“Em Busca de Judith”, de Jéssica Barbosa e Pedro Sá Moraes, estreia no Sesc Ipiranga. Espetáculo parte de uma história familiar para investigar a relação entre arte, saúde mental e racismo estrutural
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Em cena, a atriz alterna entre o relato biográfico, narrações de antigas fábulas e a teatralidade quase cômica de personagens que marcaram sua busca.
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Estreia dia 9 de agosto de 2024, sexta-feira, às 21h30, no Sesc Ipiranga – Auditório, o espetáculo “Em Busca de Judith”, com a atriz, cantora e dançarina Jéssica Barbosa. A peça começou a ser criada há cinco anos, quando a artista ouviu pela primeira vez os relatos sobre a história de sua avó, Judith Alves Macedo, afastada dos filhos e internada num manicômio na Bahia, nos anos 40. A descoberta desta história disparou um processo de investigação sobre as fronteiras da saúde mental e sobre os aspectos sociais e coletivos da loucura, como os sintomas históricos e psíquicos do racismo estrutural. O espetáculo, que já circulou pelo interior de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, teve duas indicações ao prêmio Shell: melhor atriz e composições originais. A temporada no Sesc Ipiranga vai até dia 1º de setembro com sessões às sextas, às 21h30, aos sábados e domingos, às 18h30.
“Até os 32 anos, eu acreditava que minha avó havia falecido num acidente de carro. Na verdade, quando meu pai tinha 40 dias de vida, minha avó, mulher negra, mãe de cinco filhos, foi internada compulsoriamente num hospital psiquiátrico e ficou lá até morrer, 13 anos depois. Dela se sabe pouco mais do que o nome. É sobre as buscas e descobertas dessa história, permeada pelo silenciamento das vozes femininas e questões que atravessam o sistema manicomial, que trata o espetáculo”, diz Jéssica Barbosa, que criou o texto a quatro mãos junto com Pedro Sá Moraes, que também assina a direção cênica e a direção musical.
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Em cena, a atriz alterna entre o relato biográfico, narrações de antigas fábulas e a teatralidade quase cômica de personagens que marcaram sua busca. Nas canções, compostas por Sá Moraes especialmente para o espetáculo, Jéssica é acompanhada pelo cantor e multi-instrumentista Muato e o percussionista Alysson Bruno (alternando com Loiá Fernandes). Os versos combinam reflexão política e um lirismo pungente: “A Loucura, essa estranha parente / uma sombra que a gente pressente / quando perto, parece distante / quando longe, chegou de repente. Do normal, suas faces nocivas / que ocultamos com tanto trabalho / que aceitamos, porque coletivas / a loucura é uma espécie de espelho.”
A musicalidade é um dos eixos fundamentais do espetáculo. “Para além das canções”, diz o diretor, “o sentido rítmico e a conexão corpo-voz, conduzem a criação das personagens, das narrações, de toda a composição cênica. É uma abordagem ao teatro à qual venho me dedicando há muitos anos, chamada TeatroCanção.”
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A música também sublinha a busca de Jéssica pelo reencontro com sua ancestralidade negra, como fonte de saúde e estruturação psíquica. Ao longo da pesquisa e criação de Em Busca de Judith, para atravessar a dureza da história familiar e dos relatos de sofrimentos indizíveis dos internos nos manicômios, a atriz apoiou-se na conexão com a religiosidade de matriz africana. Por isso tem lugar especial os toques e cantigas para Orixás e Inquices e a dança afro conduzida pelo diretor de movimento Leandro Vieira.
A mãe de Judith, Francisca, dizem os relatos, foi uma mãe de santo no interior da Bahia, vitimada pelo racismo religioso, uma marca da construção social do Brasil. “Eu queria conhecer minha avó”, diz Jéssica, “acabei conhecendo um universo muito maior que o dela e de nossa família. Todos os preconceitos e fantasias que constituem o imaginário coletivo sobre loucura precisam ser tocados e, a partir desse lugar de escuta, é preciso pensar não só sobre o cuidado, mas sobre a produção de sofrimento psicossocial a partir dos acordos coletivos e da gestão política da vida”, diz Jéssica.
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Foi por este compromisso com a coletividade e pela conexão com suas ancestralidades que Jéssica decidiu chamar Em Busca de Judith de um ebó, palavra em Yorubá que significa alimento sagrado, oferecido com propósito de reequilíbrio ético, psíquico e espiritual. Este ebó também foi sua motivação para investigar de maneira acadêmica os temas levantados pela peça através de um mestrado em dança na UFRJ, no Rio de Janeiro.
Como num terreiro, a concepção cênica deste ebó é minimalista. Sob a luz, ora fantástica, ora cinematográfica de Fabiano Dadado de Freitas — que também é supervisor de direção — a atriz entra em cena arrastando uma espécie de carrinho multiuso (cadeira/baú/altar), criado pela cenógrafa paulistana Ana Rita Bueno, com o qual se relaciona e de onde tira objetos para contar as histórias.
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O figurino de Cris Rose lança mão de tecidos de origem africana e texturas em tom pastel para amplificar o gestual e a movimentação de Jéssica. Ao fundo, imagens das ruínas da Colônia Juliano Moreira são projetadas, emprestando textura e concretude histórica à busca por Judith, e às histórias de tantas outras pessoas que também vivenciaram a manicomialização e foram silenciadas.
LEGISLAÇÃO
Promulgada em abril de 2001, a Lei 10.216 preconiza o tratamento humanizado a pessoas que possuem algum tipo de transtorno mental, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental. Porém, a luta antimanicomial no Brasil já vinha sendo travada desde o final da década de 1970, mais de uma década após a morte de Judith. A lei fez com que o Brasil construísse uma política pública de saúde mental que, até então, era destinada apenas ao encarceramento de pessoas que, em muitos casos, apenas contrariavam as convenções sociais. “Numa época em que agentes políticos e ideológicos da extrema direita vêm advogando e promovendo retrocessos terríveis no campo da saúde mental, como internações compulsórias, o espetáculo clama pela preservação dos avanços cruciais da reforma psiquiátrica, e pelos muitos passos que ainda precisamos dar para uma sociedade humana de fato,” diz Pedro Sá Moraes.
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Jéssica Barbosa completa: “concordar de forma igualitária e homogênea nunca vai ser possível, talvez nem seja bom, mas em discordância e diferença podemos pactuar acordos éticos que dizem respeito à toda sociedade, essa seria a possibilidade de viver políticas de saúde mental em democracia de fato.”
FICHA TÉCNICA
Idealização e dramaturgia: Jéssica Barbosa e Pedro Sá Moraes | Atriz: Jéssica Barbosa | Músicos/performers: Alysson Bruno, Muato e Loiá Fernandes | Direção e direção musical: Pedro Sá Moraes | Supervisão de direção e criação da iluminação: Fabiano Dadado de Freitas | Direção de movimento, preparação corporal e assistente de direção: Leandro Vieira | Figurino: Cris Rose | Cenografia: Ana Rita Bueno e Zé Andery | Objeto de cena: Xandy Carvalho | Montagem e operação de luz: Bob Reis | Operação de som: Bob Reis | Montagem e operação de Luz: Lu Maya | Assessoria de imprensa: Canal Aberto – Márcia Marques e Daniele Valério | Produção: Corpo Rastreado
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Atenção: dias 10 e 11 de agosto, Em Busca de Judith participa do Festival Sesc Mesa Brasil. Nesses dias, o espetáculo será gratuito, com retirada de ingressos online em sescsp.org.br a partir do dia 8/8, a partir das 17h, com limitação de 2 ingressos por pessoa.
SERVIÇO
Espetáculo Em Busca de Judith
Temporada: De 9 de agosto até 1º de setembro de 2024
Sexta às 21h30, sábado e domingo às 18h30
Sesc Ipiranga – Auditório – Teatro Mínimo
R. Bom Pastor, 822 – Ipiranga, São Paulo – SP, 04203-001
Valores: R$ 50 (inteira) / R$ 25 (meia) / R$ 15 (Credencial Plena)
Disponível para compra online Sesc SP: clique aqui.
Ou na bilheteria do Sesc
Duração: 60 minutos
Classificação etária: 14 anos
Gênero: Teatro Canção