e acompanho palavra por palavra minuciosamente.
Daniela Aragão: O que é a poesia para você?
Salgado Maranhão: Para mim, a poesia é o lugar do coração que pensa. Digo isso num poema, que está no livro A cor da Palavra. A poesia é o mais extraordinário meio de expressão através do discurso verbal. Nenhum outro tipo de texto consegue dizer tanto com tão pouco. Por isso é que eu, que tinha tantas vivências represadas não poderia ter escolhido outra forma de discurso. Além disso, a poesia é generosa, pode cantar com açúcar até a dor mais extrema.
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** Daniela Aragão (1975) é doutora em literatura brasileira pela Puc-Rio, cantora e pesquisadora musical. Há mais de duas décadas desenvolve trabalhos sobre a história do cancioneiro brasileiro, com trabalhos publicados no Brasil e no exterior. Gravou em 2005 o disco “Daniela Aragão face A Sueli Costa face A Cacaso”. Há mais de uma década realiza entrevistas com músicos de Juiz de Fora e de estatura nacional. Entre os entrevistados estão: Sergio Ricardo, Roberto Menescal, Joyce Moreno, Delia Fischer, Márcio Hallack, Estevão Teixeira, Cristovão Bastos, Robertinho Silva, Alexandre Raine, Guinga, Angela Rô Rô, Lucina, Turíbio Santos… Seu livro recém lançado “De Conversa em Conversa” reúne uma série de crônicas publicadas em jornais e revistas (Cataguases, AcheiUSA, Suplemento Minas, O dia, Revista Revestrés, Cronópios…) ao longo de quinze anos . Os textos de Daniela Aragão são reconhecidos no meio musical devido a sua considerável marca autoral e singularidade, cuja autora analisa minuciosamente e com lirismo obras de compositores e cantores como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Rita lee. O livro possui a orelha escrita pelo poeta Geraldo Carneiro, prefácio do pesquisador musical e professor da Puc-Rio Júlio Diniz, contracapa da cantora e compositora Joyce Moreno e do pianista e arranjador Cristovão Bastos. Irá lançar em 2022 seu livro “São Mateus – num tempo de delicadezas”. Colunista da Revista Prosa, Verso e Arte. #* Biografia completa AQUI!
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