terça-feira, fevereiro 11, 2025

Entrevista com Vânia Bastos, por Daniela Aragão

Vânia Bastos (Ourinhos, 13 de maio de 1956). A cantora ouviu um chamado do palco ainda criança, suficiente para vencer a timidez e se tornar uma grande voz na música brasileira. Natural de Ourinhos, interior de São Paulo, foi encantada pelas vozes do rádio dos pais e dos discos do irmão. Encantou plateias desde cedo, com apresentações na sua cidade natal. Mudou-se para São Paulo, onde seu caminho cruzou com Arrigo Barnabé, Suzana Salles, Neuza Pinheiro, Itamar Assumpção e a Vanguarda Paulista, e desabrochou seu canto junto a banda Sabor de Veneno. A cantora, que perdeu a timidez nos palcos, abre algumas memórias nesta entrevista.

Daniela Aragão: Conheci você cantando “ Canta cantacanta a beleza”….
Vânia Bastos: Essa música é uma maravilha do Gudin, cantei essa música primeiramente num show que fiz com ele e depois passou um tempinho a gente gravou um disco: Vânia e Gudim. Próximo a esse acontecimento entrou o Canta mais, foi para o disco solo que eu fiz. Foi um arranjo muito lindo, com uma bela orquestração do Luiz Roberto de Oliveira, de São Paulo. Aí entrou para a novela Éramos seis.
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Daniela Aragão: Teve essa divulgação muito grande e com uma pegada de lirismo tocante.
Vânia Bastos: Eu ficava impressionada, pois na época eu saí fazendo vários shows pelo Brasil e tinha até criança cantarolando. E cantava pra mim cheia de história. Está provado que basta tocar que a antena das pessoas é muito boa. A grande maioria é muito musical. Pode ter uma música um pouquinho mais difícil, mas tudo tem a questão da oportunidade da escuta. É o grande barato.

Daniela: Sem dúvida é uma música difícil, cheia de desenhos, aclives e declives. Não fomos feitos para a submúsica, é o que colocaram pra gente engolir. Como começou a música na sua vida, a descoberta do som?
Vânia: Eu nasci em Ourinhos que uma é cidade do interior de São Paulo, é bem na divisa com o Paraná. Meus pais ouviram muito rádio, sempre foram muito musicais, gostavam de danças. A casa era muito animada. Eu fui captando tudo aquilo e gostava muito de ouvir rádio. Me lembro que minha primeira paixão foi a Rita Pavone, o jeito dela cantando “Da te me um martelo”, encantada com ela. Eu tinha uma prima que pedia para eu ajudá-la a mentir pra depois ouvir na casa dela Rita Pavone. Aí eu fazia qualquer negócio pra ouvir o LP todinho. Mais tarde foi a Wanderleia, a segunda grande paixão. Eu cantei na minha formatura do quarto ano primário e eu cantava em tudo que tinha. Eu era tímida, morria de vergonha das freiras, de tudo, apresentar números de cantar no palco ou dentro da classe, estudei no colégio de freiras até o quarto ano primário. Sempre que perguntavam quem quer cantar eu ia. Essa coragem eu sempre tive, eu achava que eu dava conta daquele recado. Desde os seis anos já fui fazer papel de borboleta que reclamava da árvore e cantava no palco. Até minha mãe falava, você vai entrar no palco, vai cantar. Aí eu fui e fiz com ênfase, a música veio vindo na minha vida, me acompanhando sempre com aquela certeza de que era a maior coisa que eu tinha dentro de  mim com uma profundidade muito grande, nunca duvidei disso. E tinha muita crença em mim mesma. Depois o meu irmão era um grande comprador de discos, eu só tenho um irmão e um grande comprador de discos. Ele é seis anos mais velho do que eu, e tem extremo bom gosto, comprava lá pra casa Caetano Veloso, Tropicália, Novos baianos, Clube da Esquina. Foi comprando, comprando e eu amava ouvir aqueles discos, Chico Buarque. Era muita coisa gostosa de ouvir, Elis Regina, Gal Costa, Bethânia, Vinicius de Moraes e Toquinho. Sei que eu era muito encantada por estes músicos. E na época dos festivais me convidavam e eu fui no festival de Ourinhos com 14 anos e  ganhei o meu primeiro prêmio de melhor intérprete. Aos dezoito anos vim para São Paulo para estudar Ciências Sociais na USP, mas eu vivia mais na faculdade de música.
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Daniela: Na época todos ligados em música acabavam migrando de seus respectivos cursos como vê Ná Ozzete
Vânia: Muito bacana isso. Nessas de ficar fazendo vários cursos de música erudita lá na casa da Eca, na USP conheci muita gente e tomei contato com música erudita que eu nunca tinha tomado. Comecei a cantar em coral de música erudita, achava a coisa mais linda as sopranos cantando e eu nem tentava. Depois entrei numa escola de canto e vi que podia cantar aquelas notas.

Daniela: Você é uma cantora de extensão muito alta como a Olivia Bygton
Vânia: Eu não sabia, descobri lá para os meus dezoito, vinte e seis anos e aí um mundo novo se abriu pra mim. Veio a música de Arrigo Barnabé. Na música do Arrigo eu tive oportunidade real de colocar um pouco do meu lado atriz, mas não tão bem. Eu fui indo. –Aí arrigo, será que eu vou dar conta de fazer alguma coisa assim.

revistaprosaversoearte.com - Entrevista com Vânia Bastos, por Daniela Aragão
Entrevista com Vânia Bastos, por Daniela Aragão – foto acervo da artista.

Daniela: E o Arrigo deixou você explorar essas texturas mais altas?
Vânia: Sim e eu vi que era possível fazer aquelas coisas, nas alturas dentro da música popular. Quem me ajudou a compreender muito nessa época foi a Tetê Espíndola. Eu fiquei encantada pelo canto dela. A música do Arrigo que chegou de repente, é claro que eu não podia cantar tudo  eruditamente. Algumas coisas eu fazia assim, fui indo, foi um descobrimento na minha vida e fazer aquilo já nos palcos. Estava todo mundo querendo saber qual era o som doido do Caetano Veloso, Gilberto Gil e Paulinho da Viola. Eu falava: – gente eu não acredito que estou aqui. E essa gente veio ver o som. Dar conta do recado de mil coisas. Acho que foi um casamento musical muito legal que fiz com Arrigo, sem grandes preparações. Foi tudo na raça.

Daniela: Arrigo falou no depoimento como você transita com maestria entre os semitons
Vânia: Foi tudo coisa que eu tinha dentro de mim, tipo nascer com o dom da afinação e ter um ouvido legal para as coisas, todos esses atributos eu trazia da infância. E estou com essa coisa de tomar contato com a música dodecafônica. Isso é o que o Arrigo fez e só existia na música erudita. Aqui no Brasil ele trouxe seus conhecimentos para a música popular. Não foi uma grande surpresa para mim, pois eu já conhecia vários concertos dentro da USP, fora da USP eu estava sempre pronta para assistir ou participar de alguma coisa. Então a música do Arrigo veio e coroou essa coisa. Eu só fui tomar consciência disso muitos e muitos anos mais tarde. Falei:- gente, que engraçado eu consegui cantar as músicas do Arrigo, dei conta disso, eu tinha também um estolfo.
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Daniela: Como foi a ideia de gravar o disco em homenagem a Caetano Veloso?
Vania: Eu gravei o disco em 1992, o Eduardo Gudin sabia de minha paixão pelo Caetano Veloso, desde que eu o conheci. Ninguém tinha gravado ainda. Foi esse disco, convidamos aqueles músicos maravilhosos, arranjos de Paulo Bellinati. Foi um disco que vendeu bem, fizemos shows por aí, foi um disco muito bem aceito. Tem muita gente que me conhece por causa desse disco. Uma alegria sem tamanho pra mim.
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Daniela: Esse disco tem uma delicadeza e a obra do Caetano tem muitas vertentes
Vânia Bastos: Caetano Veloso é um luxo desse planeta. É demais, é incrível. E agora tenho feito muita coisa com o Ronaldo Rayol que está aqui ao meu lado. O Ronaldo nasceu temporão e é um fenômeno da música. Um cara totalmente aberto, autodidata, toca piano e violão. Uma vez fiz um show, metade ele ao piano e metade ao violão. Foi um show lindo, e ele é a maior simplicidade. Ele estudou do jeito dele, é um grande observador. É de uma perspicácia nas observações dele, então essa é toda a diferença e tem uma inteligência musical fora do comum. Com isso a gente em ritmo de quarentena ficamos em casa e fazíamos vários vídeos do que gostamos. Está muito gostosa a nossa parceria. A gente está se divertindo com isso aí. Acho que o próximo trabalho vai ser um disco. Fiquei com um pouquinho de dó, adorava pegar o disco, o lado bom de tudo isso, mas acho que estão meio pulverizados. Isso tem hora que nesse disco e deixa meio tristinha, mas temos que encarar.

Daniela: Há um descompasso muito grande no repasse da venda desses streams.
Vânia: O artista não ganha nada, a não ser que seja um sucesso bombástico
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Daniela: Dia desses estava revendo uma entrevista da Elis Regina no Jogo da verdade. Ela era uma visionária.
Vânia: Eu penso sempre como a Elis, ela já previa isto que está acontecendo.
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Daniela: Você pensa tanto no âmbito do repertório quanto da atitude. Um pensamento muito singular, inteligente.
Vânia: o Ronaldo fez os arranjos de um disco que fez chamado Na boca do lobo. Foi uma coisa muito boa, ele conseguiu mexer nas músicas do Edu Lobo, foi em 2010. Então eu tenho a sorte de ter esses encontros. Em 2003 foi com o Milton Nascimento no Wanda canta Clube da Esquina.

Daniela: E o Na boca do Lobo você atuou na feitura dos arranjos?
Vânia: o Ronaldo chegava em casa, mostrava, eu gostava de dar palpite. Eu vou até que bem.
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Daniela: Você grava em casa, tem um estúdio aí?
Vânia: A gente está gravando em casa esses vídeos de quarentena, não tem estúdio não. Gravamos muita coisa ao vivo e depois o Ronaldo dá uma arrumadinha nos botões. Estúdio mesmo a gente não tem.
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Daniela: Mas esse do Edu não foi gravado em casa?
Vânia: Edu a gente gravou em estúdio, disco mesmo. Não temos nenhum disco feito em casa, todos foram 12 ou 13 canais em estúdio, tudo bacana. Até pra gravar a voz do Edu a gente foi pro Rio em 2010. A gente faz tudo no ipod em casa.

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Vânia Bastos – foto: Marcos Santos/USP Imagens

Daniela: E o concerto pra Pixinguinha?
Vânia: Um trabalho muito lindo. Nós fizemos no Rio uma noite só de show. Foi um projeto do Carlos Rian, um produtor com o qual trabalhei muito tempo. E ele contratou o Marcos Paiva que é um grande músico daqui de São Paulo, um artista maravilhoso, um exímio contrabaixista. O Marcos Paiva que fez os arranjos numa levada jazzística. A gente trabalhou bastante, fizemos turnê pelo Rio, pelas cidades do interior do estado do Rio. Pixinguinha é o máximo, às vezes eu paro e penso, eu como cantora, que coisa boa. O que a gente vai fazer não dá direito. Quando se para de longe, a idade chega, você olha para trás e tem uma porção de coisas muito legais, fiz coisas boas, tive sempre produtores comigo. Tive a sorte de começar com o Arrigo Barnabé.
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Daniela: Ná Ozzete, Suzana Salles, você estão em São Paulo. Há alguma vontade de unir para um show?
Vânia: O ano da pandemia foi 2020, ano passado. A gente ia fazer vários shows em casa. Crocodilo com a banda original. A gente ia fazer e de repente parou tudo. No passado fiz muitos shows com Arrigo de piano e voz.
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Daniela: o Arrigo tem uma obra vasta e as pessoas só ficam em Clara Crocodilo e vanguarda Paulista
Vânia: Nossa o Arrigo fez muita coisa, fez óperas, obras de todo tipo. Arrigo tem um trabalho maravilhoso, um trabalho imenso. Ele não para nunca. O que marcou pra mim foi “Nunca mais” e “Paulista”, que Leila Pinheiro gravou. São coisas muito marcantes na minha história, depois tirado o que foi fazendo foi sempre um nicho.

Daniela: Vocês mulheres transcenderam o rótulo de Vanguarda Paulista, como se vê  no caso também da Suzana Salles e Ná Ozzetti. As pessoas em geral falam em Arrigo Barnabé somente associado a Clara Crocodilo.
Vânia: Arrigo fez tanta coisa, óperas, obras de todo jeito. Um trabalho maravilhoso, imenso.  O que me marcou foi Nunca mais e Paulista. Cada um seguiu bem o seu caminho independente daquilo, mas tem a força que começa. Na época foi muito aquele falado, costumo dizer que o Arrigo foi o cara mor, lido no começo dos anos oitenta. Todos os jornais desse Brasil comentaram o som dele que era uma coisa diferente. Aí as pessoas iam aos shows que ficavam abarrotados. Mas não era uma coisa televisiva, ou de tocar na rádio. Essa leitura foi muito forte, com muito holofote. Música assim para um pessoal de nível maior de compreensão e do querer música nova. Então não ficou uma música extremamente popular. É uma sonoridade que não se está acostumado. Eu me lembro que eu levava fita cassete pra gravar e depois estudar em casa os ensaios. A gostosura é deixar fluir como se não tivesse nenhuma dificuldade, mas era tudo cronometrado, tudo certinho. Um grande barato.
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Daniela: Qual o próximo sonho de disco?
Vânia: eu não tenho essa coisa de ter sempre um compositor. Sou fã de muita gente, a minha vontade é fazer um disco com  o Ronaldo com um som extremamente brasileiro. Um disco gostoso é um desafio. Minha filha Rita Bastos é uma ótima compositora. Agora estou tendo umas aulas de canto com a Márcia Tauil, tive aulas de canto lá no meu início de carreira. Essas aulas estão me deixando muito contente. Minha vida é cantar.

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