Artista identificado com um teatro de cunho popular e brechtiano, um dos fundadores do grupo Folias d´Arte e do teatro Galpão do Folias, o diretor Marco Antonio Rodrigues estreia a peça Gente é Gente?! a partir de 29 de março no Teatro Antunes Filho do Sesc Vila Mariana. Em cena, um elenco de peso em uma montagem que faz do palco uma extensa avenida, onde alegria das festas populares e guerra coexistem em um embate vibrante e provocador A temporada segue até 4 de maio, de quinta a domingo. Com texto livremente inspirado na obra Um Homem é um Homem, de Bertolt Brecht, com texto de Claudia Barral, espetáculo combina humor mordaz, crítica social e um olhar afiado sobre a fragilidade da identidade humana. Na encenação reúne vários artistas do Folias, “companheiros de velhos carnavais”, como diz o diretor.
Estão no palco ou nas coxias, o protagonista Aílton Graça, o ator Dagoberto Feliz, o cenógrafo Marcio Medina, o figurinista Cássio Brasil, o produtor Luque Daltrozo e os atores Rodrigo Scarpelli, Fernando Nitsch e Katia Naiane, também parceiros no Folias. Juntam-se ao elenco artistas da nova safra, como Nábia Villela e Paulo Américo, além do próprio diretor musical da peça, Zeca Baleiro, que inspirou, com a música Babilon, um dos primeiros espetáculos do Folias, Babilônia. Rodrigues concebeu uma mescla de ópera samba com cabaré, uma alegoria à mistura brasileira, emoldurada pelo samba e pelo cabaré, para falar das transformações vivenciadas pelo ser humano neste tempo, em que o homem pode ser massa de manobra e ser transformado/manipulado.

Sinopse
A vida ordinária de Gesualdo Brilhante, um motorista de Uber com uma inclinação incorrigível para ceder às vontades alheias, sofre uma guinada surreal. Ao sair para comprar mariscos, Gesualdo é surpreendido por três soldados do exército que, desesperados com a ausência de um colega em uma missão inesperada, o convencem a assumir o lugar do desertor. O soldado ausente, preso após um roubo malfadado em um terreiro de candomblé́, desencadeia uma cadeia de eventos que obriga Gesualdo a mergulhar em um universo de autoritarismo e violência.
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Em meio à tensão crescente de uma guerra iminente, Gesualdo, incapaz de resistir ao fluxo, se transforma de um homem comum em uma engrenagem implacável de um sistema bélico. Enquanto isso, o espetáculo se desenrola ao som de tambores e confetes, mesclando a iminência do conflito à efervescência de um desfile de carnaval, onde os personagens transitam entre o riso e o desespero, entre o grotesco e o sublime.
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Com humor mordaz e reviravoltas imprevisíveis, “Gente é Gente?!” reflete sobre as escolhas, ou a falta delas, que nos moldam, e sobre a fragilidade de quem somos diante das forças que insistem em nos transformar.
Marco Antonio Rodrigues, samba e o candomblé como molduras da encenação
O ponto central da montagem é a história, a transformação, o grande travestimento pelo qual passam os personagens, não só o protagonista vai se modificando, conta Marco. A ideia parte da variedade de tipos brasileiros e chega nas mutações pelas quais o homem está passando hoje e como pode ser transformado. Todos nós estamos vivendo este tempo de mudanças, em que temos de negociar o tempo inteiro, e para a arte isso é muito violento e doloroso “Vivemos um tempo que é um interregno”, conta o encenador. “A raiz da mistura é o que interessa pra nós, e, ao mesmo tempo em que essa mescla é um grande patrimônio, também é um grande karma.” Para embalar o tema, esse conteúdo, Marco criou como forma, a moldura para a peça – o samba e o candomblé, síntese das raízes brasileiras. Entre os assuntos abordados, as consequências da mudança climática e a violência da polícia, esta retratada pelo Exército.
“De certa forma, o exército é uma capa para o que somos. Viramos colonizadores de nós mesmos. Temos uma polícia dentro de nós. Como lidar com tudo isso é a questão da peça”, aponta o diretor. Na noite quente de Verão, sentado no chão no intervalo de ensaio, entre uma e outra tragada no cigarro, Rodrigues elabora o pensamento e comenta sobre a estrutura arquetípica do teatro, citando como referência a tragicomédia Woyzeck, do dramatugo alemão Karl Georg Buchner (1813-1837), em que uma experiência transforma o homem em uma fera. “Em Um Homem é um Homem, de Brecht, esta prática também acontece. Ao mesmo tempo, essa mutação cria uma possibilidade de mudança transformadora. É o caso do Brasil. É a primeira vez na história desta República, que é produto de golpe militar, desde sempre – a instalação da república já é um golpe militar – depois um militar dá golpe no outro e por aí vai, numa sucessão de golpes… É a primeira vez que os militares estão sendo colocados na parede, é um momento histórico, raro. É quase uma lição que o Brasil está dando para o mundo, ser possível lutar por justiça numa perspectiva maior.”

Aílton Graça, paixão pelo teatro e pelo Carnaval
Mesmo em meio a uma agenda intensa, dividida entre o sucesso na televisão (está na novela Volta por Cima, interpretando o personagem Edson Bacelar) e a dedicação ao Carnaval, Aílton Graça não pensou duas vezes antes de aceitar o convite para integrar o elenco de Gente é Gente?! “Eu tenho uma paixão enorme pelo Marco, pelas direções, pelos trabalhos que a gente já fez lá no Folias da Arte. Então, estar aqui de novo é muito bom”, explica o ator. Além disso, o universo da peça, que flerta com o samba e com o espírito popular, também se conecta diretamente à sua história pessoal. “Minha paixão por Carnaval todo mundo já sabe. Desde pequeno, minha família foi dona de escola de samba e hoje está à frente da Lavapés, a mais antiga em atividade, com 88 anos. É um prazer e é uma miscelânea de tudo.” Para Aílton, teatro e Carnaval caminham juntos, como expressões artísticas que ele vive intensamente: “Tudo isso, para mim, está ligado ao teatro, está ligado à arte, está ligado a fazer coisas, está ligado a viver esse momento”, conta. Quanto ao desafio de cantar em cena, o ator fala com o humor que lhe é característico: “É claro eu morro de medo de cantar sozinho, mas cantar como ator é interpretar. Não sou cantor, vou cantar cenicamente, então, sem culpa.” Ao integrar o elenco de Gente é Gente?!, Aílton Graça reafirma sua conexão profunda com o teatro, o Carnaval e, sobretudo, com a amizade e a confiança no trabalho em grupo.
Zeca Baleiro, diretor musical e autor da trilha sonora
Com uma trajetória que começou no teatro amador do Maranhão, o cantor, compositor e músico Zeca Baleiro traz para a peça não só a experiência de compositor, mas também uma relação afetiva com o palco: “Eu comecei no teatro, aos 17 anos. Para mim, é sempre prazeroso voltar ao teatro. Eu me encontrei ali porque as minhas músicas já tinham um quê de crônica.” Ao ser convidado pelo diretor Marco Antonio Rodrigues, Baleiro se deparou com uma proposta ousada: criar uma “ópera-samba” inspirada no universo de Bertolt Brecht. Embora menos associado à sua carreira fonográfica, ele revela que o samba está profundamente enraizado em sua formação pessoal: “Minha música sempre foi ligada a uma coisa mais rock, mais pop, mas eu adoro samba. Minha mãe adorava música de rádio dos anos 30, 40, então cresci ouvindo Noel Rosa, Cartola, Nelson Cavaquinho, Wilson Batista. Essa coisa está no meu sangue.” A partir da provocação de Rodrigues, o artista mergulhou em uma sonoridade que transita majoritariamente pelo sambas enredo e tradicionais, mas que também incorpora referências de cabaré, tango, bolero e elementos da cultura popular brasileira, como ciranda e ponto de umbanda. “Virou, então, uma ópera-samba-cabaré, porque Brecht pede cabaré”, explica. Na direção musical, Baleiro valorizou o processo coletivo, trabalhando em parceria com um elenco escolhido a dedo por Rodrigues, formado por artistas que são também músicos, o que facilitou o desenvolvimento das canções em cena. A trilha mescla músicas ao vivo e gravações prévias com músicos profissionais do samba, criando efeitos cênicos que dialogam com a estética do espetáculo. O resultado é uma trilha que envolve o ambiente dramático da peça, evocando, ao mesmo tempo, o espírito do samba tradicional e a atmosfera densa e crítica típica do teatro brechtiano.
Músicas de Zeca Baleiro
1. Samba enredo – Abertura | 2. Extorquir monetizar | 3. Ê saravá! (Xangô) | 4. Aqui nesta casa | 5. Je t’aime monamu! Baby i love you! (1) | 6. Canção do mistério (Tango)| 7. Bem-Vinda, Guerra! | 8. Matar é Trabalhoso | 9. Ê Saravá! (Xangô) (2) | 10. Ciranda Cabulosa (Viver é Perigoso) | 11. Dúvida | 12. Je t’aime monamu! Baby i love you! (2) | 13. Vida-Tempo, Caminhão (Flor Roxa) | 14. Nascer, morrer | 15. Quem Manda Aqui! – Encerramento
Claudia Barral, livre adaptação
“Poder se aproximar de Brecht é muito bom. Poder revê-lo, revisitando sua obra, é muito rico. Por outro lado, por se tratar de uma livre adaptação, o desafio maior foi levantar as questões suscitadas pela contemporaneidade, pelo Brasil. A última década impôs desafios políticos, econômicos, éticos, sanitários impensáveis. Então como é ser gente hoje quando tudo parece nos roubar humanidade? Que outras guerras lutamos, alem das que Brecht viu? Nesse sentido, estamos bastante distantes do original já que nosso mundo é outro. A questão que permanece é quem sou eu?”
Cássio Brasil e os figurinos – fardas, roupas clericais e religiosas
As peças acompanham e realçam as opções estéticas da direção. “Inspirados na ideia das festas populares, onde a transformação e a ressignificação estão em jogo, elementos de diversas origens entram para recompor, com humor e crítica, as diferenças sociais, a desigualdade e hierarquias das estruturas de poder que estão presentes nas fardas, roupas clericais e religiosas”, comenta o figurinista. “O figurino é bem realista porque a peça trata de questões muito concretas e de universos que são muito estruturados, me refiro principalmente à indumentária. Fardas, trajes clericais e religiosos são rigorosamente pensados e construídos ao longo dos tempos. Não é à toa que eles perduram. Meu desejo era, em um mesmo figurino, usar essas roupas instituídas e misturá-las com as peças banais e efêmeras das festas populares, como Carnaval por exemplo, que, com humor e crítica, questiona essas instituições expondo, muitas vezes com coragem, a brutalidade dos fatos!”

Márcio Medina e o cenário
“O espetáculo questiona a integridade, manter-se íntegro durante o período da vida. A opção de criar o espaço onde a aventura deste homem acontece é um emaranhado de fios e caminhos, de possibilidades, sempre vigiados por olhos da “civilização“, provocando não somente a ilustração do que está sendo dito, mas associações mentais. Com vista nas nossas raízes, o emaranhado de fios, serpentinas no carnaval da vida, onde o homem se perde e se esquece, aí que essa Gente deixa de ser Gente. A aventura do teatro é alertar o espectador acomodado na cadeira e fazer com que ele possa dizer “não” a esse sistema, “não a esse modo de viver que a “civilização” quer lhe impor .Manter-se Gente é difícil, desenvolver-se enquanto Gente é muito difícil, perder-se enquanto Gente é muito fácil. Agradeço meus parceiros de outros e tantos carnavais, Marco Antônio Rodrigues por trabalhar dando voz a toda equipe , à Claudia Barral, Zeca Baleiro , Luque Daltrozo , Cássio Brasil , Gabriele Souza, ao incrível elenco e a corajosa produção .”
Sobre a Iluminação de Gabriele Souza
A proposta de iluminação para “Gente é Gente?!” origina-se da referência das avenidas de desfiles carnavalescos, com o objetivo de construir uma luz que moldura cenas e evidencie alas e alegorias. A ideia é criar recortes precisos, destacando elementos cênicos e personagens, e tensionar o espaço cênico por meio de uma relação direta entre luz, figurino e cenografia. Além das camadas tradicionais de luz cênica, a pesquisa explora o uso de objetos luminosos integrados à cenografia, e talvez, ao figurino, potencializando a plasticidade das cenas. O projeto busca uma abordagem alegórica e arquitetônica, em que a luz atua como ferramenta de composição, conectando narrativa e espaço, e trazendo uma dimensão visual expandida para o espetáculo.

Brecht e a reflexão sobre a identidade
Nascido em Augsburgo, Alemanha, Bertolt Brecht (1898-1956), poeta, encenador e um dos dramaturgos mais influentes do século XX, construiu sua obra Um Homem É Um Homem como um estudo sobre a maleabilidade da identidade humana e a manipulação dos indivíduos pelos sistemas de poder. O dramaturgo reescreveu o texto diversas vezes, entre 1926 e 1956, ano de sua morte. É uma comédia que se situa numa fase de transição e de formação da teoria brechtiana sobre o chamado teatro épico. A peça acompanha Galy Gay, um estivador que, ao longo da trama, perde sua própria identidade e se torna um soldado sem rosto, uma máquina de guerra. Trata-se de um alerta sobre o poder da manipulação e os perigos que corre aquele que não sabe dizer “não”. Com seu estilo épico, Brecht quebra a ilusão teatral, incentivando o público a refletir sobre os acontecimentos em vez de se envolver emocionalmente. Ele faz uso de músicas, narrativas diretas e personagens que se dirigem ao público, características de seu teatro dialético. Essa reflexão sobre a despersonalização atravessa Gente É Gente?!, adaptando-a para um contexto contemporâneo e brasileiro. Os trabalhos artísticos e teóricos de Brecht influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das apresentações de sua companhia, o Berliner Ensemble, realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955. Ao final dos anos 1920, Brecht torna-se marxista, vivendo o intenso período das mobilizações da República de Weimar, desenvolvendo o seu Teatro Épico. Sua práxis é uma síntese dos experimentos teatrais de Erwin Piscator e Vsevolod Meyerhold, do conceito de estranhamento do jornalista russo Viktor Chklovski, do teatro chinês e do teatro experimental da Rússia soviética, entre os anos de 1917 e 1926. Seu trabalho como artista concentrou-se da crítica artística ao desenvolvimento das relações humanas no sistema capitalista. Recebeu o Prêmio Lenin da Paz em 1954.

FICHA TÉCNICA
Texto livremente inspirado na obra “Um Homem é um Homem”, de Bertolt Brecht. Autora: Cláudia Barral. Dramaturgista: Silvia Viana. Direção: Marco Antonio Rodrigues. Assistente de Direção: Luana Freire. Trilha sonora Original e direção Musical: Zeca Baleiro. Cenografia: Márcio Medina. Iluminação: Gabriele Souza. Preparação Corporal e coreografias: Kátia Naiane. Figurinos: Cássio Brasil. Aderecista: Marcela Donato. Coordenação e Execução de cenografia: Blue Bird Produções Artísticas. Produção de cenografia: Mauro Amorim. Assistente de Cenografia: Nélio Teodoro. Operação de luz: Zerlô. Som: Gabriel Hernandes. Designer gráfico: Zeca Bittencourt. Fotos do programa: Camila Bevilaqua e Leekyung Kim. Assessoria de imprensa: ArtePlural – Fernanda Teixeira/Mauricio Barreira. Produção executiva nos Estúdios: Fernanda Tein. Produção montagem: Camila Bevilaqua. Produção executiva: Daniele Carolina Lima. Diretor de produção: Luque Daltrozo. Elenco:
Aílton Graça/Paulo Américo – Gesualdo Brilhante. Barroso – Jeremias Leite, Cabo Assistente Sargento Sanguinário. Caio Silviano – Tonho Tropeiro. Dagoberto Feliz – Sargento Sanguinário. Fernando Nitsch – Paulo Porta. Joice Jane Teixeira – Mãe Elza, Assistente Dona Amorosa. Katia Naiane – Marta, Assistente da Dona Amorosa. Nábia Villela – Dona Amorosa. Rodrigo Scarpelli – Jesse Silvano. Gravação em estúdio – músicos: Swami Jr. – Violão, Violão 7 cordas e Baixo. Henrique Araújo – Cavaquinho e Bandolim. Tiquinho – Trombone. Douglas Alonso – Percussão. Arranjos: Swami Jr., Zeca Baleiro e músicos. Gravado nos estúdios Al Gazarra, Ímã e Space Blues, por Alexandre Fontanetti, Pedro Luz, Swami Jr. e Zeca Baleiro. Mixado e masterizado por Walter Costa

SERVIÇO
Gente é Gente?!
Estreia: Dia29 de março, sábado, às 21h.
Temporada: De 29 de março a 4 de maio.
Sessões: Quartas, às 15h. Quinta a sábado, às 21h. Domingos e feriados, às 18h.
Teatro Antunes Filho – Sesc Vila Mariana (620 lugares) R. Pelotas, 141.
Ingressos: Disponíveis no site.
Classificação indicativa: 16 anos.
Duração: 100 minutos.
Ingressos: Os ingressos estarão disponíveis no aplicativo Credencial Sesc SP a partir do dia 18/03 às 17h e nas bilheterias do Sesc em todo o Estado a partir do dia 19/03 às 17h – R$ 21 (credencial plena); R$ 35 (estudante, servidor de escola pública, idosos, aposentados e pessoas com deficiência) e R$ 70 (inteira)
Sesc Vila Mariana | Informações
Endereço: Rua Pelotas, 141, Vila Mariana – São Paulo. Central de Atendimento (Piso Superior – Torre A): terça a sexta, das 9h às 20h30; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h (obs.: atendimento mediante a agendamento). Bilheteria: terça a sexta, das 9h às 20h30; sábado, das 10h às 18h e das 20h às 21h; domingos e feriados, das 10h às 18h. Estacionamento: R$ 8,00 a primeira hora + R$ 3,00 a hora adicional (Credencial Plena: trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes). R$ 17 a primeira hora + R$ 4,00 a hora adicional (outros). 125 vagas. Paraciclo: gratuito (obs.: é necessário a utilização travas de seguranças). 16 vagas