Coletivo Legítima Defesa explora as poéticas de Abdias Nascimento e Augusto Boal na peça Exílio: notas de um mal-estar que não passa. Trabalho metalinguístico com direção de Eugênio Lima, que estreia no Sesc 14 Bis, busca um novo futuro para a negritude
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Partindo da ideia de que negritude é construir outros futuros, o Coletivo Legítima Defesa estreia o espetáculo Exílio: notas de um mal-estar que não passa. A temporada acontece entre 18 de outubro e 10 de novembro, com sessões de quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 18h, no Sesc 14 Bis. No dia 27 de outubro não haverá apresentação e, em 8 de novembro, haverá uma sessão às 15h e outra às 20h.
O trabalho é definido pelo grupo como uma “transcriação da poética” do período de exílio vivido por Abdias Nascimento (1914-2011) e a sua relação com Augusto Boal (1931-2009). Por isso, para a construção dramatúrgica, Eugênio Lima e Claudia Schapira se inspiraram livremente nas peças escritas pelos dois autores, além de utilizarem vários materiais de pesquisa do acervo do TEN – Teatro Experimental do Negro.
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“A peça é fundamentada na ideia de que existe uma relação entre o Abdias Nascimento e o Augusto Boal que não foi contada. Nosso principal argumento é que o início do Teatro Experimental do Negro se funde com o começo da carreira dramatúrgica do Boal, já que o primeiro texto que ele escreveu foi para o TEN”, comenta Lima, que também assina a direção de Exílio.
Segundo as pesquisas do grupo, a dupla defendia que a hybris trágica negra estava no candomblé e, por isso, Boal escreveu quatro textos para o TEN cujo cenário era o terreiro: O Logro (1953), O Cavalo e o Santo (1954), Filha Moça (1956) e Laio se Matou (1958). “Eles lutavam contra um pensamento comum nas primeiras décadas do século 20 de que as atrizes e atores negros só podiam fazer comédias, pois não tinham profundidade para fazer papeis trágicos ou dramáticos”, acrescenta.
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Por esse motivo, Abdias também se interessa pela obra do dramaturgo estadunidense Eugene O’Neill (1888-1953). “Com esses autores, seu objeto de investigação é a crença de que a grande tragédia do negro no Brasil é o processo de embranquecimento, porque ou ele deixa de ser negro e morre ou permanece negro e é morto. Assim, as peças encenadas por ele não têm praticamente nenhuma redenção e apesar da centralidade das personagens negras, elas partem do princípio de que o negro é um ser trágico”, afirma o diretor.
Sobre a encenação
Na narrativa de Exílio: notas de um mal-estar que não passa, um grupo de atores e atrizes investiga todas essas relações enquanto tenta montar trechos de várias dessas peças. O que os bloqueia é um sentimento de impossibilidade, pois o elenco não quer vivenciar essas tragédias. “Nosso espetáculo, então, constitui-se como um sample de textos em que tudo é documento”, define Eugênio.
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A montagem é dividida em três partes: o Protagonismo Negro, centrada no texto O Imperador Jones (Eugene O’Neill); o Drama focado em Todos os Filhos de Deus Têm Asas (Eugene O’Neill); a Tragédia inspirada em O Logro (Augusto Boal); e o Sacrifício, baseado e em Sortilégio – Mistério Negro (Abdias Nascimento).
“Para Abdias, que passou 13 anos exilado nos Estados Unidos e na Nigéria, todo negro fora da África é um autoexilado, já que não tem mais nenhuma possibilidade de retorno ao seu real local de origem e sofre racismo no seu país natal. Dessa forma, o conceito de autoexílio permeia todo o espetáculo”, explica Eugênio Lima.
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A estreia do Coletivo Legítima Defesa faz uso de metalinguagem, ou seja, a equipe técnica está em cena devidamente iluminada. Ao mesmo tempo, Eugênio age como se estivesse dirigindo um ensaio.
No palco existe um grande “tapete da memória”, criado pela projeção, por onde transitam seis performers negres: Walter Balthazar, Luz Ribeiro, Jhonas Araújo, Gilberto Costa, Fernando Lufer e Thaís Peixoto (atriz convidada). Ainda há a participação da atriz Luaa Gabanini (em vídeo). Por convenção, o grupo estabeleceu que quem não estiver no “tapete” está fora de cena, entretanto, como eles nunca abandonam o espaço, os espectadores sempre os veem.
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Ainda compõem o cenário uma série de projeções de documentos históricos, como cartas, filmes, fotos e materiais pesquisados no IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros e Instituto Boal. Bianca Turner assina a videografia. E o desenho de Luz é de Matheus Brant.
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Do ponto de vista sonoro, Exílio: notas de um mal-estar que não passa utiliza diversos recursos. Existem depoimentos de Léa Garcia (1933-2023), Ruth de Souza (1921-2019) e do próprio Abdias do Nascimento, e trechos de obras de autores como Frantz Fanon.
Já a parte musical explora diversos ritmos. “Selecionamos muito Hip Hop dos anos 1980 e 1990, mas também canções de Philip Glass, Racionais MC’s, tambores de candomblé, Billie Holiday e Marvin Gaye”, comenta Lima, que assina a direção musical, música e desenho de som.
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A ação acontece em um local indefinido, em diversos países, mas perpassa as décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970. O figurino de Claudia Schapira, sem traçar uma linha cronológica linear, contorna e situa as personagens trazidas à cena pelos atores e atrizes, utilizando de determinadas peças chaves da indumentária, que pautaram décadas. Os atores e atrizes, por sua vez, aparentam estar sempre com “roupa de ensaio”. Em termos de cores, a ideia é trabalhar a paleta PB a partir de um conceito do diretor. “Quisemos voltar para o preto e branco, como na nossa primeira peça, que somado ainda a elementos históricos bem concretos, nos colocam também em cena como documentos”, acrescenta Eugênio.
Sinopse
Exílio: notas de um mal-estar que não passa é uma “transcriação da poética” do período de exílio vivido por Abdias Nascimento e a sua relação com Augusto Boal, criada a partir de uma livre inspiração nos textos de Abdias Nascimento, nas peças escritas por Augusto Boal e diversos materiais de pesquisa do acervo do TEN – Teatro Experimental do Negro.
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Seis performers negres estão sempre em cena e existe um tapete no chão, o grande tapete da memória. “Por convenção, quando os atores/atrizes estão fora do tapete, estão fora de cena. Porém, não devem sair nunca: devem ser vistos sempre pelos espectadores. A ação passa-se em muitos países, em muitas épocas, em muitas circunstâncias. Quando um ator/atriz representa outro personagem, que não o seu, ele deve fazê-lo tranquilamente, sem muitas explicações.” Citação de Augusto Boal, em Murro em Ponta de Faca.
FICHA TÉCNICA
Direção, direção musical, música e desenho de som: Eugênio Lima | Dramaturgia: Eugênio Lima e Claudia Schapira | Intervenção dramatúrgica: Coletivo Legítima Defesa | Com samplers dramatúrgicos de: Frantz Fanon, Racionais MC’s, Augusto Boal, Abdias Nascimento, Maurinete Lima, Eugene O’Neill, Nelson Rodrigues, Agnaldo Camargo, Ruth de Souza, Léa Garcia, Túlio Custódio, Guilherme Diniz, Gianfrancesco Guarnieri, Molefi Kete Asante e Iná Camargo Costa | Elenco do Legítima Defesa: Walter Balthazar, Luz Ribeiro, Jhonas Araújo, Gilberto Costa, Fernando Lufer e Eugênio Lima | Atrizes convidadas: Thaís Peixoto e Luaa Gabanini (em vídeo) | Produção: Iramaia Gongora Umbabarauma Produções Artísticas | Videografia: Bianca Turner | Iluminação: Matheus Brant | Figurino: Claudia Schapira | Direção de gesto e coreografia: Luaa Gabanini | Assistência de direção: Fernando Lufer | Fotografia: Cristina Maranhão | Design: Sato do Brasil | Consultoria vocal: Roberta Estrela D´Alva | Assessoria de imprensa: Canal Aberto – Márcia Marques, Carol Zeferino e Daniele Valério | Cenotécnico: Wanderley Wagner | Vídeo: Matheus Brant | Engenharia de som: João Souza Neto e Clevinho Souza | Costureira: Cleusa Amaro da Silva Barbosa | Parceiros: Casa do Povo, Ipeafro, Instituto Boal, Editora 34 e Editora Perspectiva
SERVIÇO
Exílio: notas de um mal-estar que não passa
Data: 18 de outubro a 10 de novembro, de quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 18h
Atenção: no dia 27 de outubro não haverá espetáculo e, no dia 8 de novembro, haverá uma sessão às 15h e outra às 20h
Local: Sesc 14 Bis – Rua Dr. Plínio Barreto, 285, Bela Vista – São Paulo
Ingresso: R$60 (inteira), R$30 (meia-entrada) e 18 (credencial plena) | Ingressos disponíveis nas bilheterias das unidades do Sesc São Paulo, pelo aplicativo Credencial Sesc ou pelo site centralrelacionamento.sescsp.
Tel: (11) 3016-7700
Duração: 90 minutos
Classificação: 16 anos