Verso.
Queria assim o verso,
extremo.
Mais que extremo,
inaudível.
Do abismo mais profundo
à luz sem margens,
sem limites.
Mas no trabalho lapidar do olvido,
A musa suspira:
“Impossível”.
– Felipe Stefani, em “Cultuar (blog)”, 2010.
Desenho e poesia no traço de Felipe Stefani e textos dos escritores
“As palavras seriam alegria nas mãos do poeta.”
– Felipe Stefani, do poema “Um poeta…”.
E pois coronista sou.
Se souberas falar também falaras
também satirizaras, se souberas,
e se foras poeta, poetaras.
Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,
quero das culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar,
por quem de mim não tem mágoa?
Verdades direi como água,
porque todos entendais
os ladinos, e os boçais
a Musa praguejadora.
Entendeis-me agora?
Permiti., minha formosa,
que esta prosa envolta em verso
de um Poeta tão perverso
se consagre a vosso pé,
pois rendido à vossa fé
sou lá Poeta converso
Mas amo por amar, que é liberdade.
– Gregório de Matos, em ‘Obra poética’. [organização James Amado; preparação e notas Emanuel Araújo; apresentação Jorge Amado]. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.
É necessário amar
É necessário amar… Quem não ama na vida?
Amar o sol e a lua errante! amar estrelas,
Ou amar alguém que possa em sua alma contê-las,
Cintilantes de luz, numa seara florida!
Amar os astros ou na terra as flores… Vê-las
Desabrochando numa ilusão renascida…
Como um branco jardim, dar-lhes na alma guarida,
E todo, todo o nosso amor para aquecê-las…
Ou amar os poentes de ouro, ou o luar que morre breve,
Ou tudo quanto é som, ou tudo quanto é aroma…
As mortalhas do céu, os sudários de neve!
Amar a aurora, amar os flóreos rosicleres,
E tudo quanto é belo e o sentido nos doma!
Mas, antes disso, amar as crianças e as mulheres…
– Alphonsus de Guimaraens, em “Obra completa”. [organização Alphonsus de Guimaraens Filho]. Biblioteca luso-brasileira – Série brasileira, 20. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960.
Versos íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
– Augusto dos Anjos, em “Eu e outras poesias”. 42ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
Alma ferida
Alma ferida pelas negras lanças
Da desgraça, ferida do Destino,
Alma, de que a amargura tece o hino
Sombrio das Cruéis desesperanças;
Não desças, Alma feita das heranças
Da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
Das sagradas, serenas esperanças.
Mesmo na Dor espera com clemência
E sobe à sideral resplandecência,
Longe de um mundo que só tem peçonha.
Das ruínas de tudo ergue-te pura
E eternamente na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!
– Cruz e Sousa, em “Antologia dos poetas brasileiros – Poesia da fase simbolista. [organização Manuel Bandeira]. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996.
“Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.”
– Clarice Lispector, último bilhete escrito no hospital da Lagoa, Rio de Janeiro, em 7.12.1977.
Estou atrás
do despojamento mais inteiro
da simplicidade mais erma
da palavra mais recém-nascida
do inteiro mais despojado
do ermo mais simples
do nascimento a mais da palavra.
– Ana Cristina Cesar (28.5.69), em “Inéditos e dispersos”. [organização Armando Freitas Filho]. São Paulo: Editora Ática/IMS, 1999.
“Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço de infinito. Vivo no infinito; o momento não conta. Vou lhe revelar um segredo: creio já ter vivido uma vez. Nesta vida, também fui brasileiro e me chamava João Guimarães Rosa. Quando escrevo, repito o que vivi antes. E para estas duas vidas um léxico apenas não me é suficiente. Em outras palavras: gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. O crocodilo vem ao mundo como um magister da metafísica, pois para ele cada rio é um oceano, um mar da sabedoria, mesmo que chegue a ter cem anos de idade. Gostaria de ser um crocodilo, porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: sua eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar eternidade.”
– João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz – “Dialogo com Guimarães Rosa”.
Sintonia para pressa e presságio
Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
Soo na dúvida que separa
O silêncio de quem grita
do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.
Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais na sala.
– Paulo Leminski, no livro “La vie en close”. 4ª ed., São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 18.
[…]
“O Paraíso não é um estado de espírito. É um lugar. Se você der dois passos pra fora, está fora; se der dois passos pra dentro, está dentro. Uma vez lá dentro, você pode pisar à vontade na grama, dar cambalhotas, pode até se machucar dando cambalhotas, porque o chão não é de ectoplasma, não é de nenhuma espécie mística de fogo, não é de gelatina amorfa; é matéria, pura e sólida e dura matéria. Mesmo os Anjos são matéria. Se você perguntar a eles se acreditam em algo que não seja matéria, eles vão rir da sua cara. Logo, eles não só são matéria, como são materialistas; e não só são materialistas, como são ateus.”
– Alexandre Soares Silva, em “A Coisa Não-Deus”. São Paulo: Beca Produções Culturais, 2000.
A luz era
A luz era
um filtro de silêncios,
pousada em nosso rosto
como a insônia de um pássaro
desde o início
Ela foi a claridade profunda
da brisa interior
imóvel como eram
na infância
as fugas
onde o tempo
imitava a eternidade
e evocava
o poder da brisa oceânica
que através da fragilidade
também ama com
cabelos de chama,
outra luz
que na porta de sonho
respira uma chave
de sombra.
– Marcelo Ariel, no livro “Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio”. São Paulo: Editora Patuá, 2014.
“Em meio a trevas profundas abre-se de repente a porta de ferro da prisão e o próprio velho, o grande inquisidor, entra lentamente com um castiçal na mão. Está só; a porta se fecha imediatamente após sua entrada. Ele se detém por muito tempo à entrada, um ou dois minutos, examina o rosto do Prisioneiro. Por fim se aproxima devagar, põe o castiçal numa mesa e Lhe diz: ‘És tu? Tu?’. Mas, sem receber resposta, acrescenta rapidamente: ‘Não respondas, cala-te.’.”
– Dostoievski, em “Os Irmãos Karamázov”. [tradução Paulo Bezerra]. São Paulo: editora 34, 2012.
E assim em Nínive
“Sim, sou um poeta e sobre a minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas
E os homens, mirto, antes que a noite
Degole o dia com a espada escura.
“Vê! Não cabe a mim
Nem a ti objetar,
Pois o costume é antigo
E aqui em Nínive já observei
Mais de um cantor passar e ir habitar
O horto sombrio onde ninguém perturba
Seu sono ou canto.
E mais de um cantou suas canções
Com mais arte e mais alma do que eu;
E mais de um agora sobrepassa
Com seu laurel de flores
Minha beleza combalida pelas ondas,
Mas eu sou um poeta e sobre a minha tumba
Todos os homens hão de espalhar pétalas de rosas
Antes que a noite mate a luz
Com sua espada azul.
“Não é, Raana, que eu soe mais alto
Ou mais doce que os outros. É que eu
Sou um Poeta, e bebo vida
Como os homens menores bebem vinho.”
– Ezra Pound. [transcriação de Augusto de Campos]. em “Antologia poética de Ezra Pound”. [organização, apresentações e traduções de Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Mário Faustino; Décio Pignatari e José Lino Grünewald]. Lisboa: Ulisséia, 1968.
Duelo das camélias
Eu vi o sol duro de encontrar aos tufos
Esgrimir. – Vi a esgrima ensolarar,
Fazendo paradas em lances bufos;
Melros de negro assistiam brilhar.
Um senhor em camisa se apromtava;
Parecia uma camélia, todo branco;
No ramo outra flor rosa vicejava
Como… E o florete vergou num flanco.
– Raiva, estou roxo!… Ah! ele me degola –
… Camélia branca – lá – como Sua gola…
Camélia amarela, – aqui – mastigada…
Meu amor morto, da lapela caiu.
– Eu , chaga aberta, flor primaveril!
Camélia viva, de sangue matizada!
.
Veneris Dies 13 ***
– Tristan Corbière, em “Os amores amarelos”. [introdução, tradução e notas de Marcos Antônio Siscar]. São Paulo: Editora Iluminuras, São Paulo, 1996.
A estrela chorou rosa…
A estrela chorou rosa ao céu de tua orelha.
O infinito rolou branco, da nuca aos rins.
O mar perolou ruivo em tua teta vermelha.
E o Homem sangrou negro o altar dos teus quadris.
– Arthur Rimbaud. em “Rimbaud Livre”. [introdução e tradução Augusto de Campos]. Coleção Signos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2ª ed., 2002, p. 38.
O canto e o pensamento
Ao Princípio era o Ritmo, a Rima a terminar,
E a Música entra nisto qual seu almo Pio:
A tão divino riquiquio
Chama-se Canto. Mas, para encurtar,
Um Canto, isso é “Palavras para pôr em Música”.
O Pensamento é de uma outra esfera.
Se ele troça, ou se exalta, ou se encanta,
Jamais, é claro, um pensamento canta.
É “Sentido sem Canto” o Pensamento.
As duas coisas juntas: minha audácia é tanta?
– Friedrich Nietzsche, em “Poesia de 26 séculos: De Arquíloco a Nietzsche”. [antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena]. Colecção ‘Antologias Universais’, 1. Porto: ASA, 2001.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
– Fernando Pessoa, no livro “Fernando Pessoa – Obra Poética”, Cia. José Aguilar Editora – Rio de Janeiro, 1972, pág. 164.
V – Burnt Norton
As palavras movem-se, a música move-se
Apenas no tempo; mas o que apenas vive
Apenas pode morrer. As palavras, depois de ditas,
Alcançam o silêncio. Apenas pela forma, pelo molde,
Podem as palavras ou a música alcançar
O repouso, tal como uma jarra chinesa ainda
Se move perpetuamente no seu repouso.
Não o repouso do violino, enquanto a nota dura,
Não isso apenas, mas a coexistência,
Ou digamos que o fim precede o princípio,
E que o fim e o princípio estiveram sempre ali
Antes do princípio e depois do fim.
E tudo é sempre agora, As palavras deformam-se,
Estalam e quebram-se por vezes, sob o fardo,
Sob a tensão, escorregam, deslizam, perecem,
Definham com imprecisão, não se mantêm,
Não ficam em repouso. Vozes estridentes
Ralhando, troçando, ou apenas tagarelando,
Assaltam-nas sempre. O Verbo no deserto
É muito atacado por vozes de tentação,
A sombra que chora na dança funérea,
O clamoroso lamento da quimera desconsolada.
O detalhe do molde é movimento,
Como na figura dos dez degraus.
O próprio desejo é movimento
Não desejável em si;
O próprio amor é inamovível,
Apenas a causa e o fim do movimento,
Intemporal, e sem desejo
Excepto no aspecto do tempo
Capturado sob a forma de limitação
Entre o não ser e o ser.
De repente num raio de sol
Mesmo enquanto se move a poeira
Eleva-se o riso escondido
De crianças na folhagem
Depressa, aqui, agora, sempre –
Ridículo o triste tempo inútil
Que se estende antes e depois.
– T. S. Eliot, no livro “Quatro quartetos”. [tradução Maria Amélia Neto]. Lisboa: Edições Ática, 1983.
Epitáfio Villon – Balada dos Enforcados
Irmãos humanos que ainda viveis,
Não sejais corações endurecidos;
Tendo pena de nós, pobres, talvez
De Deus sereis mais cedo merecidos.
Vede os pescoços, cinco ou seis, torcidos;
A carne, que sorveu tanto alimento,
Está hoje devorada e em fermento,
E ossos, a cinza e pó vamos volver.
Ninguém ria de tal padecimento:
Clamai a Deus a nos absolver.
Se de irmão vos chamarmos, não deveis
Tratar-nos com desdém por termos sido
Justiçados. Contudo, vós sabeis:
Nem por todo o senso é conhecido,
Desculpai-nos, por sermos falecidos,
Junto ao filho da Virgem, seu assento.
Conserve-nos da graça o acolhimento:
Livre-no de no inferno dissolver.
Eis-nos mortos, ninguém nos dê tormento:
Clamai a Deus a nos absolver.
A chuva nos lavou, limpou de vez,
E o sol secou e pôs enegrecidos;
Corvos cravam os olhos de avidez,
Barba e fios puxando enfurecidos.
Não nos firmamos mais, enrijecidos,
Balançando de um lado a outro, ao vento,
Sempre ao seu bel-prazer em movimento,
Mais furos que em dedal, a revolver.
Evitai da irmandade o envolvimento:
Clamai a Deus a nos absolver.
Príncipe Jesus, guiai-nos o tento,
Cuidai que o Inferno não esteja atento:
Lá, não há o que ver ou resolver.
Homens, do riso aqui há banimento:
Clamai a Deus a nos absolver.
– François Villon, em “Poesia de François Villon”. [tradução, organização e notas de Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Editora Edusp, 2000.
Contato com Felipe Stefani
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